Um ministro cheio de força

O Governo precisa de ministros Jedi, sem dúvida, mas daqueles que libertem o poder da “força” de forma equilibrada e judiciosa. Pedro Nuno Santos quer levar tudo à força.

O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, anda zangado. É o arrendamento acessível que tem sido um fracasso. É o código da contratação pública que não deixa avançar os concursos públicos. É o parlamento que acaba de suspender a construção da linha circular do Metro de Lisboa. É a opinião pública que não acredita no “comboio português”. É a Agência Portuguesa do Ambiente que não entende que “não existem aeroportos neutros do ponto de vista ambiental”. É o Tribunal de Contas que lhe criou “um problema enorme” na subconcessão rodoviária do Algarve Litoral. É a TAP que continua a dar prejuízo e o accionista privado que não sai de cena. É a ANA que não colabora com o Governo e que tem de vergar. É, enfim, todo um calvário que o bom ministro lá vai suportando, a bem, naturalmente, do povo português. Afinal, disse ele há dias em entrevista a um programa televisivo, “aquilo que tenho na minha cabeça é que estou a representar dez milhões de portugueses e isso obviamente dá-me uma força que nenhum contrato blindado tem”.

O Governo precisa de ministros Jedi, sem dúvida, mas daqueles que libertem o poder da “força” de forma equilibrada e judiciosa. O senhor primeiro-ministro, António Costa, qual mestre Yoda em busca do próximo Skywalker, ao ver a entrevista televisiva de Pedro Nuno Santos, certamente deve ter ficado a pensar que “a força é forte com este”.

De resto, como bem sabemos, a força é forte no PS e, mais do que isso, no PS faz-se forte a força. Quem se mete com eles, diz-se por aí, leva. Todavia, como dizia o Yoda da “Guerra das Estrelas”, a verdadeira “força” é harmoniosa, ela é a energia que nos rodeia, que nos une, que nos torna virtuosos, que transcende o material (“luminous beings are we, not this crude matter”). A verdadeira força, regressando à esfera política, está nos freios e contrapesos. Essa é a “força” maior da democracia. Mas o ministro não acredita, quer levar tudo à força, e, por isso, falha. Ele é Luke na desesperança. Ele é Anakin Skywalker ou Ben Solo, prestes a cair para o lado negro da “força”.

Como disse um dia Lord Acton, “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”. Por isso existem entidades de fiscalização e códigos de conduta.

Sobre o código da contratação pública, o ministro anunciou querer revisitá-lo, garantindo, em declarações à imprensa, “o escrutínio e rigor nas decisões dos decisores políticos, mas sem se transformar em algemas que impeçam o Estado de fazer o seu trabalho”. O ministro não ignora que o código foi revisto em 2018, mas não desarma – “temos de o ir revendo”. Sente-se agrilhoado. E que revisões serão essas? O ministro remete para o Conselho de Ministros. De lá sairá, quiçá, uma revisão semelhante àquela que retirou a lei de bases da Habitação da lei geral que regula as parcerias público-privadas. É a força do poder, e não o poder da “força”, porque no Tribunal de Contas, conforme sugere Fernando Medina, está Darth Vader ou Kylo Ren. Este Governo PS quer fazer obra, mas é o próprio Estado que não deixa. O Estado tudo quer controlar. A contradição a que isto chegou!…

Sabe-se, entretanto, que vários concursos públicos têm ficado vazios. O ministro lamenta-se e o “império” contra-ataca.

Por um lado, o ministro diz que “temos cada vez mais empresas estrangeiras, nomeadamente espanholas, a ganhar concursos cá (…) estamos muito limitados, quase exclusivamente, ao preço”. Malditos espanhóis que permitem ao Estado português adjudicações menos onerosas! Por outro, adianta que “vamos agora lançar [novos concursos] com preços mais realistas para o momento que a construção civil está a viver em Portugal. (…) Temos este programa – Ferrovia 2020 – para fazer, não queremos perder financiamento comunitário, temos de ir ao encontro dos preços que o mercado nos está a apresentar”. Há, pois, que aproveitar antes que o orçamento comunitário encolha.

Bem-ditos mercados, que no Ferrovia 2020, ao contrário do que acontece no imobiliário de Lisboa e Porto, são bem-vindos.

Longe vão os tempos em que Pedro Nuno Santos afirmava que Portugal tinha uma “bomba atómica” para usar, que [ou] “os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida”, tempos em que as pernas dos banqueiros alemães tremiam só de ouvir as palavras do (agora) ministro. Longe vão os tempos em que o mercado era a origem de todo o mal, os investidores os algozes do povo, e o Estado a pobre vítima.

Agora, parece que o mercado já é virtuoso (mas só quando dá jeito) e que são as instituições do próprio Estado a impedir o Governo de levar a prosperidade ao bom povo. “O Estado tudo quer controlar!” – ele, tão jocosamente crítico dos liberais no parlamento, está quase um liberal! Enfim, a diferença que o tempo e uma gravata fazem. Porém, não se enganem, o lado negro da força, a mania de querer falar mais alto do que os outros, e a incoerência dos argumentos apresentados permanecem à vista. Tremam, pois, que o homem está cheio de força e, pior do que isso, está zangado. Tem tudo para dar errado.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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