A história do pior swap de sempre. E de como ele podia ter sido evitado
Começou por ser um swap que trocava uma taxa de juro de 4,76% por outra de 1,76%. Agora o juro é de 92% e as perdas potenciais acumuladas superam os 500 milhões de euros.
Esta é a história de um swap que está a pagar 92% de juros. Tem uma perda potencial acumulada de mais de 500 milhões de euros. A 30 de novembro de 2006, quando foi sugerido à Metro do Porto, o Santander não prestou toda a informação possível — nomeadamente, omitiu a parte que teria evidenciado o risco em causa. Mas, mesmo assim, a empresa pública de transportes nunca acusou o banco de venda abusiva e os juízes ingleses ditaram que o contrato é válido. Esta é a história de um desastre de milhões para os contribuintes portugueses.
O pesadelo da Metro do Porto começou a uma quinta-feira, 30 de novembro de 2006. Nesse dia, o Santander Totta concluiu uma apresentação com duas propostas de swaps para a empresa pública de transportes.
No documento, a que o ECO teve acesso, o Santander apresentava duas soluções para cobrir o risco de um outro swap de taxa de juro que já tinha sido comprado para cobrir um empréstimo de 89 milhões de euros.
Este swap inicial tinha sido comprado ao BCP e a Metro do Porto estava a pagar uma taxa de 4,76%. A transportadora portuguesa queria baixar este valor, mas não só. Tal como concluiu o relatório da Comissão de Inquérito, parte do incentivo para compra destes produtos era também a possibilidade de, pelo menos no início, gerar financiamento.
“A análise de vários contratos permitiu concluir que frequentemente a cobertura de risco e/ou otimização de custos, não foram os objetivos principais subjacentes à contratação de instrumentos de gestão do risco financeiro”, dizia o documento, de 2014. “Pelo contrário, vários desses contratos tiveram outras motivações, conforme confirmado por alguns gestores públicos ouvidos nesta comissão, em particular, o propósito de resolver dificuldades de acesso a financiamento, e baixar artificialmente os encargos financeiros com vista a tornar menos transparente o verdadeiro custo do financiamento, ou de obter ganhos no imediato à custa de riscos elevados no futuro.”
Por isso, a Metro do Porto resolveu pedir a um conjunto de bancos que analisassem a operação e propusessem uma forma de cobrir este swap. Foram convidados a apresentar propostas, pelo menos, o BCP, Barclays, HSBC e o Santander.
A escolha da Metro do Porto recaiu num dos derivados apresentados pelo Santander, nesta apresentação de 30 de novembro. No powerpoint, o banco dava duas hipóteses:
- A Proposta I era um “Previous Resettable Swap”, que estava estava indexado à Euribor (e explorava a possibilidade de ser a Euribor a três, ou a seis meses).
- A Proposta II era um “Range Accrual Swap” e estava indexado a uma taxa de swap de maturidade constante a dez anos, do euro (10y eur CMS).
Não estava claro, mas a proposta do primeiro swap, indexado à Euribor, era um produto snowball. Tinha duas barreiras à evolução da Euribor (uma barreira inferior, de 2% e uma superior, de 6%), que sempre que fossem ultrapassadas desencadeavam a soma de um spread ao juro a pagar. Este spread era cumulativo a cada vencimento de juros. Ou seja, mesmo que a Euribor regressasse para valores dentro das barreiras, o spread nunca voltava a baixar.
Tanto na primeira proposta como na segunda, os swaps tinham uma estrutura mais simples e previsível nos primeiros oito trimestres: a Metro do Porto pagava uma taxa fixa durante este período. A partir do terceiro ano de contrato, passava a aplicar-se uma fórmula complexa, difícil de prever, e cujo cálculo era feito pelo Santander.
Para facilitar a análise de risco das duas propostas em confronto, o Santander apresentava um teste histórico: recuava no tempo e mostrava, através de um gráfico, como é que os derivados em causa se teriam comportado. Ao mesmo tempo, aplicava os swaps com base em forwards para antecipar como se comportariam no futuro.
E é aqui que foi omitida informação que poderia ter sido relevante para a análise das propostas. Se na proposta que estava indexada ao CMS do euro a dez anos o teste histórico recuou a 1957, no caso da proposta indexada à Euribor, o teste era feito apenas de 1999 em diante.
