Visita de Xi: E se Portugal tiver de escolher entre americanos e chineses em Sines?

Na prática, Portugal e sobretudo Sines podem interessar às duas potências do mundo do futuro. Mas convém ter a noção de que não são interesses conciliáveis e que podemos ter de fazer escolhas.

Em geral a visita de Xi Jinping correu bastante bem. É muito positivo que se estabeleça uma rotina de visitas de Estado importantes entre Portugal e a República Popular da China. O Presidente Xi Jinping escolheu Portugal como um dos dois países europeus para este périplo — já tinha estado nos Açores há uns anos durante umas horas — e o Presidente Marcelo irá à China em abril do próximo ano. Suponho que a seguir haverá visitas a nível de primeiro-ministro com reciprocidade. Portugal tem, pela historia, uma ligação especial com a China, que nem todos os países têm — antes pelo contrário — e que gostariam de ter. Portugal foi dos países que levou o Ocidente para o Oriente e a transição de Macau — sobretudo em comparação com Hong Kong — é lembrada por Beijing como exemplar. Quem tem essas vantagens comparativas não as desperdiça.

Tenho muitas dúvidas, certamente, mas também tenho uma certeza sobre o que deve ser a estratégia nacional depois de Portugal ter deixado de ser um Império. Devemos ser ser aliados dos nossos aliados, mas também temos de multiplicar as parcerias porque aconteceu a Portugal ser apenas continental e europeu, tivemos enormes problemas com a nossa independência. Dito de uma forma mais simples: sou a favor de diversificar as nossas dependências para garantirmos melhor a nossa independência.

Nesse sentido há coisas que correram bem. Por exemplo, no domínio agroalimentar, vamos ter um centro de serviços da maior empresa agroalimentar da China: não é coisa pouca. Na área aeroespacial e da ciência houve um acordo importante que é um princípio de entrada no sistema de produção de satélites da China. Nos últimos anos a China entrou a fundo neste mercado — não apenas como produtor mas também como prestador de serviços (lança satélites de países terceiros).

Ponto mais sensível é a participação de Portugal no OBOR (para simplificar é uma espécie de nova Rota da Seda). É um gigantesco projeto de diplomacia económica, que visa garantir a expansão geoeconómica (e, portanto, também geopolítica) da China, assegurando conexões com a Eurásia, com África e com a América Latina. Em princípio Portugal estaria longe, geograficamente, deste projeto.

Nesta nova Rota da Seda, o único país da Europa Ocidental que até agora tinha assinado um memorando no sentido de dizer ‘estou presente nesta projeto’ tinha sido a Grécia. Não é uma grande companhia. Chamo a atenção para o facto de Espanha se ter escusado diplomaticamente de participar, no início da visita de Xi Jinping. Devemos estar conscientes de que o projeto é de tal dimensão que não deixara de ser lido do ponto de vistas das relações atuais e futuras dos ocidentais com os chineses.

Portugal não tem de tomar a mesma posição que a Espanha tomou; e as nossas autoridades certamente conhecem as declarações da Administração dos EUA sobre o OBOR. O nosso interesse nacional é o nosso e é independente e tem primazia. Podemos tomar opções que às vezes não agradam excessivamente aos nossos amigos habituais. Não somos os únicos. Por exemplo, a Administração Obama ficou muito incomodada — to say the least — quando o UK decidiu (sem consultar Washington) ser acionista do novo Banco Asiático de Investimento em Infra Estruturas, outro projeto nuclear de afirmação global da China.

Mas há um ‘porém’ que Portugal deve ter em atenção. Aquilo que interessa aos chineses, Sines como hub, como placa giratória para melhor chegarem à África Ocidental e, sobretudo, para terem melhor acesso ao Canal do Panamá.

Panamá, país que Xi Jinping também visitou neste périplo — et pour cause. Sucede que Sines também está, pelo menos em tese, nos objetivos potenciais dos Estados Unidos. Porquê? Porque os americanos passaram a ser exportadores líquidos de energia e consideram relevante contribuir para a redução da dependência que a Europa tem do gás da Rússia. Acham por isso exportar o gás para a Europa e reexporta-lo — a partir da Península Ibérica — para o centro da Europa. Para isso é preciso armazenar e garantir as conexões para lá dos Pirenéus (boa parte dos ‘pipelines’ em Espanha e Portugal estão infra utilizados dada a resistência dos franceses).

Não sendo credível que Portugal esteja a sugerir a um aliado — os EUA — e a um parceiro especial — a China — o mesmo bem, a minha interpretação é que Portugal está a valorizar Sines, e nesse sentido está a aumentar o preço extraordinário que pode ter o segundo terminal de Sines.

Mas atenção: terá de haver um concurso público que obedece as regras europeias, para esse mesmo segundo terminal de Sines. Ora, a sugestão de que Sines esta na rota do OBOR pode parecer a sugestão de que a China lidera o interesse no segundo terminal. Se fosse isso era uma antecipação menos prudente. Talvez por isso o Memorando de Entendimento (que passou relativamente discreto) invoque as decisões que Portugal terá de tomar de acordo com as regras europeias e seja tão político que acaba por mencionar não ser juridicamente vinculativo…

Esta questão é a mais interessante da visita (e uma das menos abordadas). Na prática Portugal e sobretudo Sines podem interessar às duas potências do mundo do futuro. Mas convém ter a noção de que não são interesses conciliáveis e que podemos ter de fazer escolhas — o que deixa sempre rastro e lastro.

A propósito de portos, cuidado com o que está a acontecer com o Porto de Setúbal e afeta gravemente as exportações portuguesas. São cinco meses de greve que chegaram a um nível perigoso. Praticamente o porto de Setúbal esteve parado no mês de novembro.

Oiço dizer, e se isso for verdade é bastante grave, que estão cerca de 20 mil automóveis da Autoeuropa, à espera de ser embarcados, junto ou na base aérea do Montijo. Há vários setores que são prejudicados e a partir de um certo limite, os efeitos são em cascata. Há um limite para tudo — e passado esse limite não é uma greve, é uma agressão à economia nacional.

Nota: A opinião de Paulo Portas é publicada com base no comentário semanal no Jornal das Oito da TVI, ao domingo,

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