Parlamento celebra 25 de abril com divisão na cerimónia, mas união na pandemia

Vários partidos e o Presidente da República dedicaram o discurso a justificar a realização da cerimónia, uma polémica dos últimos dias. Inevitavelmente, todos falaram da pandemia.

Numa versão reduzida, o Parlamento celebrou o 25 de abril numa altura em que o país enfrenta uma pandemia e já uma crise económica. Grande parte dos discursos, desde logo o de Marcelo Rebelo de Sousa, incidiram sobre a polémica da realização da cerimónia nestas circunstâncias e ainda sobre a resposta que está a ser dada à pandemia. Mas também se falou de futuro e da necessidade de liberdade.

A sessão começou com um minuto de silêncio para as vítimas da doença Covid-19. Ao contrário do que costuma acontecer, o Presidente da Assembleia da República foi o primeiro a discursar para defender logo a decisão de celebrar o 25 de abril: “Independentemente das circunstâncias, a democracia e o Parlamento dizem presente“, sintetizou Eduardo Ferro Rodrigues. Esta polémica viria a contaminar todos os discursos dos partidos, uns mais do que outros.

Isso foi mais visível no discurso do CDS que foi quase todo dedicado a esta questão. “O CDS não só discordou desta cerimónia como propôs uma alternativa viável e responsável para uma evocação que consideramos fundamental“, argumentou Telmo Correia. O líder parlamentar considerou que “esta celebração dividiu os portugueses quando o momento é de união”. Uma posição partilhada por André Ventura, do Chega, que foi mais agressivo na retórica: “Não devíamos estar aqui hoje porque os portugueses não puderam estar ao lado daqueles que perderam”.

Já a Iniciativa Liberal e o PAN — que se focou nas áreas em que “falta cumprir abril” — preferiam uma celebração diferente, decidiram focar-se nas suas bandeiras e não alimentar a polémica. Os restantes partidos (PS, PSD, PCP, PEV e BE) defenderam a cerimónia — “Podíamos estar noutro sítio que não o Parlamento para comemorar o 25 de abril? Não, não podíamos“, disse Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS –, mas foi o Presidente da República quem mais tempo dedicou à defesa desta celebração, dizendo mesmo que “nunca hesitou por um segundo” sobre este assunto: “Deixar de evocar o 25 de abril no tempo em que ele mais está a ser posto à prova seria um absurdo cívico”.

“Esta sessão é um bom e não um mau exemplo”; “O que seria verdadeiramente incompreensível” seria a AR “demitir-se de exercer todos os seus poderes” numa situação em que estes “são mais necessários” do que nunca”. “A presente evocação não é uma festa de políticos, alheia ao clima de privação vivido na sociedade portuguesa“. Foram estes algumas das frases ditas por Marcelo para justificar a cerimónia, em defesa da celebração do 25 de abril, à semelhança do que fará para o 10 de junho, 5 de outubro e 1 de dezembro.

Rio exige preparação para a segunda vaga. Austeridade volta?

O assunto dominou os discursos, mas estes não se esgotaram na polémica. A pandemia foi, inevitavelmente, o assunto central numa celebração da liberdade que acontece numa altura em que há restrições a esta por causa do coronavírus. O líder da PSD aproveitou para deixar um aviso a todos: “A economia portuguesa não resistirá a uma nova paragem como aquela que estamos a viver”, pedindo por isso um plano para o próximo inverno que evite uma nova (quase) paralisação do país enquanto não há uma vacina.

No próximo inverno teremos de ter uma maior capacidade de resposta do SNS, sob todos os pontos de vista“, exigiu Rui Rio, avisando que “as falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas”. Aliás, o foco no investimento no SNS, visto por muitos como uma vitória do 25 de abril, foi vincado pelos partidos, ainda para mais com a pandemia a expor as fragilidades dos serviços de saúde.

Se esta ideia até pode ser aceite na generalidade dos partidos, as diferenças são vincadas quando se fala da vertente económica desta pandemia. Rio não exclui a 100% a necessidade de austeridade, referindo que o “otimismo” dos partidos à esquerda, incluindo o PS, de que esta não será necessário, “não pode ser impeditivo de nos prepararmos para o pior cenário”. Contudo, à esquerda foram vários os apelos para uma resposta mais forte: “Os direitos e a liberdade não estão em quarentena“, afirmaram vários partidos.

Foi mesmo pela voz de Ferro Rodrigues que a questão da austeridade foi inicialmente introduzida. “De uma coisa estou certo: Portugal e os portugueses estão vacinados contra a austeridade. Resta saber se a vacina tem 100% de eficácia“, disse o presidente da Assembleia da República, tendo aproveitado para elogiar os partidos da geringonça pela devolução de rendimentos efetuada nos últimos anos.

Pelo Bloco de Esquerda, Moisés Ferreira afirmou que “da crise só saímos avançando, nunca recuando” e, pelo PCP, Jerónimo de Sousa assinalou que “a situação que vivemos mostra a importância dos serviços públicos”, que “os que há pouco diziam que vivíamos acima das nossas possibilidades estão de volta” e que esta crise não pode significar um retrocesso nos rendimentos dos portugueses. No PS, a mensagem foi para a Europa para que esta faça parte da solução e não do problema.

Liberdade é “uma flor delicada” que não deve ser dada “por garantida”

Ainda que a pandemia tenha dominado os discursos, a celebração da Revolução dos Cravos não se esqueceu da liberdade. Face ao momento que se vive. E foi a Iniciativa Liberal que mais tempo do seu discurso dedicou ao tema, focando-se nos mais jovens. Numa carta ao filho que faz este sábado 18 anos, e num tom emocionado, João Cotrim Figueiredo pediu para que este nunca dê a liberdade “por garantida”. “Entrei na Iniciativa Liberal para defender o liberalismo que em Portugal não tinha voz”, afirmou o deputado da IL, referindo ao filho que o 25 de abril fez-se não só para “te libertar de uma ditadura”, mas também “para te libertar de tudo e de todos os que não te deixam procurar aquilo que livremente desejas”.

"Entrei na Iniciativa Liberal para defender o liberalismo que em Portugal não tinha voz.”

João Cotrim Figueiredo

Marcelo fez questão de dizer que é preciso perceber a diferença entre “a liberdade que assume e a repressão que apaga e a democracia que revela e a ditadura que silencia“. O PS, pela voz de Ana Catarina Mendes, frisou que a liberdade é “uma flor delicada” que é preciso preservar. Mais à esquerda, Moisés Ferreira afirmou que “hoje não descemos a avenida, mas nem por isso esquecemos que a liberdade é o nosso chão“.

Apesar da divisão em vários temas, houve união na luta contra a pandemia. “Esta hora impõe unidade, que não é nem unicidade nem unanimismo“, disse Marcelo Rebelo de Sousa, encerrando com um apelo: “Vamos ao essencial, vamos vencer as crises que temos de vencer”.

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