Sete lições para que os incêndios de outubro não se repitam

  • Marta Santos Silva
  • 21 Março 2018

Os fogos de outubro, de dimensões inéditas, foram estudados para tirar recomendações para o futuro, desde a necessidade de fazer chegar os alertas às populações até ao tipo de limpeza de matas.

Entre 14 e 16 de outubro do ano passado, arderam mais de 45 mil hectares só num dos sete focos de incêndio de dimensão significativa que se registaram no centro do país. Morreram 64 pessoas nos incêndios de junho e 48 nos incêndios destes três dias em outubro. Para tentar tirar lições dos erros cometidos que levaram a um resultado destas dimensões, o Governo encomendou a uma Unidade de Missão que fizesse o Relatório Avaliação dos Incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental (link abre em PDF), divulgado esta quarta-feira, no qual constam lições importantes para as autoridades e estruturas de controlo e combate aos fogos, assim como para as autarquias.

O ECO traz aqui sete das recomendações feitas pelos peritos da Unidade de Missão, após incêndios que, em outubro, queimaram “mais de 1.700 habitações permanentes, mais de 700 infraestruturas empresariais, equipamentos municipais, culturas agrícolas e muitas áreas florestais valiosas, incluindo Matas Nacionais”.

As recomendações refletem precisamente sobre a melhor forma de proteger pessoas, habitações, empresas e matas nacionais, referindo-se tanto às soluções mais práticas como, também, às mudanças estruturais mais profundas que são necessárias. O ECO escolheu sete de entre as recomendações deixadas pela Unidade de Missão no final do seu relatório de 276 páginas.

1. Garantir que os avisos chegam à população

Para a Unidade de Missão, uma das grandes falhas no sistema de comunicação entre os diferentes órgãos e níveis de soberania é presumir que, ao fazer chegar os avisos às autarquias ou ao nível mais próximo dos cidadãos, esses chegarão às pessoas. Isso nem sempre acontece. Assim, a recomendação é garantir que as pessoas recebem de facto os avisos. Como? Os autores do relatório sugerem vários métodos: é preciso utilizar, “se necessário em simultâneo, as redes sociais, comunicação social (Rádios, Televisões), rede GSM (mensagens para telemóveis) e outras que a cada momento se entendam por mais adequadas”.

2. Atualizar as leis de limpeza de matas perto de edifícios

A atual legislação “no que respeita à gestão de combustíveis na envolvência imediata do edificado e das estradas”, ou seja, quanto à limpeza de matas e arvoredo junto de edifícios, não só tem “uma fundamentação científica discutível” como também “é desnecessariamente drástica, ou mesmo contraproducente”. As críticas duras surgem no relatório, após uma polémica semelhante na opinião pública, quando o Governo exigiu que fossem limpas as matas de acordo com a atual lei em vigor sem tornar totalmente claro quais eram as obrigações dos cidadãos e como se deveria proceder a essas limpezas.

Para a Unidade de Missão, é preciso que a lei atual seja revista “no que respeita às especificações de tratamento (raio de intervenção, descontinuidade vertical e horizontal, altura e cobertura da vegetação), que reconheça as especificidades dos vários tipos de coberto arbóreo e que seja devidamente informada pelo conhecimento da engenharia florestal e pelas melhores práticas internacionais”. Isto é, deve ser evitado o abate de árvores indiscriminadamente para cumprir as distâncias definidas na lei, e a legislação deve ser mais bem clarificada e baseada em evidências científicas.

3. Matas nacionais têm de ter proteção própria

As Matas Nacionais e outro tipo de florestas com grandes dimensões de perímetro precisam de ter uma proteção própria. É o que defende o relatório, onde se apela para que “se assuma definitivamente que áreas com a dimensão das matas nacionais e dos perímetros florestais não podem depender apenas de terceiros para a supressão do fogo”.

Na perspetiva dos peritos, a dependência de terceiros que “são constituídos por entidades e participantes que não conhecem essa floresta nem os caminhos florestais, nem dependem do êxito dessas intervenções para o sucesso das suas iniciativas e para a sua atividade profissional” tem de terminar. A gestão das áreas florestais de maior dimensão ou de importância história tem de garantir que existem meios de proteção próprios para defender a área dos incêndios.

