Uma profissão, mais ordens profissionais

A criação de múltiplas ordens profissionais por profissão permitiria um equilíbrio mais saudável entre auto-regulação e concorrência.

Um advogado falso foi apanhado a semana passada no Quénia. Alegadamente, este indivíduo usou o nome de um advogado verdadeiro, Brian Mwenda, e apesar de não ter qualificações ou licença para exercer advocacia, venceu 26 casos seguidos em tribunal (este número é disputado).

Também na semana passada, o parlamento português votou as alterações aos estatutos das ordens profissionais. A reforma era uma condição do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Segundo o governo, os objetivos são eliminar algumas barreiras de entrada às profissões reguladas e assegurar a remuneração dos estagiários. Para as ordens profissionais afetadas, os objetivos variam entre intromissões no funcionamento das profissões à destruição do Estado de Direito.

Nas últimas décadas, temos assistido a uma redução na proporção de trabalhadores sindicalizados e a um aumento na proporção de trabalhadores nas profissões reguladas. Segundo dados de 2015, ambas as categorias representam cerca de 23% da força laboral na União Europeia. Os mecanismos são um pouco distintos, mas tanto as ordens profissionais como os sindicatos tendem a aumentar o rendimento dos seus membros. As ordens criam barreiras de entrada às profissões reguladas, reduzindo o número de trabalhadores através de restrições legais, mas também controlando a qualidade de quem pode exercer a profissão (bom, apesar do que aconteceu recentemente no Quénia). O efeito combinado destes dois fatores é a criação de poder de mercado que permite aumentar os salários das profissões reguladas. Já os sindicatos não criam restrições legais a quem pode trabalhar, mas aumentam diretamente o poder de negociação dos trabalhadores, que obtêm assim salários mais elevados.

Como mostram Maria Koumenta, Mario Pagliero, e Davud Rostam-Afschar, no artigo “Occupational Regulation, Institutions, and Migrants’ Labor Market Outcomes”, publicado em 2022 na revista Labour Economics, as ordens profissionais aumentam os salários em 4%, enquanto os sindicatos aumentam os salários apenas em 2.7%. Quanto é que o aumento dos salários dos trabalhadores profissionais é por causa de restrições legais, e quanto é que é pelo controlo de qualidade?

Uma forma de responder a esta pergunta é olhar para os trabalhadores certificados, ou seja, para trabalhadores que apesar de não estarem obrigados a pertencer a uma ordem profissional, podem pedir voluntariamente uma certificação a um regulador. Os mesmos autores referidos em cima documentam que ser um trabalhador certificado aumenta os salários em 1.6%. Podemos, então, atribuir a diferença entre ser um trabalhador regulado e um trabalhador certificado à barreira de entrada legal artificial, o que corresponde neste caso a um aumento salarial de 2.4%, muito parecido ao dos sindicatos (ainda assim, num nível salarial bem mais elevado).

Que fazer com este poder de mercado das profissões reguladas?

Por um lado, a auto-regulação tem um papel vital nestas profissões. Existem problemas de assimetria de informação entre o consumidor e as profissões reguladas, bem como outras falhas de mercado que fazem com que este mercado precise de regulação. São os peritos da área que compreendem melhor os desafios do sector, as necessidades de treino e as melhores práticas.

Por outro lado, estas associações profissionais operam num ambiente de quase-monopólio e claramente beneficiam disso com salários elevados. Normalmente, quando há falta de concorrência pode-se reduzir as barreiras de entrada para aumentar a concorrência e/ou regular diretamente o funcionamento das instituições.

Ninguém acredita que a reforma feita à pressa em Portugal, imposta pelo Governo “para inglês ver”, e sem participação suficiente das ordens profissionais, seja capaz de ser bem sucedida. Inclusive, já se fala de rever a lei recentemente aprovada. Uma alternativa a explorar seria estabelecer a existência de múltiplas ordens profissionais por cada profissão. Cada ordem teria liberdade de implementar políticas distintas, por exemplo, a duração e remuneração dos estágios, sujeitas a uma regulação governamental mais geral. Isto permitiria obter um equilíbrio entre a auto-regulação feita por peritos e a existência de incentivos saudáveis que permitissem concorrência e inovação. Os profissionais (e os clientes), poderiam optar pela ordem que preferirem. Conluios entre ordens seriam monitorizados pela Autoridade da Concorrência.

Embora a auto-regulação seja crucial para manter os padrões dentro de uma profissão, a falta de concorrência e a concentração de poder podem ser problemáticas. A criação de múltiplas ordens profissionais por profissão permitiria um equilíbrio mais saudável entre auto-regulação e concorrência.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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