“Um iogurte e uma banana”

Declarar um estado de emergência climática por parte dos governos pode ser muito útil para a gestão da imagem, mas na verdade é uma coisa razoavelmente inúti.

É muito comum ouvir-se protestar com os governos por não gerirem sensatamente o problema das alterações climáticas. É uma crítica intrinsecamente injusta. Os Governos têm muito menos responsabilidade que as pessoas e as empresas no assunto e, nos Estados Unidos e na Europa, tem havido aumento de produção ao mesmo tempo que diminuem as emissões.

Como Presidente da República, na cimeira do clima da ONU, “o Presidente português sublinhou que “a condescendência e a indiferença já não são toleráveis” e que Portugal “foi o primeiro” país a comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050, ao aprovar um roteiro para esse objetivo.” Como pessoa, quando perguntado por uma miúda o que comia ao pequeno-almoço, Marcelo Rebelo de Sousa, respondeu sem hesitação: “um iogurte e uma banana sempre, todos os dias”.

Por puro acaso, o meu pequeno-almoço, que até varia bastante, foi arroz de míscaros e meio copo de vinho branco e vale a pena discutir o impacto das opções de cada um de nós nas políticas de mitigação climática (ou seja, de redução de emissões) ou de adaptação climática (isto é, de preparação para as alterações inevitáveis).
O impacto do pequeno-almoço do nosso Presidente, bem mais enfático no discurso sobre o assunto que eu, foi muito maior que o meu. O que mais impressiona, do ponto de vista de indiferença em relação ao problema climático, é mesmo aquele “sempre, todos os dias”.

A monotonia alimentar, indiferente aos produtos de época, às oportunidades de momento, ao aproveitamento das pequenas coisas disponíveis, é um dos maiores problemas dos padrões alimentares actuais, do ponto de vista da alteração climática.

As opções de produção restringem-se, tornam-se menos adaptadas às condições locais e meteorológicas de produção, gerando enormes ineficiências, intensificação e homogeneização. E implicam cadeias longas de comercialização e armazenamento, com consumos energéticos elevados em refrigeração, para que tenhamos os mesmos produtos, todos os dias, em todo o lado. Ao mesmo tempo, produções menos padronizadas vão perdendo espaço e consumidores, gerando grandes desperdícios e abandono territorial (quantos de nós somos ainda capazes de uma operação de cozinha banal, como comprar um peixe, fazê-lo em filetes e aproveitar as cabeças, espinhas e peles numa sopa?).

Em cima deste aspecto, a escolha de um produto processado, vindo da fileira de produção de gado intensiva, como o iogurte, que exige consumo de energia em refrigeração durante todo o seu tempo de vida, embalado em pequenas porções que geram enormes quantidades de lixo, acompanhado de um fruto vindo de algures no mundo, é inevitavelmente mais impactante que o resto do meu jantar do dia anterior.

Foi feito a partir de um produto energético que não necessita de medidas de conservação activas, que gera menos lixo decorrente do embalamento, como o arroz, a que se juntam os míscaros, um produto de elevado valor nutricional e baixíssimo impacto ambiental, acompanhado de uma bebida fermentada, sem necessidade de frio para a sua conservação, mesmo por longos períodos, e cuja produção desempenha um relevante papel na sustentabilidade económica da gestão do território do país.

Claro que chegado a este ponto, seria simples eu escrever, em caixa alta “HOW DARE YOU, Mr. PRESIDENT”, como está na moda, mas não, eu não tenho a menor intenção de julgar as opções alimentares do Senhor Presidente, pelo contrário, percebo que o seu tempo é demasiado precioso para todos nós para estar uma hora a arranjar míscaros para o arroz, que a sua organização de vida o faça ter poucos restos de jantar em casa, e por aí fora.

O que me interessa é mesmo fazer notar que grande parte das opções necessárias para levarmos a sério a gestão do problema das alterações climáticas são opções difíceis a que as pessoas comuns resistem, umas porque custam mais dinheiro, outras porque exigem tempo e trabalho, outras porque exigem conhecimento e sofisticação, outras porque dependem de tecnologias que ainda não estão suficientemente maduras.
E os políticos, numa democracia, respondem aos estímulos do seu eleitorado, não o educam. Repare-se como dois políticos sobre cujas diferenças há poucas dúvidas, acabam a convergir, por não saberem que soluções adoptar.

  • “A eletricidade e o gás são um bem essencial de primeira necessidade, a sua descida tem um efeito enorme na economia e também porque para as famílias quanto menos pagarem na conta da luz, mais fica de salário e de pensão” (Catarina Martins).
  • The Democratsdestructiveenvironmentalproposals will raise your energy bill and prices at the pump. Don’t the Democrats care about fighting American poverty?” (Donald Trump)

Declarar um estado de emergência climática por parte dos governos, que é uma exigência frequente, pode ser muito útil para a gestão da imagem de quem o exige e de quem o declara, mas na verdade é uma coisa razoavelmente inútil ou, pelo menos, bem menos útil que trocar a banana quotidiana por fruta da época de mercados de proximidade.

Concordando com o Senhor Presidente, eu também acho a indiferença inaceitável, mas discordando do Senhor Presidente, a complacência faz falta para ouvir com atenção as razões dos outros e, dessa forma, irmos encontrando melhores soluções para servir as pessoas concretas que estão à nossa frente, ao mesmo tempo que diminuímos o nosso impacto no mundo que nos rodeia.

São os governos que seguem os eleitores, não são os eleitores e abstencionistas que fazem o que os governos querem e, essa é a questão fundamental, os eleitores, cidadãos e consumidores somos nós, é ao espelho que precisamos de discutir como gerir sensatamente a adaptação da nossa sociedade a um tempo provavelmente novo do ponto de vista climático.

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