4. Reduzir a exposição ao perigo das infraestruturas das empresas

As infraestruturas empresariais, assim como os próprios empresários e trabalhadores das empresas, são alvo de várias páginas de recomendações neste relatório, pelo que beneficiariam de uma leitura atenta. Do lado da redução do perigo infraestrutural, os técnicos assinalam que deve evitar-se “ao máximo” ter materiais como pneus, plásticos, ou outros materiais altamente inflamáveis em zonas exteriores sem proteção contra possíveis chamas. A construção exterior deve ser feita com materiais de baixa inflamabilidade e, se a empresa estiver localizada numa zona de alta exposição ao risco, deve ter mecanismos próprios para extinguir incêndios, incluindo “geradores, depósitos de água, mangueiras e agulhetas”.

Desta forma, propomos a definição de uma classe adicional de perigo meteorológico, eventualmente designada por “Catastrófico” ou “Desastroso”.

Relatório: Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental

Aos empresários e trabalhadores que estejam em zonas industriais de alto risco, o relatório também deixa notas, incluindo a importância de proceder a simulacros frequentes de combate a incêndios, com uma regularidade no mínimo anual. Também destacam que devem ser nomeados representantes das empresas nas zonas industriais para coordenar as ações de combate a incêndios, com sistemas simultâneos de comunicação com os representantes e as zonas industriais.

5. Assinalar perigo meteorológico “Catastrófico”

A classificação das condições meteorológicas, com base apenas nos níveis que existem e nos nomes que lhes são dados, pode ter ela própria um grande impacto no nível de prevenção dos incêndios. Para os autores do relatório, seria importante criar uma categoria que permita assinalar riscos “excecionalmente elevados”, bastante acima da classe que atualmente é o teto. “Desta forma, propomos a definição de uma classe adicional de perigo meteorológico, eventualmente designada por “Catastrófico” ou “Desastroso”” em casos específicos, assinala o relatório.

6. Criar Unidade de Missão para planear reorganização dos bombeiros

O relatório destaca que os corpos de bombeiros, no modelo vigente do sistema de proteção civil, têm um papel fundamental no combate aos fogos, “constituindo-se em muitos casos como a única entidade de proximidade no âmbito da proteção e socorro”, apesar de terem um modelo com muitas fragilidades. Assim, esta Unidade de Missão recomenda a criação de uma outra, que sirva para elaborar uma proposta de Reorganização Estrutural do Setor Operacional de Bombeiros.

Qual o papel dessa Unidade de Missão? Teria de definir vários aspetos:

  • Competências e modelo de estrutura para o exercício da Tutela do Estado;
  • Redefinição da missão, quadrícula de meios de socorro e sua distribuição no território do Continente;
  • Caracterização das atribuições de Comando Operacional em operações de proteção civil, a nível nacional, distrital e municipal;
  • Definição de perfis funcionais e modelos de qualificação e recrutamento dos cargos de comando;
  • Estabelecimento de carreiras profissionais;
  • Identificação do modelo de financiamento da estrutura de socorro confiado a bombeiros;
  • Incorporação de conhecimento técnico e científico.

7. Criar e aplicar conhecimento científico sobre o tema

Os autores do relatório ressalvam ainda a importância da produção e aplicação da ciência sobre incêndios e prevenção de incêndios. A aplicação dos conhecimentos mais avançados na prevenção e no combate aos fogos é essencial para manter uma força e uma estratégia atualizada e de vanguarda, para melhor proteger as florestas e as estruturas.

Assim, os técnicos destacam várias áreas nas quais “a produção e transferência de conhecimento deve incidir”. Entre elas está a investigação relacionada com os impactos das alterações climáticas, “explorando as capacidades de vulgarização desse conhecimento” e como esse pode transformar-se em indicações práticas. Incentivam ainda a investigação em aspetos relacionados com o combate aos fogos em situações meteorológicas adversas. Importa ainda atentar em “aspetos relacionados com a regeneração e gestão pós-incêndio, englobando modalidades de proteção do solo, avaliação de impactos na biodiversidade”, e também em “mecanismos de gestão do risco, baseados em sistemas de apoio à decisão em tempo real, com incorporação de tecnologia na prevenção, na previsão e deteção remota, integrando dados atuais e reais”.

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