O que é que os Estados Unidos têm e nós não? Clusters
Os clusters em Portugal já percorreram um longo caminho nos últimos 20 anos. O país até já dá cartas a nível mundial. Mas ainda há muito por conquistar para chegar ao topo do pódio.
Foi em 1992 que o então ministro da Economia, Mira Amaral, encomendou um estudo sobre a competitividade da economia nacional a Michael Porter. As conclusões apresentadas pelo professor da Harvard Business School surpreenderam já que defendia a aposta nos setores tradicionais como o têxtil o calçado, declarados por muitos como moribundos.
Vinte e seis anos, Portugal tem oficialmente identificados 20 clusters de competitividade e os têxteis, o calçado, o vinho, o turismo e a agricultura continuam a integrar a lista. Mas também há apostas novas, que refletem a modernização e atratividade da economia nacional.
Os clusters das Smart Cities, das tecnologias de informação, da aeronáutica, espaço e defesa são a face da transformação geracional que está a ocorrer em Portugal e nas empresas nacionais. “O estudo de Porter introduziu a metodologia dos clusters, mas o Governo de António Guterres não ligou nenhuma e só uns anos depois se voltou a falar disso. Perderam-se muitos anos“, lamentou Mira Amaral, em declarações ao ECO. Na avaliação do ministro da Economia de Cavaco Silva “alguns cluster têm demonstrado uma performance excelente, nomeadamente o automóvel, calçado, vestuário e até metalomecânica”, mas “perderam-se muitos anos, Portugal poderia estar muito mais avançado”.
Por exemplo, o volume de negócios do setor aeronáutico em Portugal deverá atingir os 3% do Produto Interno Bruto (PIB) no espaço de cinco anos, segundo as previsões o general José Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED). Em declarações aos jornalistas, em maio, o responsável revelou que “o cluster representa cerca de 60 empresas, fatura 1,87 mil milhões de euros, o que corresponde a 1,2% do PIB, dando ainda emprego a 18.500 pessoas, sendo que 87% é exportação, o mercado interno é residual”.
No entanto, não há dados atualizados sobre o impacto que os clusters têm na economia nacional. Os mais recentes datam de 2013, quando a maior parte deles foi aprovado. Os valores globais para o conjunto dos clusters, à exceção do cluster do Turismo, davam emprego a cerca de 165 mil trabalhadores (menos de 2% da população), as empresas associadas geravam um volume de negócios de 44,7 milhões de euros e exportavam cerca de 15,1 milhões de euros, de acordo com os dados divulgados pelo IAPMEI, referentes a 2013 e com base nas informações fornecidas pelas próprias empresas aos clusters. Também era possível perceber que há cerca de 1.800 empresas associadas aos 20 clusters existentes em Portugal, cuja identificação ficou completa apenas em 2017.
O impacto esperado em termos económicos para o conjunto dos setores integrados nos clusters até 2020 era assegurar um crescimento de 23% nas exportações, de 17% no volume de negócios, de 25% no investimento em I&DT e ainda um crescimento do emprego de 12%.
O ECO sabe que o Executivo pretende dar um novo fôlego a estas plataformas que estabelecem melhores níveis de colaboração entre as empresas de determinado setor e os stakeholders locais. Inclusivamente, está a ser avaliada a possibilidade de organizar, no próximo ano, um encontro nacional de clusters.
As vantagens deste tipo de ecossistema de inovação são reconhecidas em todo o mundo já que organizam ações coletivas e reduzem os custos de transação, através da construção de interações e parcerias colaborativas entre as empresas e os seus parceiros. Mas o seu nível de desenvolvimento é díspar. Os dados do Fórum Económico Mundial, no “The Global Competitiveness Report“, revelam que Portugal está em 38.º em termos de desenvolvimento dos clusters, num ranking de 140 países. E qual é o exemplo maior? Estados Unidos, que lideram esta lista.
