
Um Nuevobanco em mãos espanholas ou um Novobanco na bolsa portuguesa?
Olhando para o tabuleiro, a entrada em bolsa é a jogada certa. Evitaria questões de risco-país e de concorrência e injetaria dinamismo crucial no mercado de capitais.
Estará por dias uma decisão que vai redesenhar o tabuleiro da banca portuguesa. O fundo norte-americano Lone Star quer vender o Novobanco, ou pelo menos parte do banco, e estará a decidir esta semana (ou no mais tardar na próxima), se vai vender a participação de 75% diretamente a outro grupo bancário ou se quer colocar até 30% do capital em bolsa, nomeadamente na de Lisboa.
Porque é que esta decisão é importante? Primeiro, porque o Novobanco não é um banco qualquer, é o banco cuja criação e gestão foram polémicas, provocando intenso debate político. Resgatado na resolução do Banco Espírito Santo (BES) em 2014, o Novobanco (na altura Novo Banco) recebeu logo 4,9 mil milhões de euros para não afundar, dos quais 4,4 mil milhões dos cofres públicos. A solução, prometia o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho na altura, era a que oferecia maiores garantias de que os contribuintes portugueses não seriam chamados a suportar as perdas que resultam da má gestão pelo BES. A promessa sairia furada.
O Novobanco foi definido como o banco ‘bom’ e alvo de uma limpeza geral, deitando fora partes tóxicas e que não podiam ser recuperadas (obrigações, dividas empresariais e ativos imobiliários, entre outros). Mas isso teve custos, com prejuízos avultados nos primeiros anos. Em 2017, o Fundo de Resolução (FdR) vendeu 75% do Novobanco ao Lone Star, que iria injetar mil milhões de euros. O diabo estava, no entanto, no detalhe, nomeadamente uma ‘almofada’ de até 3,89 mil milhões de euros para proteger os rácios de capital do Novo Banco de perdas em determinado tipo de ativos tóxicos do BES, ou seja proteger o Lone Star dessas perdas. Era uma condição da venda, mas o problema foi que o Fundo de Resolução ficara responsável por essas capitalizações. Mas essa entidade financiada pelo sistema bancário não tinha fundos e teve de recorrer a empréstimos do Estado com reembolsos até 2056. Entre 2018 e 2021 o Novobanco recebeu injeções de capital no valor total de 3,4 mil milhões de euros.
O banco foi fazendo o seu caminho, chegou aos lucros em 2018 e em 2024 registou ganhos de perto de 745 milhões de euros. Findo antecipadamente o acordo de capital contingente (o tal que permitia a ‘almofada’ para o Lone Star dormir melhor) já pagou 1,1 mil milhões de euros em dividendos, parte de um total de 3,5 mil milhões a distribuir nos próximos três anos.
Portanto o Novobanco é neste momento um tesouro que foi resgatado de um naufrágio, polido durante anos a grande custo para todos nós e que hoje brilha tanto que o Lone Star já o pôs na montra. É essa a primeira razão que dá importância ao destino do Novobanco, pois de certa forma é de todos nós e queremos saber para onde vai depois deste processo todo.
Mas não é a única razão. Esse destino do Novobanco pode representar o reconfigurar do setor da banca em Portugal. É o quarto maior banco em termos de lucros, margem financeira, crédito concedido e o segundo no ranking do Return on Equity, uma crucial métrica de rentabilidade. Tem uma fortíssima posição na banca para empresas, algo que dá muito lustro para atrair interessados.
E quem são esses interessados? Aqui é que a história fica mais complicada. Nada é oficial ainda, mas há sinais que os espanhóis do Caixabank (donos do BPI) e os franceses do grupo BPCE (que inclui o Natixis) terão feito ofertas para comprar o banco português liderado por Mark Bourke. Segundo o que o ECO apurou, o interesse dos franceses estará condicionado por desconforto com o eventual preço, vendo a última avaliação – de entre 4,8 mil milhões de euros e 6,2 mil milhões – pela casa de investimento espanhola JB Capital, como elevada.
O Caixabank estará portanto à frente na corrida, mas enfrenta um obstáculo grande para chegar ao tesouro – o Governo português. O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já se mostrou contra o controlo espanhol do Novobanco, explicando em maio que a banca espanhola representa um pouco mais do que um terço do mercado português e que por uma questão de concentração e dependência, esse valor não deveria aumentar. E bem.
A compra do Novobanco por uma instituição financeira espanhola aumentaria esse valor para mais de 50%. Não entro em conversas antiquadas sobre centros de decisão e tal. Num mundo global é preciso reconhecer a própria escala e aceitar essas coisas. Mas há um risco, o risco-país. Um país ter um sistema financeiro em maioria nas mãos de outro país aumenta a exposição. A banca espanhola neste momento está saudável. Mas não esteve sempre, teve de pedir 100 mil milhões de euros em 2012, principalmente para recapitalizações. Não quer dizer que vá acontecer de novo, mas não há razão para correr esse risco. Se Espanha tiver alguma crise financeira, não é necessário sofrermos por tabela. A diversificação dos riscos é sempre aconselhável.
Recordemos também que isto não é uma questão de interferência governamental em empresas privadas, como já vimos noutros casos no passado (PT e BCP, à cabeça). O Lone Star tem 75% do Novobanco, mas os restantes 25% estão nas mãos do Estado, através do FdR e Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Portanto, tem uma palavra a dizer.
Com o Santander a afastar-se da corrida por iniciativa própria, à partida restam duas opções portuguesas para contrariar os interesses de espanhóis e franceses. O BCP está a jogar a possibilidade de forma cool, com o CEO Miguel Maya a dizer que analisaria o Novobanco caso a decisão for de venda direta, mas ao mesmo tempo a sublinhar o plano de crescimento orgânico do banco que lidera.
Já no caso da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo também admite analisar a compra, mas mostrou realismo ao recordar que as regras da concorrência europeia impediriam o banco público de comprar a totalidade do Novobanco e que uma compra parcial seria complexa. E há mais uma questão ética: depois de o esforço hercúleo de recuperar o tesouro, queremos mesmo cortá-lo aos bocados? Não.
Dado este tabuleiro, a entrada em bolsa – algo que o Lone Star nunca tirou de cima da mesa – é a opção certa. Evitaria questões de risco-país e de concorrência, representaria uma venda parcial que poderá ser aumentada mais tarde dependendo do desempenho do banco nos mercados. E injetaria dinamismo num mercado de capitais que neste momento só tem um banco cotado, o BCP.
A decisão do Lone Star vai ser guiada pelo seu próprio interesse, claro, mas esperemos que coincida com o nosso também.
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