Este foi o gráfico apresentado para a Proposta I, o swap indexado à Euribor a 3 meses:
Proposta I – teste desde 1999
Só por um breve instante, em 2004, a Euribor tinha estado abaixo da barreira dos 2%. Atingir a barreira dos 6% parecia historicamente inconcebível. E os forwards apontavam para uma Euribor com pouca volatilidade, um comportamento completamente diferente do verificado desde 1999.
Já para a Proposta II, foram apresentados dois gráficos. Um que só recuava a 1999:
Proposta II – análise histórica desde 1999
E outro que recuava a 1957:
Proposta II – análise histórica desde 1957
O Santander poderia argumentar que só em 1999 foi introduzido o euro. Mas havia formas de simular as taxas passadas, tal como demonstra o gráfico que criou para a Proposta II, que também usa o euro como referência.
A avaliação poderia ter sido diferente, se o Santander tivesse mostrado um gráfico como este:
Euribor a 3 meses, calculada pelo Bundesbank
O gráfico é retirado da página online do Bundesbank, o banco central alemão. O passado mostra que era bastante comum ultrapassar as barreiras definidas — sobretudo a barreira superior. É certo que com a introdução do euro esperava-se menor volatilidade na Euribor, como evidenciam as forwards. Mas aquela linha estável e aparentemente previsível nunca se chegou a verificar. E o passado poderia ter feito soar alguma campainha de alarme.
A Metro do Porto escolheu a proposta para a qual tinha sido apresentada menos informação.
A confirmação da compra do derivado financeiro, com as respetivas características, pode ser consultada aqui. “Este é um candidato ao pior swap de sempre”, comentou um consultor financeiro à revista especializada Risk, que publicou um artigo só sobre a polémica dos swaps em Portugal [link para assinantes], a 2 de maio de 2014.
O swap, o sírio e o pesadelo
Nos primeiros anos, a compra deste swap ao Santander serviu os objetivos. O produto gerou ganhos para a Metro do Porto. Mas assim que a crise de dívidas soberanas estalou, e o Banco Central Europeu começou a descer os juros, a Euribor caiu abaixo da barreira dos 2%.
Paulo Braga Lino, o então diretor financeiro da empresa, garantiu perante a comissão parlamentar de inquérito que em 2011 tentou contratar uma consultora especializada em derivados financeiros para reestruturar o produto. Referia-se à Ethos Capital Advisors, uma empresa criada por um ex-quadro da Goldman Sachs, Jaber G. Jabbour, que já tinha trabalhado com a Metro do Porto na reestruturação de outros derivados, em 2010 — um negócio que lhe rendeu um milhão de euros dos contribuintes portugueses.
Em maio de 2011, o swap em causa da Metro do Porto acumulava perdas de 217,3 milhões de euros, conforme demonstra este documento:
A Ethos propunha-se a reduzir o valor das perdas potenciais, ficando com 1% do valor dos ganhos obtidos para a Metro do Porto, até ao limite de um milhão de euros. Contudo, a tutela não autorizou, sob o argumento de que os swaps das empresas públicas deveriam ser renegociados em pacote.
Em 2013, quando o Santander entrou em disputa com o Governo português, a mesma empresa ofereceu-se para resolver o diferendo de graça. “Acredito que as diferenças entre a posição de Portugal e a do Santander são muito mais pequenas do que é percecionado pelas duas partes”, escreveu Jaber G. Jabbour, numa carta enviada à então secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo-Branco, ao então presidente do IGCP, João Moreira Rato, ao presidente do Santander, António Vieira Monteiro, e à então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.
A proposta passava por substituir os swaps snowball vendidos pelo Santander às empresas públicas de transporte — além da Metro do Porto, também a Metro de Lisboa, a STCP e a Carris compraram este tipo de derivados financeiros complexos — por swaps simples (plain vanilla), com um desconto entre os 8% e os 15%. As empresas públicas não fariam quaisquer pagamentos até ser atingido o valor do desconto, pagando daí em diante os fluxos previstos à data do acordo, que ficariam cristalizados no tempo.
Esta solução trancava o risco dos swaps (os custos deixariam de oscilar com os mercados) e permitia algum desconto às empresas. Ao mesmo tempo, garantia ao Santander que a maior parte do produto era honrada. Mas a carta foi ignorada.
Tal como também foi declinada, um ano mais tarde, a oferta que Jaber G. Jabbour fez para se encontrar com o advogado que representa as empresas públicas em Londres — Andrew Ford, da firma Lipman Karas. O especialista em swaps contactou Andrew Ford para marcar uma reunião, garantindo que tinha documentos que comprovavam a venda abusiva do Santander à Metro do Porto, que poderiam ser usados em tribunal.
