Um PRR para europeu ver

Um PRR sem uma visão para o país. Um PRR que se limita a despejar dinheiro nos problemas. E um Governo que em Bruxelas quer parecer reformista, mas que em Portugal é profundamente estatizante.

Já sabemos, desde finais de 2015, que este governo vive sob a capa da dissimulação. Para chegar ao poder, depois de ter perdido as eleições legislativas de 2015, António Costa fez um acordo parlamentar, ao arrepio de 40 anos de prática Democrática, com as forças de extrema-esquerda. A partir desse momento, para manter a geringonça, foi prometendo no papel uma coisa, enquanto garantia em Bruxelas outra.

Prometeu virar a página da austeridade, mas carregou nos impostos indiretos e nas taxas e taxinhas, chegando a 2019 com a maior carga fiscal de sempre.

Prometeu virar a página da austeridade, colocando todos os anos nos Orçamentos do Estado o compromisso de aumentar o investimento público e, em cada ano, entre 2016 e 2020, o investimento público esteve sempre abaixo dos 2.3% do PIB de 2015.

Prometeu virar a página da austeridade, colocando nos Orçamentos do Estado o compromisso de aumentar muito a dotação para os serviços públicos, e depois cativou essa despesa como nenhum Governo alguma vez fez.

Essa duplicidade, falta de transparência e de prestação de contas foram novamente visíveis no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) (a “bazuca”, que agora nas palavras do primeiro-ministro é uma “vitamina” e que vai acabar como já referi a ser um “placebo”).

O Governo sabe que Bruxelas tem neste momento uma postura muito rígida relativamente ao PRR. Não apenas no escrutínio do mérito dos projetos e programas onde o dinheiro será alocado, mas também nas reformas que o Governo proponha realizar. Sem essas reformas, Bruxelas já avisou que não haverá verbas. Para já, a posição de Bruxelas é de inflexibilidade. Sem reformas não há PRR aprovado. Depois se verá se na execução a Comissão Europeia será de facto intransigente com a necessidade de executar o que foi apresentado.

Mas isso coloca o Governo em forte contradição. Por um lado, precisa de apresentar e defender as tais reformas. Por outro, sabe que com o Bloco e o PCP nunca conseguirá fazer qualquer reforma que mexa nos interesses instalados ou que promova maior competitividade da economia.

Por causa disso, o Governo escondeu inicialmente os anexos que foram enviados a Bruxelas. Mais de 1700 páginas ocultadas e só divulgadas mais tarde por pressão, depois das notícias. Sendo que essa divulgação foi feita num site, onde é preciso consultar mais de 50 ficheiros pdf para se obter toda a informação. Tudo para tornar o escrutínio o mais difícil possível. Um Governo que convive mal com a transparência, o debate e o escrutínio.

Um Governo que apresenta ao país um plano a ser executado em seis anos (para lá da atual legislatura), que vai ter impacto por muitos mais anos, e que dá apenas duas semanas de consulta pública. Que não dialoga com as principais entidades e associações.

Um Governo que vê o partido da oposição que é alternativa de poder, o PSD, apresentar uma versão alternativa do PRR, através do seu Conselho Estratégico Nacional, que não são meia dúzia de páginas com generalidades, mas sim um documento com 130 páginas e um grande nível de detalhe, e não tem uma única iniciativa para debater as alternativas. E não têm maioria absoluta! O que faria se tivessem!

Nem nos piores tempos de José Sócrates se teve uma postura tão opaca, fechada, pouco democrática e a roçar mesmo, com declarações do primeiro-ministro, a falta de educação e de nível que a política deve exigir aos seus atores.

As reformas constantes nesses anexos enviados a Bruxelas são um profundo desengano. Porque na maioria dos casos são “reformas” para dentro, ou seja, para gastar dinheiro.

Veja-se o caso da Administração Pública. O que se fala é de infraestruturas, de digitalizar a burocracia. Não há uma reforma dos serviços públicos, da reorganização dos processos, da reestruturação da orgânica, com a redução do número de serviços ou a revisão das competências e carreiras.

Apenas e só despejar dinheiro nos problemas. Um Governo que quer digitalizar a administração pública, mas que prevê aumentar o número de funcionários públicos, que desígnio tem?

Este Governo teve a reforma das Finanças Públicas (da gestão financeira do Estado) na gaveta desde 2015. Agora diz que vai avançar, tendo previsto até 200 M€, valor excessivo para o que é preciso, mas sem a orientação estratégica e política que essa reforma implica. Mais uma vez, despejar dinheiro nos problemas.

Um PRR que não assenta no diagnóstico dos “estrangulamentos” da competitividade da economia Portuguesa. Que é omisso sobre o sistema fiscal (instabilidade das regras fiscais, complexidade, custos de cumprimento das obrigações declarativas e as elevadas taxas de IRS para a classe média e a alta taxa de IRC). Que é ainda omisso sobre o mercado laboral.

Um PRR sem uma visão para o país. Um PRR que se limita a despejar dinheiro nos problemas. E um Governo que em Bruxelas quer parecer reformista, mas que em Portugal é profundamente estatizante, avesso a reformas e indiferente (e muitas vezes hostil) à iniciativa privada e às empresas.

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