“O que gostaria de ver era a reforma na despesa”

  • ECO
  • 15 Outubro 2016

Carlos Lobo, partner da EY, vê a proposta de Orçamento do Estado como um meio para o cumprimento de promessas eleitorais, mas também para respeitar os compromissos com Bruxelas.

A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 seria sempre um instrumento compromissório. Assenta num pacto entre forças políticas com uma determinada matriz ideológica. Visa respeitar os compromissos com Bruxelas, nomeadamente ao nível do cumprimento das metas orçamentais. Mas é igualmente um meio para o cumprimento de promessas eleitorais feitas pelo partido do Governo, num ambiente económico também ele condicionado.

O princípio da estabilidade, nestas circunstâncias complexas, poderia ficar comprometido. Porém, bem vistas as coisas, não pode haver estabilidade na única área de política económica que resta a Portugal. Seria, portanto, algo hipócrita referir que o que se pretenderia nesta proposta seria a inexistência de novidades a nível fiscal. Tal ensejo seria uma mera miragem em momentos anteriores e, claro está, nunca poderia ser pretendido seriamente num tempo como o atual. Mas, ainda assim, o Governo autolimitou-se na sua ação por via de um compromisso interno: o IRC é inamovível – aliás, o primeiro-ministro referiu categoricamente que a carga fiscal para as empresas se manteria; o IVA é inamovível – e esta seria a fonte de receita adicional mais fácil de obter; o IRS iria, nas vestes da sobretaxa, baixar – e aqui o compromisso era bem mais despropositado –, uma vez que não existem razões financeiras nem sociais para que tal ocorresse, pelo menos de uma forma sustentada. Neste quadro, a estabilidade nestes três impostos – os principais – é claramente uma boa notícia.

Em pior situação estaremos no caso das “afinações” do sistema fiscal traduzidas na introdução de novidades que não foram suficientemente discutidas em sede dogmática. Estamos a falar do anunciado fat tax –- que se não for bem construído poderá levar a desvios de consumo ineficientes – mas principalmente do “novo” imposto sobre o património. Este, de facto, não é uma novidade uma vez que já existe com as vestes do Imposto do Selo. Porém, é algo estranho que uma ala política que condenou a introdução de um tipo em Imposto do Selo que, incidindo sobre imóveis, desviava a receita do seu destinatário natural -– e quiçá constitucional –- as autarquias, venha agora criar um tributo autónomo – um adicional em sede de IMI – com a mesma finalidade mas em vestes bem mais complexas.

Bem se sabe que simplicidade e justiça em matérias de fiscalidade não costumam andar de mãos dadas, mas a construção de um novo edifício tributário quando já outros se encontrariam disponíveis para o mesmo efeito aparenta-se algo redundante. Ainda mais quando vem introduzir a lógica da capacidade contributiva num mundo que é regulado pelo princípio da equivalência ou do benefício. O que quer isto dizer? Quer dizer que quem tem um imóvel não deve pagar imposto porque é simplesmente proprietário de um elemento de riqueza mas sim porque recebe utilidades do sector público, in casu, das autarquias. E tal faz toda a diferença. No primeiro caso, o limite é o confisco (e já sabemos que o nosso Tribunal Constitucional não considera que uma tributação de 75% seja confiscatória). No segundo caso, o limite seria a despesa efetivamente realizada pelo município, quotizada pelo cidadão condómino. Claro está que o limite da segunda hipótese é bem mais exigente que o da primeira.

Em pior situação estaremos no caso das “afinações” do sistema fiscal traduzidas na introdução de novidades que não foram suficientemente discutidas em sede dogmática. Estamos a falar do anunciado fat tax –- que se não for bem construído poderá levar a desvios de consumo ineficientes – mas principalmente do “novo” imposto sobre o património.

Carlos Lobo

Partner da EY

E, é precisamente a reforma do lado da despesa que eu gostaria de ver na proposta. Nada foi dito, nada foi discutido a este propósito. Para termos um bom Orçamento não basta centrarmos a nossa atenção no lado da receita. Devemos observar a despesa –- condição verdadeira da receita –- e os termos de execução do orçamento do Estado em sede de administração financeira. Também uma previsão de reengenharia do Estado deveria se encontrar prevista. Se todos os setores se encontram em rápida mutação, porque razão o Estado não os deverá acompanhar? São estes aspetos que, a meu ver, deveriam constar do Orçamento de Estado (OE) para 2017.

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