Uma Política de Defesa Única

Uma política de defesa comum permitiria coordenar melhor os recursos disponíveis e adequar o nível de despesa ao nível de risco geopolítico.

Em 2022, Portugal gastou 1,4% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em despesas militares. É um valor muito abaixo do que ficou acordado em 2014 pelos países da NATO. Na altura deu-se um prazo de uma década para chegar a um mínimo de 2%. Portugal não atinge este valor desde 1982, e claramente não chegaremos a 2% em 2024.

Isto não é surpreendente. Apesar das ameaças ocasionais nos talk-shows russos sobre chegar a Lisboa, o risco geopolítico continua relativamente baixo em Portugal. As despesas militares são pouco produtivas. Como Portugal é um país pequeno, esta despesa adicional é improvável que faça uma diferença significativa no nível de preparação militar da NATO. Ainda mais importante, há claramente um aproveitamento de Portugal (e de outros países) das garantias de segurança dadas pelos Estados Unidos. No entanto, em 2024 estas garantias parecem menos seguras e o debate sobre aumentar os gastos militares está outra vez na ordem do dia.

Não é fácil quantificar o risco geopolítico. A melhor metodologia que conheço é o trabalho dos economistas Dario Caldara e Matteo Iacoviello que analisam artigos de jornais para identificar eventos geopolíticos adversos e os riscos a eles associados. Os índices são calculados através do rácio de artigos relacionados com eventos geopolíticos adversos em relação ao número total de artigos em alguns jornais americanos e britânicos.

A primeira figura mostra o risco geopolítico médio por ano para Portugal com base nos dados de Caldara e Iacoviello. O Índice de Risco Geopolítico (GPR) Recente, que usa 10 jornais de língua inglesa, americanos ou britânicos, e começa em 1985, e o Índice Histórico, que se baseia em 3 jornais desde 1900 (New York Times, Chicago Tribune e Washington Post). É possível ver que Portugal está em níveis historicamente baixos de risco geopolítico, embora estas medidas estejam a crescer desde 2022, especialmente na amostra com apenas 3 jornais. Uma ressalva é que esta análise é feita com base em jornais de língua inglesa. Seria interessante fazer um exercício semelhante com jornais locais.

O resto da UE mostra um aumento significativo no risco geopolítico, especialmente com a invasão russa da Ucrânia em 2022. Por exemplo, na Alemanha atingiu o nível mais alto desde a crise de Berlim de 1961. A segunda figura mostra uma média ponderada para o índice histórico de países para os quais há dados disponíveis e que pertenciam à União Europeia (UE) em 2022 (isto é, sem o Reino Unido) com os pesos determinados pelo PIB de cada país nesse ano. A Alemanha tem o maior peso. Portugal tem um peso muito baixo. O nível de risco em Portugal é muito mais baixo que na UE, onde temos assistido a um aumento significativo com a invasão russa da Ucrânia em 2022.

É tentador pensar que estes problemas não são relevantes para Portugal. No entanto, como mostram Caldara e Iacoviello, no seu artigo “Do Geopolitical Risks Raise or Lower Inflation?”, um aumento no risco geopolítico leva a uma redução no investimento, no emprego, no valor das ações, e está também associado a uma probabilidade maior de desastres económicos.

Apesar de Portugal ter um risco geopolítico baixo, o efeito nas economias do centro e leste europeu terão efeitos indiretos na economia portuguesa. Mesmo assumindo que mais despesa militar neste momento reduz o risco geopolítico (sinceramente não é a minha especialidade), é um caso em que os benefícios são sentidos por todos os países, enquanto os custos são exclusivos a cada país que faz a despesa militar. Ou seja, estamos perante um exemplo clássico onde uma política de defesa comum pode tomar em conta os custos e os benefícios de todos os países da União Europeia.

Embora a integração militar seja um tema historicamente sensível, por este andar do campeonato, com tanta integração noutros domínios mais importantes, e especialmente numa União Europeia onde os interesses geopolíticos são suportados por interesses económicos, faz todo o sentido ter uma política de defesa federal. Temos assistido a movimentações nesse sentido. A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs esta semana um comissário europeu de defesa. Esta política de defesa comum permitiria coordenar melhor os recursos disponíveis e adequar o nível de despesa ao nível de risco geopolítico.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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