Votos para 2020: Prosperidade e níveis de corrupção como os da Dinamarca!
A Dinamarca tem um longo histórico de legislação anticorrupção e integridade do setor público. Um sistema assim, que funcionasse, seria uma excelente prenda para Portugal no ano novo.
Quando, no âmbito do meu trabalho na Copenhagen Business School, recebi um convite do reitor da universidade para o acompanhar numa visita a uma empresa farmacêutica nos arredores de Copenhaga, imediatamente me perguntei como nos deslocaríamos até lá. Devido ao tempo chuvoso, tinha uma secreta esperança que a escolha do reitor não fosse a bicicleta… e rapidamente percebi que não era, quando recebi do seu gabinete o itinerário dos transportes públicos.
A opção pelos transportes públicos podia ser apenas uma idiossincrasia sustentável do presidente de uma das maiores e mais prestigiadas escolas de negócios da Europa. Mas é mais do que isso e resulta de uma medida governamental que sugere às instituições e administradores públicos o uso de transporte público sempre que possível. Apesar de estarmos num dos países mais ricos do mundo, os governantes nórdicos parece ter preocupações ambientais e de contenção de custos pouco vistos noutras geografias.
Imaginemos o que aconteceria se tal sucedesse num país no centro ou sul da Europa
Conseguimos visualizar um reitor, um alto dirigente da administração pública ou gestor de empresa privada, à espera de um autocarro da Carris num dia chuvoso para se deslocar numa visita oficial? Naturalmente, a opção natural seria a deslocação com motorista privado, opção mais compatível com a nossa noção de hierarquia e de “afirmação de status”.
Mas esta experiência ilustra também as enormes diferenças no entendimento da hierarquia nas organizações. As organizações escandinavas são conhecidas pelas suas estruturas hierárquicas horizontais e colaborativas, onde todos se relacionam em pé de igualdade, independentemente dos cargos que ocupam. E isso contrasta radicalmente com inúmeras situações que todos já testemunhámos noutras geografias.
Há uns anos visitei uma das mais jovens universidades portuguesas, a que me desloquei para participar num júri. Logo à chegada descobri que o elevador que me levava ao piso superior só podia ser utilizado por “professores catedráticos”, únicos detentores da chave que permitia chamar o elevador, estando o mesmo vedado a todos os restantes utilizadores. Fiquei tão incrédulo que não consegui deixar de provocar o presidente do departamento que me acompanhava, perguntando se eu devia deixá-lo ir sozinho de elevador, e optar pelas escadas, pois ao contrário dele, eu não era catedrático… A resposta foi também ela surpreendente: “De facto, acabar com o elevador só para catedráticos vai ser uma das prioridades para o meu mandato que agora está a começar… quer dizer, o segundo (mandato)”.
Outra dimensão em que a Dinamarca se distancia de Portugal é nas políticas e nos indicadores de corrupção. Dados da Transparency Internacional sugerem que a Dinamarca é o país menos corrupto do mundo, enquanto Portugal ocupa a 30º posição no indicador de perceção da corrupção, posição que tem vindo a piorar nos últimos anos. Quem acompanha as notícias sobre os múltiplos e vergonhosos casos de corrupção em Portugal, que implicam até um ex-primeiros ministro, não se surpreende, e até se revê na surpresa do chefe de governo que recentemente declarou: “Como é possível ainda ninguém ter sido julgado no caso BES?”. De facto, como é possível?
Naturalmente a Dinamarca não é imune à corrupção nas suas variadas modalidades. Tal como nós, também teve o seu escândalo financeiro, envolvendo o Danske Bank e uma lavagem de cerca de 200 mil milhões de euros, alegadamente executada através da unidade da Estónia, e que levou o anterior CEO do banco, Thomas Borgen, a demitir-se. Outro caso paradigmático é o da empresa de tecnologia, ATEA, que foi acusada de doar telemóveis e pagar férias a gestores e funcionários do setor público (num total de 175.000 €) para, supostamente favorecerem a ATEA nos processos de compras públicas. As consequências mostram que nalguns países o crime não compensa: 50 funcionários públicos foram presos em conexão com o caso.
Contrastando com Portugal, e de acordo com a Transparency Internacional, a Dinamarca tem uma longa historia de legislação anticorrupção e integridade. O suborno é formalmente penalizado desde o século XVII e os padrões éticos foram estabelecidos no século XIX e isso aliás sentem-se no dia a dia das organizações. O elevado grau de transparência das operações e o acesso a informações sobre as instituições promovem a transparência, é, por sua vez, meio caminho andado para o crescimento económico. Por sua vez, em Portugal foi recentemente anunciado mais um grupo de trabalho para elaborar uma nova estratégia nacional de prevenção no combate à corrupção. Vai haver novo caderno de encargos e nova comissão especializada… no que respeita à corrupção e ao funcionamento da justiça, é obvio que “algo está podre na república portuguesa”.
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