Um choque na oferta vindo da China

O fenómeno DeepSeek e as dinâmicas que esta introduz podem ser muito positivos para a Europa, que tem aqui uma oportunidade, dada pela China, de recuperar parte do seu atraso no setor da IA.

A entrada em cena da start-up chinesa DeepSeek no mundo da inteligência artificial (AI) lançou o pânico na bolsa de Nova Iorque e causou a maior perda de valor diária de sempre de uma empresa (600 mil milhões de dólares), a Nvidia. O que a DeepSeek anunciou, de forma muito simples, foi que o seu produto fazia praticamente o mesmo que os gigantes americanos, como a OpenAI, mas com muito menos hardware e muito menos necessidades energéticas. Ou seja, faz a mesma coisa que os incumbentes, mas por uma fração do custo e dos recursos. É, sem dúvida, uma ameaça ao poder dos incumbentes e a uma certa ideia de liderança e domínio tecnológicos por parte dos americanos. Mas o seu impacto global no setor e na economia mundial é, inequivocamente, positivo.

Nos últimos dias temos visto muitos que, tentando lidar com o choque e a desorientação, se têm dedicado a procurar informação sobre Tiananmen, o Tibete ou os direitos humanos na China, apontando limitações e defeitos no modelo da start-up chinesa e, com isso, recuperando uma certa ideia de normalidade. Afinal, a Deepseek é chinesa, o que naturalmente, levanta algumas preocupações. Mas a principal inovação da DeepSeek foi no domínio da eficiência e dos custos, não no conteúdo dos dados. E, paradoxalmente, a principal inovação foi ter feito isso tudo na eficiência e nos custos e disponibilizado o seu feito em código aberto. Isso, sim, tem efeitos disruptivos.

Os custos, por si só, não seriam tão relevantes caso o modelo da DeepSeek estivesse condenado a ter as limitações em termos de conteúdo e respeitar as suscetibilidades que o Estado chinês entendesse impor a cada momento. Acontece que, como está em código aberto, o modelo pode sempre “desaprender” o que aprendeu e pode ser apropriado, transformado e melhorado por todos, sem estar sob a alçada ou intervenção do Estado chinês (ou de qualquer outro).

É, pois, na combinação da redução radical de custos e nos ganhos de eficiência com a disponibilização do modelo em código aberto que reside a dimensão disruptiva da tecnologia. Estamos perante um enorme choque na oferta, que põe em causa a atual estrutura oligopolística de mercado, dominado por gigantes tecnológicos americanos, e que introduz dinâmicas concorrenciais e de inovação que só podem beneficiar o setor da IA e os seus utilizadores finais.

As perdas bolsistas desta semana são, por isso, apenas aparentes e de curto prazo. Pode haver perda de valor permanente para quem pensava lucrar com o seu poder de mercado, mas o setor como um todo fica a ganhar, porque pode aumentar a eficiência, reduzir custos, fomentar a inovação, expandir a concorrência no mercado e impulsionar o crescimento económico. Um setor mais democrático, mais aberto a concorrência e à inovação, e sobretudo um setor que se torna mais viável do ponto de vista do consumo de recursos energéticos, é uma boa notícia para o futuro da IA, para a economia mundial e democratiza as oportunidades económicas existentes. E favorece as tecnologias renováveis face à tecnologia nuclear, porque, para além de introduzir ainda mais dinamismo e velocidade no setor, o que coloca em desvantagem a tecnologia cujo planeamento e instalação são mais lentos, também introduz maior variabilidade no consumo (umas das razões para os ganhos de eficiência do modelo DeepSeek é exatamente menor volume total através de maior variabilidade no uso de recursos e consumos energéticos, fazendo-os variar em função das necessidades concretas e do tipo de processamento).

Por todas estas razões, o fenómeno DeepSeek e as dinâmicas que esta introduz no setor podem ser muito positivos para a Europa, que tem aqui uma oportunidade, que lhe foi dada pela China, de recuperar parte do seu atraso no setor da IA.

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