“As economias regionais são a pedra basilar da competitividade norte-americana. A capacidade da nação produzir serviços e produtos de elevado valor acrescentado depende da criação e fortalecimento de clusters regionais de indústrias que se tornam hubs de inovação”, defende o projeto de mapeamento dos clusters norte-americanos. “Os clusters aumentam a produtividade e fomentam a inovação juntando tecnologia, informação, talento especializado, empresas concorrentes, instituições académicas e outras organizações“, pode ler-se ainda na página do U.S. Cluster Mapping Project, uma iniciativa norte-americana que fornece mais de 50 milhões de dados de acesso livre sobre os clusters nos EUA.
“Os clusters existem onde as atividades económicas, num conjunto de indústrias relacionadas, numa determinada localização, atingem massa crítica. É nesta altura que as ligações locais começam a ter um impacto significativo no desempenho das empresas e surgem oportunidades importantes para colaboração local entre firmas e outras organizações”, explica ainda o mesmo projeto que é liderado pelo Instituto para Estratégia e Competitividade da Harvard Business School, em parceria com o Departamento de Comércio norte-americano. “Os clusters surgem naturalmente, dando ganhos de produtividade às empresas à medida que crescem. As empresas em clusters ganham acesso a fornecedores regionais especializados e instituições e também podem beneficiar de bolsas de trabalhadores altamente especializados e partilhar infraestruturas dedicadas às suas necessidades.”
E por oposição aos 20 clusters que existem em Portugal, nos EUA representam quase 70, dão emprego a cerca de 45 milhões de pessoas (quase 15% da população), com salários que rondam em média os 71 mil dólares (valores de 2016), mas que podem ascender aos 140 mil ao nível do serviços financeiros ou apenas a 29 mil dólares nas confeções.
A nível europeu também existe um observatório para os clusters, que inclusivamente desenvolveu testes de stress para a política de clusters dos vários Estados membros — a região centro foi alvo de um —, tal como o Banco Central Europeu o faz para os bancos sistémicos. O objetivo é “ajudar os Estados membros e as regiões a conceber estratégias de especialização inteligente e de clusters que ajudem as empresas a desenvolver novas vantagens competitivas em indústrias emergentes através dos clusters e assim promover a indústria europeia”, especifica o Guia para a política dos clusters. Uma política que, naturalmente, não poderia deixar de ser desenvolvida com o apoio de fundos estruturais.
Mas apesar dos mais de 890 milhões de euros investidos nos clusters no anterior quadro comunitário, a conclusão foi de que era preciso continuar a investir nesta área.
Uma conclusão partilhada também pelos especialistas norte-americanos: “Os cluster não precisam de ser abandonados, mas antes repensados. Com um planeamento rigoroso, investimentos avultados e um empenho significativo da indústria, o desenvolvimento económico assente em clusters pode ser transformacional”, defendem Ryan Donahue, Joseph Parilla e Brad McDearman investigadores da Brookings Institution, num estudo de julho deste ano sobre a política dos clusters.
O Acordo de Parceria que Portugal assinou com a Comissão Europeia — onde são definidas as linhas mestras do Portugal 2020 — sublinha a necessidade de continuar a apostar na política de clusterização e corrigir alguns erros:
- “Insuficiente quadro de acompanhamento e coordenação política da iniciativa de clusterização;
- Excessivo enfoque no apoio a clusters e ações coletivas enquadradas no alinhamento tradicional dos principais setores exportadores;
- Fraco envolvimento de agências públicas em ações coletivas;
- Insuficiente expressão de ações coletivas para o empreendedorismo tecnológico e para a atração de IDE;
- Insuficientes estímulos à prestação de serviços indutores de inovação comercial ou organizacional;
- Excessiva atomização de incubadoras tecnológicas sem massa crítica (fragmentação do ecossistema de empreendedorismo).”
“O sucesso dos polos de competitividade e Internacionalização é fundamental para o futuro do país. É um objetivo que não se concretiza meramente por decreto. É fundamental que a sociedade civil agarre de forma convicta este desígnio e faça da criação destas ‘Novas Plataformas de Competitividade’ a verdadeira aposta estratégica coletiva para os próximos anos”, defende o economista Jaime Quesado, num artigo de opinião recente, publicado no Dinheiro Vivo.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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