Branqueamento e terrorismo: Seguros e fundos de pensões são de baixo risco
Ao contrário da banca o setor segurador apresenta um risco geral baixo em ameaças e vulnerabilidades face a fenómenos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
Portugal concluiu a sua segunda Avaliação Nacional de Risco (ANR) de branqueamento de capitais (BC) e de financiamento do terrorismo (FT), desta vez com inclusão adicional dos riscos de financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (FP). A ASF, entidade reguladora do setor segurador, participou ativamente neste trabalho promovido pela Comissão de Coordenação das Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo.
O trabalho revela que o país apresenta risco médio-baixo no BC, tendo por base o facto de o nível global de ameaça ser médio-alto, mas o grau de vulnerabilidade residual (que decorre da capacidade de resposta), ser médio-baixo. Apesar da melhoria da reação penal à prática destes crimes (38 condenações em 2015, 28 em 2016, 63 em 2017 e 70 em 2018), “é uma área que importa continuar a acompanhar com atenção, quer no plano preventivo, quer repressivo”.
A avaliação nacional visou identificar os riscos mais elevados de BC/FT/FP, quer por setor, quer geográficos, “tendo-se concluído, face à capacidade nacional de resposta, que Portugal está sujeito a um risco médio-baixo de BC e de FT e baixo de FP”, revela o documento.
Setor bancário concentra risco mais alto do setor financeiro
Nos setores com “mais alto risco está, tal como sucedia já em 2015, na área financeira, o setor bancário, coração do sistema financeiro na maioria dos países. Porque se trata do setor com maior dimensão e complexidade operativa, não é surpreendente que o mesmo seja umas das vias preferenciais” para a entrada de dinheiro ilícito na economia legal e para a circulação de fundos destinados a financiar uma atividade como o terrorismo.
No que respeita ao setor segurador, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) contribuiu para o levantamento da situação portuguesa e, em nota informativa, salienta a identificação de “risco geral de grau baixo no setor dos fundos de pensões e dos seguros do ramo Vida e de grau médio-baixo na mediação de seguros”.
De acordo com o organismo presidido por Margarida Corrêa de Aguiar, a conclusão é “coerente com a de avaliações anteriores, nacionais e internacionais”, e de que foram retiradas as conclusões normativas e operacionais que se impunham, “ultrapassando-se assim as fragilidades identificadas”. Sem prejuízo disso, acrescenta a nota da autoridade setorial, a ASF “continuará a contribuir para o aperfeiçoamento dos mecanismos de combate ao bc/ft no setor segurador”.
A ANR analisou as “vulnerabilidades intrínsecas” e avaliou os “graus de vulnerabilidade residual” no setor financeiro e no setor não financeiro. No setor financeiro, “foram analisadas vulnerabilidades no setor bancário, nas Entidades Gestoras de OIC (Organismos de Investimento Coletivo) e de outros ativos e nas Entidades Prestadoras de Serviços de Investimento, nas Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões, Empresas de Seguros – Ramo Vida e Mediadores de Seguros – Ramo Vida e na Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E. P. E.
As vulnerabilidades residuais apuradas foram de grau médio-alto nas instituições de crédito e nas instituições de pagamento e de moeda eletrónica; de “grau baixo nas sociedades gestoras de fundos de pensões e nas empresas de seguros – ramo Vida e de grau médio-baixo nas restantes”, lê-se no relatório da ANR.
No setor não financeiro, os riscos mais elevados, nomeadamente de BC, continuam a verificar-se no setor do imobiliário.
A Avaliação Nacional de Riscos (ANR), concluída em dezembro de 2019 revê e atualiza a que foi realizada em 2015, prossegue o processo de identificação, avaliação e análise das ameaças, das vulnerabilidades e dos principais riscos de BC, de FT e de FP, em conformidade com as recomendações do GAFI (grupo de ação internacional criado no âmbito da OCDE).
Face ao levantamento efetuado, a ANR prevê, por conseguinte, medidas específicas para numerosos setores: bancário, valores mobiliários, segurador, dívida pública, jogo, jogos sociais, imobiliário, auditores, contabilistas certificados, advogados, solicitadores, notários, comércio, importação e exportação de diamantes, leiloeiras e prestamistas, futebol e transporte de fundos e valores.
Risco alto na vulnerabilidade residual do imobiliário
No setor não financeiro, foram analisadas vulnerabilidades nos setores do jogo, do imobiliário, dos profissionais liberais, do comércio, das entidades equiparadas, das entidades auxiliares e das pessoas coletivas com escopo lucrativo.
