Uma farsa de crise política

O que esta crise mostra é que depois de quatro anos de campanha eleitoral a usar o Governo, o PS está disposto a tudo para ganhar as legislativas. Custe o que custar e a quem custar.

Na sexta-feira, o primeiro-ministro iniciou o dia com uma reunião de crise do Governo em São Bento (mas onde participou a Drª Ana Catarina Mendes, que salvo por via do irmão, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ainda não faz parte do Governo). O motivo tinha sido a aprovação na noite anterior, na comissão Parlamentar de Educação, de uma norma sobre a progressão dos professores e os já famosos 9 anos, 4 meses e 2 dias.

Nesse dia de manhã, o líder do PSD tinha dito que não conhecia o texto (ninguém ainda conhecia o texto final, salvo os deputados que tinham estado durante a noite a aprovar o documento). Disse também que o PSD mantinha a sua posição de sempre: que entendia que os 9 anos, 4 meses e 2 dias deveriam ser considerados. Mas que havia diversas formas de o fazer (diluído no tempo, em redução de horário, no tempo para a reforma, etc.). Disse também mais duas coisas muito claras:

  • Que nenhuma medida que implicasse um encargo orçamental adicional para 2019 contaria com o voto do PSD.
  • Que nenhuma medida que fosse aprovada antes das eleições, condicionando do ponto de vista orçamental o próximo governo contaria com o apoio do PSD.

A mensagem do Dr. Rui Rio não podia ter sido mais clara: “Por princípio deve ser considerado todo o tempo. A forma de o fazer compete ao próximo governo”.

A meio da tarde, o primeiro-ministro chamou os jornalistas a São Bento e anunciou que caso a norma fosse aprovada no plenário da Assembleia da República, o Governo pediria a demissão.
Ora, aqui importa ressalvar logo 5 pontos:

  1. Como pode o primeiro-ministro ameaçar com demissão sem conhecer o texto. Sim, o primeiro-ministro, que nessa noite acusou o Dr. Rui Rio de ter a honestidade, quando falou de manhã, de reconhecer que não conhecia o documento, é o mesmo que dá uma conferência de imprensa a ameaçar demitir-se sem também conhecer o teor do documento. O primeiro-ministro ameaçou demitir-se por causa de um texto que naquele momento não conhecia.
  2. Como pode o primeiro-ministro ameaçar com demissão sem saber se o Presidente da República vetaria o diploma, o que tornaria o mesmo irrelevante, pelo menos nesta legislatura?
  3. Como pode o primeiro-ministro ameaçar com demissão quando sabe (ou deveria saber, ou alguém por ele) que existe uma coisa chamada “lei-travão” que impede o Parlamento de aprovar normas que aumentem a despesa (ou diminuam a receita) no decorrer de um exercício orçamental cujo Orçamento do Estado já está aprovado? Não foi o Dr. António Costa Deputado, líder da bancada parlamentar do PS e ministro dos Assuntos Parlamentares? Ou baldou-se à cadeira de Finanças Públicas durante o curso?
  4. Como pode o primeiro-ministro ameaçar com demissão, quando o seu ministro das Finanças reconheceu na entrevista dessa noite à SIC que a proposta do PSD tinha limites à evolução da despesa (chamou-lhe “travões”)?
  5. Como pode o primeiro-ministro ameaçar com demissão, a 4 meses das eleições, apenas para ter eleições em julho, e com isso evitar o desgaste de mais dois meses, ao mesmo tempo que julga aproveitar eleitoralmente os reembolsos do IRS (uma vergonha de manipulação das tabelas de retenção na fonte de 2018 e 2019) e os passes sociais?

O Doutor Centeno é que se prestou, mais uma vez, a um mau papel. Foi alterando o valor da medida, sempre para cima. Sempre sem considerar os efeitos líquidos. Os valores que referiu eram o efeito bruto, para todas as carreiras. E mesmo assim, não batem certo com os números que apresentou no OE/2017 e no OE/2018. As incongruências do primeiro-ministro e do ministro das Finanças são várias e estão sintetizadas aqui.

Até podíamos ser um pouco cínicos e perguntar ao Doutor Centeno se deixou de acreditar nos multiplicadores da despesa que tanto defendeu no programa eleitoral de 2015? Afinal de contas, nesses tempos, o PS vendia a cantilena que representava a responsabilidade orçamental pela via do investimento público e da procura interna, que iria aumentar a receita e equilibrar o orçamento. Vai na volta, usando o seu modelo de previsão, ainda tínhamos, no papel, a economia a crescer bastante com esta despesa.