Num primeiro momento, o advogado aceitou marcar a reunião, que esteve agendada para uma sexta-feira, 7 de março, às 11h30, em Londres. Contudo, uma hora antes do encontro, Jaber G. Jabbour recebeu uma mensagem de voz a cancelar a reunião, dando como justificação que o cliente português não estava interessado. O sírio pediu explicações, por email, à ministra das Finanças:
Passados dez anos desde a compra do swap, e depois de as empresas públicas terem perdido a disputa para o Santander em primeira e em segunda instância, este swap é um pesadelo: a taxa de juro está em 92% e as perdas potenciais acumuladas superam os 500 milhões de euros, sabe o ECO.
Isto não contou em tribunal?
Ao que o ECO apurou, os tribunais ingleses tiveram acesso a cerca de 120 mil documentos. A lei inglesa exige que as partes em disputa entreguem todos os documentos que tenham na sua posse, independentemente de serem, ou não, úteis para o caso que levam perante os juízes. Deste acervo total foram usados apenas alguns em julgamento — terão sido evocados centenas.
É quase certo que o tribunal teve acesso a esta apresentação em particular. Mas as empresas públicas não a usaram para acusar o Santander de venda abusiva. O ECO sabe que no julgamento de primeira instância foi pedido aos advogados das empresas públicas que clarificassem se queriam acusar o Santander de misselling. Todas, incluindo a Metro do Porto, responderam que não e reconheceram que tinham entendido os produtos.
Também os peritos chamados a tribunal pelas duas partes — Santander e empresas públicas — para avaliar os derivados financeiros terão concluído que, na sua génese, estes produtos apresentavam uma probabilidade maior de favorecer as empresas, do que a de favorecer o banco.
Seja como for, a apresentação do Santander dificilmente poderia ser mais blindada: “O Banco não pode, porém, em nenhuma circunstância, ser responsabilizado por erros, omissões ou inexatidões das informações em causa”, lê-se, no último slide. E continua: “Por outro lado, as opiniões e previsões expressas refletem somente a análise, perspetiva e pontos de vista dos autores, na data da elaboração do documento, podendo ser livremente modificadas a todo o tempo, sem necessidade de qualquer aviso.”
Qualquer eventual decisão de investimento ou de contratação deve ser devidamente ponderada e fundamentada na análise crítica, pelo investidor, da informação publicamente disponível (…). Nem o Banco produtor deste documento nem qualquer entidade sua dominante ou dominada ou qualquer outra integrante do Grupo Santander Totta pode, consequentemente, ser responsabilizada por eventuais perdas ou prejuízos decorrentes de decisões de investimento ou contratação que, quem quer que seja, tenha tomado baseada nos elementos constantes deste documento.
A responsabilidade é toda colocada sobre os ombros dos gestores públicos. Afinal, eram considerados investidores qualificados: “Qualquer eventual decisão de investimento ou de contratação deve ser devidamente ponderada e fundamentada na análise crítica, pelo investidor, da informação publicamente disponível, tendo, designadamente, em conta os documentos que hajam sido emitidos ao abrigo de regulamentação emanada das entidades da supervisão, nomeadamente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.”
E para que ficasse bem claro, o Santander frisava que “nem o Banco produtor deste documento nem qualquer entidade sua dominante ou dominada ou qualquer outra integrante do Grupo Santander Totta pode, consequentemente, ser responsabilizada por eventuais perdas ou prejuízos decorrentes de decisões de investimento ou contratação que, quem quer que seja, tenha tomado baseada nos elementos constantes deste documento.”
No documento de confirmação da compra do swap, as cautelas também são redobradas, frisando-se uma vez mais que o investidor age por sua conta e risco — “Age por sua conta e fez as suas decisões independentes”, lê-se — e fica determinado, de forma “irrevogável”, que as partes se submetem à jurisdição dos tribunais ingleses, caso surja qualquer diferendo ou disputa.
O Santander conseguiu provar, em primeira e segunda instância, que os swaps vendidos às empresas públicas são válidos e devem, por isso mesmo, ser honrados. No total, estão em causa cerca de 1.690 milhões de euros de perdas potenciais para as empresas públicas. O Governo promete que o Estado ainda vai recorrer ao Supremo Tribunal de justiça. Mas os juízes da segunda instância já decidiram que o apelo não deverá ter cabimento.
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