Like & Dislike: Francisca Van Dunem tem uma venda nos olhos?

O timing e a forma escolhidos pela ministra da Justiça para dizer que Joana Marques Vidal não continua na PGR é péssimo. E a justificação é arrevesada.

Joana Marques Vidal é provavelmente a melhor Procuradora-Geral da República que Portugal já teve: é isenta, é independente, não se imiscui na política, apresenta resultados, é ponderada, é competente, não se deixa condicionar e teve a coragem que alguns dos seus antecessores não tiveram de criar condições para que os procuradores colocassem no banco de réus poderosos, banqueiros, políticos e até um ex-primeiro-ministro.

Isto é currículo mais do que suficiente em qualquer parte do mundo para que um PGR seja reconduzido no cargo. Mas não em Portugal. Esta terça-feira de manhã, na TSF, Francisca Van Dunem deu uma entrevista onde, em direto, anuncia que Joana Marques Vidal sai da PGR no final do mandato que termina em outubro.

A Constituição da República prevê um mandato longo e um mandato único. Penso que, historicamente, foi a ideia que esteve subjacente à criação do mandato“. Logo, conclui a ministra, na “perspetiva de análise jurídica, há um mandato único e um mandato longo”.

Este statement tem vários problemas. O primeiro é o timing. Faltam dez meses para terminar o atual mandato da PGR e, como disse o próprio primeiro-ministro no debate quinzenal, numa tentativa de defesa atabalhoada da ministra, “a antecipação deste debate não fortalece as suas posições.” A PGR fica fragilizada e a ministra também.

António Costa afirmou ainda no Parlamento que a posição assumida pela ministra da Justiça “era a sua opinião jurídica e pessoal”. A ministra não só não fez essa ressalva na TSF, de que não estava a falar como ministra, como ainda foi o próprio António Costa que disse, na altura do caso das “salutares bofetadas” de João Soares, que os seus ministros “nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo e, portanto, devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções”.

Francisca Van Dunem não expressou uma emoção, mas expressou uma intenção num timing despropositado porque aconteceu precisamente no dia seguinte ao presidente de Angola ter classificado como uma “ofensa” o tratamento que Portugal e a justiça portuguesa estão a dar ao caso de Manuel Vicente, acusado de corromper um procurador em Portugal.

Esqueçamo-nos do timing e concentremo-nos no conteúdo. Francisca Van Dunem diz que a “Constituição da República prevê um mandato longo e um mandato único” da PGR. Não é verdade. A Constituição prevê que o mandato do PGR tenha “a duração de seis anos” e ponto final. (ver ponto 3 do Artigo 220º).

A ministra também faz apelo ao entendimento histórico que houve no passado no sentido de limitar as funções do PGR a num só mandato. Tem razão. É exatamente isso que lembra também um dos antecessores de Marques Vidal, Pinto Monteiro: “Nem eu nem Souto Moura ouvimos alguma vez falar de renovação de mandatos. Entendia-se que havia um prazo-limite de seis anos”, disse, em declarações ao jornal Público.

O facto de a questão nunca se ter colocado durante os mantados Pinto Monteiro e Souto Moura, se calhar, diz alguma coisa sobre os seus mandatos. Mas, no caso de Joana Marques Vidal, coloca-se pelas razões descritas no primeiro parágrafo deste texto.

Em vez de utilizar argumentos arrevesados e sofismas jurídicos para tentar justificar o injustificável — a não continuação de Joana Marques Vidal –, a ministra deveria colocar nos dois pratos da balança estes dois argumentos: por um lado, o tal “entendimento histórico” que invoca e, por outro lado, a competência da atual PGR. Quem não quiser ver para que lado pende a balança, é porque tem uma venda nos olhos. E não no sentido nobre da Justiça.

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