Virou-se o feitiço produtivo contra o workplace

  • Marta Rebelo
  • 10 Outubro 2024

Porquê priorizar este tema no universo laboral? Porque também aqui a falta de saúde mental está instalada, com custos humanos e económicos brutais.

“É tempo de priorizar a saúde mental no local de trabalho”, é a recomendação que a Organização Mundial de Saúde elege como tema do Dia Mundial da Saúde Mental, 10 deste outubro – o “Outubro Verde”. Porquê priorizar este tema no universo laboral? Porque também aqui a falta de saúde mental está instalada, com custos humanos e económicos brutais.

O impacto. Num contexto global epidémico, em que 2 em cada 4 pessoas desenvolvem pelo menos uma doença mental ao longo da vida e perto de 2 mil milhões já desenvolveu, o impacto desta crise mede-se em sofrimento das pessoas, e em custos para as empresas. Não arrisco métricas para a dor incomensurável, mas os números de impacto económico são conhecidos e mensurados em perdas de produtividade, causadas pelo absentismo e pelo presentismo: a ansiedade e a depressão da força de trabalho mundial custa às empresas 1 bilião de euros, por ano; o burnout ocupacional 600 mil milhões; são 12 mil milhões de dias de trabalho perdidos para a doença mental. Em Portugal, as perdas de produtividade anuais ascendem aos 5.3 mil milhões de euros.

Que, por seu turno, acomete transversalmente a hierarquia das empresas: 49% dos CEO reportam um problema de saúde mental; no C-Level, 75% dos líderes pondera procurar novo emprego, com abordagem efetiva ao Wellbeing&Mental Health; nem no universo dos unicórnios e centauros a realidade é mais cor-de-rosa, onde as perturbações mentais atingem 72% dos fundadores de start-ups (e só 23% procuram ajuda).

Não, não é tudo burnout! A supervalorização da carga de trabalho e o enorme estigma com a doença mental, leva a que, no quadro dos problemas de saúde mental, o burnout tenha melhor reputação: por um lado, quem entra em combustão por dedicação ao trabalho, é quasi heroico; por outro, assumir na empresa uma depressão, ansiedade, adição ou mania, ainda tem consequências graves na distribuição de tarefas e progressão funcional.

Demasiadas vezes, “o termo burnout é uma forma de contornar o estigma da doença mental e abordar os problemas de saúde mental no local de trabalho“, afirmou Christopher Prinz, analista sénior da OCDE, em entrevista ao ECO no ano passado. A doença mental não cumpre horário de expediente como burnout, e depois chega a casa e põe as pantufas da depressão. Às vezes até múltipla, em comorbilidade. Quando se esbatem os limites entre a vida pessoal e profissional, abre-se portas à mistura dos problemas psicológicos, e nem sempre continua nítido quem é a galinha, e quem é o ovo. Mas muitas vezes os colaboradores entram realmente em burnout – resultante da má gestão de stress crónico no trabalho, somando à exaustão física e emocional uma eficácia profissional reduzida, e a despersonalização do trabalho. E não são poucos: 75% da força de trabalho global, 66% dos managers e 50% dos CEO. E por cá? Portugal é o país europeu com a maior taxa de risco de burnout.

E agora? Passámos décadas obcecados com a produtividade, ideal que procurámos atingir com sobrecarga de trabalho. E agora o feitiço produtivo virou-se contra o workplace: a crise de saúde mental ocupacional é um problema de (acentuadas perdas de) produtividade e de (recrutamento e retenção de) talento, além da responsabilidade social que as empresas de bem sentem. Por isso, é mesmo tempo de dar prioridade à saúde mental no local de trabalho. Como? Fica para o próximo artigo. Mas podemos começar pela literacia das lideranças em saúde mental, já que 63% dos managers afirmam não saber reconhecer os sinais de problemas nas suas equipas – e 69% dos trabalhadores consideram que managers são as pessoas com maior impacto na sua saúde mental, a par dos cônjuges. E por evitar a tentação do mentalwashing, criando medidas superficiais de bem-estar em vez de programas de saúde mental efetivos. E já agora, porque pedir tem poucos custos, combatendo comprometidamente o estigma – aquele que 75% dos colaboradores dizem existir e condicionar na sua empresa.

Eu sou de Direito, mas gosto de números: em saúde mental, assustam e explicam a prioridade recomendada pela OMS.

  • Marta Rebelo
  • Consultora de saúde mental

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