Divulgado vídeo ‘off-the-record’ de António Costa a chamar “cobardes” a médicos

O Expresso já confirmou que o vídeo corresponde a uma conversa privada, em 'off', já não considerada para a entrevista e garante que é gravação amadora ilegal.

Foi divulgado nas redes sociais um vídeo em que se vê e ouve o primeiro-ministro António Costa a chamar “cobardes” a médicos. No vídeo de apenas sete segundos, em que não é possível perceber o contexto da conversa, Costa está a falar com dois dos jornalistas do Expresso que assinam a entrevista com o governante publicada pelo semanário este sábado. E a direção do jornal já fez um comunicado sobre o sucedido.

“O presidente da ARS [Administração Regional de Saúde] mandou para lá os médicos para fazerem o que lhes competia e os gajos, cobardes, não fizeram”. São estas as únicas palavras que se ouvem no vídeo em questão, que foi partilhado no Twitter (entretanto já apagado) e pelo Chega.

O Expresso já confirmou que o vídeo corresponde a uma conversa privada já não considerada para a entrevista e garante que não sabia da divulgação. “Uma gravação amadora de um ecrã de computador, que reproduz uma recolha de imagens de uma conversa off the record, privada, do primeiro-ministro com jornalistas do Expresso, foi divulgada nas redes sociais sem autorização e conhecimento deste jornal”, pode ler-se numa nota da direção do Expresso.

“O Expresso repudia absolutamente esta divulgação, pela qual não tem responsabilidade. Os sete segundos do vídeo ilegal descontextualizam quer a entrevista, quer a conversa que o primeiro-ministro teve com o Expresso”, diz ainda o jornal, que promete desencadear de imediato os “procedimentos internos e externos para apurar o que aconteceu e os responsáveis pelo sucedido”, bem como “os imprescindíveis mecanismos jurídicos para processar os responsáveis pela sua difusão”.

O ECO tentou contactar o gabinete do primeiro-ministro sobre o vídeo em questão, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

Sindicato exige “respeito” ao Chefe do Governo

O Sindicato Independente dos Médicos já reagiu ao vídeo: “Lamentamos, reprovamos e repudiamos em absoluto as palavras de Vossa Excelência. Os médicos merecem e exigem respeito, muito mais partindo do Chefe de Governo“, diz o SIM, em comunicado.

O sindicato ajuda também a perceber o contexto das declarações. Falam de uma determinação da ARS Alentejo de alocar ao lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva equipas de médicos do Agrupamento de Centros de Saúde Alentejo Central e do Hospital Espírito Santo de Évora.

Consideram que esta determinação estava “ferida de ilegalidade face às convenções coletivas de trabalho”, mas ainda assim “médicos da Unidade de Saúde Familiar Remo deslocaram-se ao lar nos dias imediatamente seguintes ao diagnóstico do primeiro caso para a prestação de cuidados de saúde”.

O SIM alega ter alertado o Governo para as parcas condições sanitárias e a falta de segurança na realização dos atos médicos necessários, diz ter sugerido ao Governo, a 2 de julho, a colaboração das Forças Armadas e pedido que a Segurança Social exercesse as suas competências e responsabilidades para com os lares.

Os médicos do SNS são médicos no SNS, não são médicos em lares, nem para protegerem as costas a amigos políticos seja de que cor forem”, diz. Defende que o trabalho dos médicos do SNS só pode decorrer nas instalações de estabelecimento contratualmente identificado onde os médicos se encontram colocados ou em estabelecimento da mesma entidade empregadora pública situado no mesmo concelho.

“Os doentes têm direito cuidados de saúde de qualidade. Já os médicos têm direito a exigir condições técnicas de exercício para poderem cumprir com as leges artis, tendo direito também ao cumprimento da Lei por parte da entidade empregadora. E foi isso que acabaram por fazer quando viram que as gravíssimas condições dos utentes do lar se perpetuavam e agravavam”, acrescenta o sindicato.

CDS e Iniciativa Liberal criticam o primeiro-ministro

Além do sindicato também os partidos CDS-PP e Iniciativa Liberal já reagiram ao vídeo, ambos com críticas. “António Costa não retirou uma única consequência pelos erros ocorridos em Reguengos, manteve a Ministra e não pediu desculpas às famílias que perderam entes queridos. Mas já encontrou bode expiatório: os médicos. Repito: o socialismo faz cada vez pior à saúde da nossa democracia“, começou por escrever o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, no Twitter.

“Quando totalizavam 20% dos infetados e encabeçavam a luta ao Covid, correndo risco de vida e permitindo ao primeiro-ministro alavancar a popularidade à custa do seu esforço, os médicos eram heróis. Quando apontam falhas do Estado, passam a ser “cobardes” e criticados por terem opinião na TV. Vi, ouvi e não queria acreditar. Os elogios, os aplausos, os “prémios” de finais de Liga dos Campeões para os profissionais de saúde, não foram mais que fachada mediática. Hoje, nas suas camisolas, Bayern e PSG dizem-lhes “danke” e “merci”. António Costa chama-os de “cobardes””, acrescenta.

Já o Iniciativa Liberal foca-se no conteúdo da entrevista, em especial a defesa da ministra Ana Mendes Godinho no caso do relatório sobre o lar de Reguengos de Monsaraz. O partido liderado por João Cotrim Figueiredo considera “inaceitável” que o primeiro-ministro afirme que as Ordens profissionais não existem para fiscalizar o Estado. “Numa democracia, todas as instituições e todos os cidadãos têm o direito e até o dever de fiscalizar a ação do Estado, sobretudo no caso de uma Ordem quando está em causa atuação de profissionais que regula”, diz.

A Iniciativa Liberal diz acompanhar com “enorme preocupação” a troca de acusações e a escalada de afirmações entre o Executivo e a Ordem dos Médicos. “A IL incita o primeiro-ministro António Costa a assumir as responsabilidades e que passe a coordenar a atuação governativa nesta matéria com o sentido de Estado a que a sua função obriga”.

O partido já tinha pedido a demissão de Ana Mendes Godinho e volta a questionar o Governo sobre se vai assumir responsabilidades sobre o caso. Além disso, pede o primeiro-ministro que peça desculpas aos familiares dos utentes e aos profissionais da classe médica. “Esta situação revela a prepotência com que o Partido Socialista governa o país”.

“Sempre que há tragédias o Governo nada sabe. Sempre que há tragédias o Governo parte para o confronto e nunca assume responsabilidades, nunca vê o que falhou e como corrigir. Não pediu desculpas às famílias nem ninguém no executivo assumiu qualquer responsabilidade, não houve consequências e nem sequer há um plano para evitar que tal situação ocorra de novo. Nada foi apresentado. O governo está mais preocupado em defender a ministra e os seus do que com a segurança dos idosos em lares onde há vários surtos”, acrescenta o Iniciativa Liberal.

(Notícia atualizada às 17h30)

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