Também falou de despesa atirada para os anos seguintes. Doutor Centeno, quer mesmo falar sobre isso? Sobre o investimento público que terá de ser feito nos próximos anos para repor o que não foi feito nestes últimos quatro? Sobre a despesa com os serviços que vai ter de ser feita para recuperar do colapso que estamos a assistir (basta tentar ir tirar o cartão do cidadão em Lisboa)? Sobre a dívida comercial dos hospitais a fornecedores (agora com vendas à consignação e com empréstimos de equipamentos para não registar o compromisso), que não para de aumentar?

O que esta crise mostra é que depois de quatro anos de campanha eleitoral a usar o Governo, o PS está disposto a tudo para ganhar as legislativas. Custe o que custar e a quem custar. E com o Doutor Centeno, em tempos um académico respeitado, em grande forma na propaganda.
Mas esta crise fez cair as quatro máscaras de António Costa e deste Governo:

  1. Fez cair a máscara do fim da austeridade. Recorde-se que o PS aprovou há cerca de um ano uma resolução no Parlamento para que a totalidade do tempo fosse contada. Recorde-se que o Governo várias vezes prometeu isso. Mas não cumpriu. E não cumpriu porque sabe que isso, de uma vez só, seria bastante negativo para o equilíbrio orçamental. Refira-se que este congelamento vem de 2010, em pelo governo Sócrates. Mas mesmo assim deixou que o assunto fosse sendo mantido no debate político. Fez passar o OE/2018 com base nessa promessa, que já sabia que não iria cumprir.
  2. Fez cair a máscara da consolidação orçamental. No OE/2018 havia margem orçamental para repor tudo. Agora que, nas palavras do Doutor Centeno, está tudo ainda melhor, já não há? Mesmo que os números do Governo fossem verdadeiros (e já vimos que não são), se a consolidação orçamental nestes últimos quatro anos tivesse sido estrutural, não seria esta medida que destruiria quatro anos de governo, na palavra de alguns governantes e deputados. Aliás, se uma única medida destrói quatro anos de Governo, isso não abona muito a favor desses quatro anos.
  3. Fez cair a máscara da governabilidade à esquerda. Recorde-se o primeiro-ministro que foi ele próprrio que trouxe os dois partidos de extrema-esquerda para o apoio ao Governo no Parlamento. Foi ele que trouxe dois partidos antidemocráticos e antieuropeus para essa responsabilidade. Foi ele que quebrou 40 anos de tradição Constitucional. Agora, os jornais já chamam o Bloco e o PCP de esquerda radical. Antes, eram dois partidos da esquerda. Foi aliás curioso ver o deputado Carlos César a dizer que o Governo tinha sido posto em causa por uma aliança dos partidos da direita e os ”partidos extremistas à esquerda”. Ó Diabo, então o PS andou quatro anos a governar apoiado por extremistas e só agora é que descobriram?
  4. Fez cair a máscara da resiliência do primeiro-ministro. E não me venham falar de que ele não se demitiu nos fogos de 2017, com Tancos ou com outros casos que ocorreram. Esses não afetavam o seu poder parlamentar. Aqui sim. E à primeira contrariedade, o primeiro-ministro ameaça a demissão. Tinha sido bonito se alguém do PS tivesse governado entre junho de 2011 e junho de 2014. Tínhamos pedido o 2º e 3º resgate mais depressa que a Grécia.

Ao invés de responder ao primeiro-ministro de forma acalorada, logo no imediato, o Dr. Rui Rio preferiu esperar. Por três razões simples:

  1. Primeiro, o assunto era sério, e como tal obrigava a uma reflexão;
  2. Segundo, porque responder de imediato, na torrente de notícias e comentários era privilegiar a política espetáculo, ao invés da responsabilidade perante o país;
  3. Terceiro, porque optou por esperar que todo o cenário se tornasse claro aos olhos das pessoas para depois atuar. Só assim, com base no máximo de informação (quer o próprio, quer quem o vai ouvir) é que se tomam decisões acertadas.

Sabemos que o Dr. António Costa é um especialista na arte da jogada política, do embuste e das manobras de bastidores. Foi assim que chegou ao poder no PS e no Governo.

Manter-se no poder a todo o custo. Foi essa a única preocupação do Dr. António Costa. Está agora a colher os frutos dessa falta de estratégia e do oportunismo politico que sempre pautou a sua atuação. Mas desenganem-se os que acham que, do lado do PSD, a resposta é igual. Não é nem será. Do nosso lado, o desafio é diferente: mostrar que há uma alternativa política de equilíbrio das contas públicas, mas com maior crescimento, desenvolvimento e justiça social.

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