Uma oportunidade para simplificar

Ninguém pretende desvalorizar os enormes desafios que a UE enfrenta. Mas também não temos de os tornar maiores e mais difíceis de resolver do que aquilo que efetivamente são.

As primeiras semanas da segunda presidência Trump já deixaram claro que a Europa não tem outra opção que não a de acelerar a implementação do plano de reforço da sua autonomia estratégica, em particular no domínio energético Sem isso, a União Europeia (UE) perde poder de negociação e vê-se presa entre dois atores que utilizam combustíveis fósseis como instrumentos de coação: a Rússia, a leste, e os EUA de Trump, agora adversário da transição energética, a oeste.

Se na crise energética que resultou da agressão russa à Ucrânia o objetivo prioritário da UE foi reduzir o consumo de gás e diversificar fornecedores, a prioridade após o regresso de Trump só pode ser uma: a redução acelerada do consumo de gás. A mobilização de recursos para acelerar a redução da importação de gás natural e da dependência energética da UE assenta forçosamente em dois pilares:

  1. Descarbonização do setor elétrico
  2. Eletrificação da indústria.

Se, na primeira, a UE parece estar no bom caminho, sendo apenas necessário manter o foco e a reforçar tendência atual, na indústria a situação é distinta e requer mais atenção.

O discurso sobre a indústria dos últimos tempos tem sido dominado pela indústria pesada, onde os desafios são maiores, porque as alternativas ao gás são complexas e dispendiosas. Sem pretender desvalorizar os desafios da indústria pesada, a UE tem todo o interesse em segmentar os problemas da sua indústria, tratando de forma distinta a indústria pesada, com processos térmicos de elevada temperatura, em que a substituição de combustíveis fósseis é mais desafiante e pode ter impacto negativo sobre a competitividade, da restante indústria, em que esse problema não existe.

Segundo estudos da Agência Internacional da Energia (AIE) e da Comissão Europeia (CE), entre 50% e 70% do consumo industrial de calor na UE é de baixa e média temperatura (<200ºC).

Nestes casos, a eletrificação devia ser fortemente incentivada, via apoios diretos ao investimento e incentivos fiscais. Para além do reforço da autonomia estratégica da UE, através da redução de importação de gás natural, permite ganhos de competitividade para a indústria, por via da redução de custos energéticos, dinamiza uma fileira de equipamentos industriais em que, ao contrário de outros setores, a UE ainda tem alguma liderança tecnológica, e permite que alternativas aos combustíveis fósseis mais escassas e mais caras, como os gases renováveis e os combustíveis sintéticos, sejam destinados apenas para aqueles consumos energéticos mais difíceis de eletrificar.

Segmentar o problema permite ganhos de eficácia e eficiência significativos, porque os desafios energéticos do setor agroalimentar ou têxtil não são os mesmos que os da siderurgia, da cerâmica, do vidro ou da indústria química.

Não se trata de defender qualquer tipo de desindustrialização ou desvalorização dos desafios da indústria pesada, tão somente reconhecer que a situação e os desafios da indústria europeia são, de facto, distintos, e, por isso mesmo, merecem uma resposta diferenciada.

Se, no próximo ato sobre descarbonização da indústria, a CE puser em prática esta segmentação e diferenciação, apresentando, também, um plano de ação para a eletrificação da indústria, com metas e incentivos adequados, e um outro para a restante indústria, onde a inovação e instrumentos como o carbon border adjustment mechanism são determinantes, tornará os seus problemas e desafios mais geríveis e estará em melhores condições de reforçar, em simultâneo, a sua autonomia estratégica, a sua segurança energética e a sua competitividade tecnológica e industrial.

Ninguém pretende desvalorizar os enormes desafios que a UE enfrenta. Mas também não temos de os tornar maiores e mais difíceis de resolver do que aquilo que efetivamente são. Neste caso, importa simplificar.

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