As vulnerabilidades residuais apuradas foram de grau alto no setor do imobiliário, de grau médio-alto nos contabilistas certificados, no comércio de ouro e metais preciosos, antiguidades e arte, aeronaves, embarcações e automóveis, nos setores do futebol e de leiloeiras e prestamistas, de grau médio-baixo nos jogos sociais, no setor das profissões jurídicas – Advogados, Solicitadores e Notários -, na importação e exportação de diamantes e no transporte de fundos e valores, nas entidades equiparadas, nas entidades auxiliares e nas pessoas coletivas de escopo lucrativo e de grau baixo nos restantes.
No relatório, as ameaças referem-se “a uma pessoa, grupo de pessoas, objeto ou atividade com potencial para, por exemplo, prejudicar o Estado, a sociedade ou a economia. No contexto BC/FT/FP, o termo ameaça inclui agentes do crime, grupos terroristas e quem facilite as suas atividades, sendo o ponto de partida para compreender o risco de BC/FT/FP”. Já o conceito de vulnerabilidade engloba “tudo o que possa ser explorado pela ameaça ou que possa apoiar ou facilitar as suas atividades, sendo a consequência o impacto ou prejuízo que o BC/FT/FP possa provocar”, explica o documento.
Capacidade setorial no lado da prevenção
O relatório recorda que Portugal dispõe de uma estrutura de coordenação das políticas de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa – a Comissão de Coordenação das Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, criada na dependência do Ministério das Finanças. Esta comissão criou e mantém atualizado em permanência um portal na internet.
O país possui, ainda, um elenco alargado de autoridades com atribuições no domínio da prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação, com destaque para autoridades judiciárias e policiais, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a UIF-Polícia Judiciária; as autoridades do setor financeiro (autoridades de supervisão): a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), o Banco de Portugal (BdP), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Inspeção-Geral de Finanças (IGF). Além destas, existem mais de uma dezena de autoridades competentes do setor não financeiro, todas listadas no relatório.
Assim, a análise conclui que “a qualidade setorial dos sistemas de controlo ABC/CFT/CFP instituídos pelas autoridades setoriais e pelas entidades obrigadas é, em geral, boa, revelando, segundo os padrões do GAFI, a existência de sistemas capazes de enfrentar os desafios”. Na verdade, explica o documento, do conjunto dos 25 setores avaliados num contexto de prevenção de BC/FT/FP, “68% do universo apresenta uma qualidade alta ou média-alta do sistema de controlo”.
Os restantes 32% refletem, na sua maioria, uma qualidade média-baixa, colocando em evidência a necessidade de serem concebidas e aplicadas as medidas e ações concretas que permitam melhorar os seus níveis de eficácia. Não obstante, a análise efetuada revela margem para melhorar o quadro normativo, “nomeadamente, entre outros, quanto aos procedimentos de privação e administração de bens”, diz a ANR.
Dado que a presente ANR “permite fazer uma revisão da estratégia e das políticas nacionais de combate ao BC/FT/FP, naquilo em que elas se mostrem desadequadas às ameaças, vulnerabilidades e riscos identificados” e, embora Portugal seja um país estável, com um sistema jurídico assente na separação de poderes e integrado na UE, importa eliminar deficiências relativas e necessidade de aperfeiçoar:
- A falta, insuficiência, pouca abrangência ou incompletude dos dados estatísticos e, no quadro da cooperação judiciária internacional em matéria penal, importa sublinhar a necessidade de aperfeiçoar o sistema de gestão dos pedidos de extradição e de auxílio judiciário mútuo recebidos e enviados;
- No que se refere à definição legal do crime de branqueamento, apesar da sua extensão e da eficácia na aplicação da legislação, existe, ainda assim, margem para melhorar a proporcionalidade e a dissuasão das sanções aplicáveis, quando comparadas com sanções aplicáveis a outros crimes graves.
No entanto, considera o documento, há vários pontos a melhorar, designadamente o de garantir que os bens congelados ou apreendidos sejam efetivamente declarados perdidos a favor do Estado, por forma a assegurar que os agentes dos crimes sejam definitivamente privados desses ativos.
O relatório afirma ainda que “o quadro penal vigente pode ser robustecido, em particular quanto ao reduzido limite máximo previsto para a pena de multa, aplicável às pessoas coletivas condenadas por branqueamento”.
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