Entidade fiscalizadora volta a apontar “deficiências” na contabilidade da Festa do Avante
O PCP continua a ser criticado pela entidade fiscalizadora face às contas da Festa do Avante, repentindo-se a discórdia em 2017. Em sua defesa, o PCP acusa a ECFP de aplicar a lei de forma "cega".
A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) identificou “deficiências” nas contas da Festa do Avante, nomeadamente nos rendimentos com bilhetes e restauração. A discordância entre a ECFP e o PCP sobre as contas do Avante já é antiga e voltou a ocorrer no exercício de 2017. Em sua defesa, o partido contraria as críticas e acusa a Entidade de aplicar a lei de forma “cega e grosseira”.
Na semana passada, a 4 de agosto, a ECFP divulgou os relatórios que fez às contas anuais de 2017 dos partidos políticos e as respetivas decisões onde os partidos têm o direito a fazer o contraditório. Na análise das contas são identificadas várias irregularidades em quase todos os partidos — entre os que têm assento parlamentar, escapam apenas o BE, a IL e o PAN — pelas mais variadas razões.
No caso do PCP, são várias as discordâncias que existem com a ECFP sobre quotas, contribuições e empréstimos de militantes, assim como pagamentos em numerário, mas há muitos anos que se destacam os problemas com o Avante. “No que concerne a esta iniciativa de angariação de fundos [a Festa do Avante] – a principal, do PCP, representando cerca de 91,2% da totalidade desta rubrica –, foram identificadas várias situações de deficiências no suporte documental no que respeita ao detalhe dos rendimentos obtidos“, escreve a Entidade liderada por José Figueiredo Dias na decisão relativa às contas anuais de 2017 do PCP que tem 62 páginas.
No relatório (que precede a decisão) de 87 páginas sobre as contas do PCP, a ECFP vai ao pormenor, explicando os problemas que identifica nas duas principais receitas deste evento de angariação de fundos: os bilhetes para a entrada (mais de 900 mil euros) e a restauração (mais de 1,2 milhões de euros). “O partido não dispõe de uma relação com o montante total de Entradas Permanentes (EPs) [bilhetes], os respetivos valores de venda e a reconciliação com os rendimentos refletidos na contabilidade”, nota. Além disso, “não estavam anexados os respetivos talões de venda dos caixas [da restauração], pelo que não foi possível confirmar a efetividade e a razoabilidade destas vendas“.
“Salienta-se que a falta de transparência das contas dificulta o apuramento de outras eventuais infrações cometidas pelo partido ou a confirmação de que não ocorreram, prejudicando a auditoria das contas e o cumprimento do dever de organização contabilística”, aponta a ECFP, concluindo que “no global, as situações descritas configuram uma violação da conjugação das normas supramencionadas”.
PCP rejeita críticas e acusa ECFP de aplicar a lei de forma “cega e grosseira”
A reação do PCP às críticas da ECFP é direta: contesta quase todas as conclusões do relatório, diz que há “incompreensão” do que é o Avante e que o resultado da autoria é desajustado da realidade, pouco sólido e incongruente. “O PCP contesta pois a aplicação cega e grosseira do regime jurídico vigente à realidade Festa do «Avante!»”, escreve o partido nos longos contraditórios que fez às críticas da ECFP.
Para o PCP, a Festa não é “nem uma nem múltiplas atividades de angariação de fundos”, o que considera ser uma “simplificação” da ECFP, até porque é um “evento todo o ano a tempo inteiro”. “O PCP tem apenas organizado a contabilidade da Festa como uma única atividade de angariação de fundos porque é a solução que corresponde à realidade e aquela que oferece lógica”, justifica, argumentando que não há um enquadramento legal adaptado a um evento político desta dimensão.
Os comunistas exigem assim que a Entidade aplique de forma “integral e substantiva” a alínea 2 do artigo 12 da lei do financiamento partidário: “A organização contabilística dos partidos rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com as adaptações e simplificações adequadas à natureza dos partidos políticos“. “Essa exigência de elementar justiça deveria ao menos poder ser encarada pela ECFP, nisso abrindo caminho ao desenvolvimento normal da atividade partidária em vez de objetivamente poder estar a contribuir para o seu sufoco e limitação“, apontam.
Sobre as críticas às faturas na restauração, o PCP diz que “não é possível em circunstância alguma identificar toda e qualquer pessoa visitante que se apresenta para consumir algo numa dessas iniciativas, nem isso seria legalmente admissível“. “O PCP não tem autoridade nem suporte legal para identificar pessoas a esse ponto”, considera, referindo que não retira essa obrigação da lei em vigor. Assim, “o PCP tem a certeza que atua dentro da legalidade e faz angariação de fundos em respeito por regras de transparência, sã convivência social e critério de rigor na prestação de contas”. Quanto aos bilhetes, o PCP também disputa a visão da ECFP, argumentando que a entidade não reconhece a “natureza” da EP e diz que não entende o que tem de esclarecer sobre este assunto.
A Entidade concedeu a validade da informação prestada pelo PCP numa das alegadas irregularidades relacionadas com os meios de propaganda política (gastos), após o partido ter entregado mais informação sobre essas despesas, nomeadamente a fatura do concerto de Rui Veloso em 2017 com o custo de 29.520 euros. Porém, a ECFP manteve a sua opinião sobre as outras irregularidades que identificou nas contas desta festa, nomeadamente nos rendimentos (receitas): “Em sede de contraditório, o partido desenvolve uma narrativa, no que respeita à “Festa do Avante!”, repetindo a argumentação utilizada em anos transatos, nomeadamente a atinente à dimensão e complexidade do evento“.
“Neste sentido, à semelhança do ano transato, não foi apresentada pelo partido informação adicional que identifique e decomponha cada uma das parcelas dos rendimentos auferidos com a Festa do Avante e dos correspondentes gastos (pagamento de serviços e bens)”, assinala, concluindo que, “assim sendo, as deficiências documentais identificadas impedem a aferição do respeito pelas exigências contabilísticas (…)”.
A questão é tão antiga que é possível recordar um acórdão de 2016 do Tribunal Constitucional relativo às contas de 2012 em que os juízes do Ratton, que então fiscalizavam o financiamento partidário, relatavam “situações anómalas” que constituíam a “violação do dever de organização contabilística”. Apesar da retaliação do PCP, semelhante aos argumentos apresentados nas contas de 2017, o TC manteve a sua versão: “Tem o TC entendido, no que respeita à Festa do Avante, que não obstante as dificuldades que a lei vigente apresenta para eventos deste tipo, está longe de se demonstrar que é impossível proceder ao controlo contabilístico das receitas e despesas“. “Na verdade, a resposta escapa ao essencial“, rematavam.
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