Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2020 de 14 de agosto, que aprova o Plano Nacional do Hidrogénio, a palavra Sines surge repetida 37 vezes, mas em nenhuma das 82 páginas do documento é feita referência ao mega-projeto H2Sines, nem às empresas EDP, Galp, Martifer, REN e Vestas, que no final de julho anunciaram formalmente que iriam avançar juntas em consórcio para “avaliar a viabilidade de implementar um cluster industrial de produção de hidrogénio verde com base em Sines”.
Empresas estas que, de acordo com a revista Sábado, estarão agora a ser investigadas — juntamente com o ministro da Economia, Siza Vieira, e o secretário de Estado da Energia João Galamba — pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), órgão do Ministério Público especializado no combate à criminalidade mais complexa, e a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, por indícios de tráfico de influência e corrupção, entre outros crimes económico-financeiros, relativo a apoios que o Estado vai dar a empresas privadas nos próximos anos para a produção de hidrogénio verde.
Ao ECO, fonte da Procuradoria-Geral da República disse que “confirma-se apenas a existência de um inquérito a correr termos no DCIAP. O mesmo encontra-se em investigação, não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”. Outros dos visados pela investigação é o empresário holandês Marc Rechter, CEO do Resilient Group, de acordo com a Sábado.
Tanto as empresas em causa como os dois governantes garantem que não têm qualquer conhecimento sobre a investigação. Siza Vieira e Galamba anunciaram esta quinta-feira ao final do dia que vão avançar com queixas-crime por denúncia caluniosa e estão disponíveis para “prestar à Procuradoria-Geral da República os esclarecimentos necessários”. “Não havendo nenhuma aprovação, nenhum contrato, nenhum financiamento e, consequentemente, nenhum pagamento, é inexplicável o teor da denúncia hoje noticiada pela Sábado”, disse o ministério do Ambiente e Ação Climática em comunicado.
João Galamba tinha já garantido ao ECO/Capital Verde que o Governo não se mete nos consórcios entre empresas. “Falam entre elas, aproximam-se, formam ou não os consórcios que entenderem. O Governo só recebe as propostas. Se envolvem três, cinco, dez empresas, se estão fechados ou se há possibilidade de novos consórcios se formarem por fusão entre projetos, as empresas têm liberdade total”, disse o responsável da pasta da Energia em julho.
Green Flamingo passa a H2Sines depois do “divórcio” entre EDP/Galp e Rechter
Apesar de não mencionar diretamente o nome do projeto nem as empresas que o vão desenvolver, o Plano Nacional de Hidrogénio fala sim de um “projeto âncora de grandes dimensões” com um “investimento base previsto que poderá ser superior a 1,5 mil milhões de euros” (cerca de 10% do volume total de manifestações de interesse, entre 7 e 9 mil milhões de euros) para instalar uma unidade industrial com capacidade total em eletrolisadores de, pelo menos, 1 GW até 2030, que “permita posicionar Sines, e Portugal, como um importante hub de hidrogénio verde”.
No entanto, até meados deste ano, este “projeto âncora” para o hidrogénio em Sines tinha outros contornos e outro nome, que não H2Sines. Promovido desde finais de 2019 pelo Resilient Group, do empresário holandês a viver há décadas em Portugal, Marc Rechter, o projeto original H2Scale — que depois foi depois batizado pela Comissão Europeia como “Green Flamingo” — era até há uns meses o plano de ação em cima da mesa para a produção de hidrogénio em Sines. Tinha como promotor o Resilient Group e contava com empresas portuguesas (EDP, Galp e REN) e holandesas, além de um memorando de entendimento com o Porto de Roterdão, imprescindível para o projeto sair do papel.
O ECO/Capital Verde sabe que as coisas mudaram quase no último minuto, antes de o projeto ser formalmente apresentado ao Governo no âmbito do período de manifestação de interesse de investimento, que decorreu entre 18 de junho e 17 de julho. Devido a “divergências não ultrapassáveis”, o consórcio de empresas do lado português avançou sem Marc Rechter e o seu Resilient Group e o Green Flamingo passou definitivamente a H2Sines.
No entanto, o Resilient Group mantém-se no projeto para o hidrogénio em Sines, mas apenas na “coligação” do lado holandês, ao lado de empresas como a ABN AMRO, Vopak, Shell, Gasunie, entre outras.
Rechter usou ainda o nome Flamingo Verde numa candidatura independente (sem a EDP nem a Galp) apresentada ao Governo português na manifestação de interesse, que no final acabou por ser excluída da short list de 37 projetos escolhidos pelo Comité de Admissão de Projetos (apoiado pela Direção Geral de Energia e Geologia e pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia). Estes 37 projetos serão agora serem avaliados mais profundamente com vista à inclusão na candidatura estatuto IPCEI – Projeto Importante de Interesse Europeu Comum -, junto da Comissão Europeia, com vista à obtenção de fundos comunitários significativos. O ECO/Capital Verde sabe que Rechter reclamou da decisão junto do Governo, não tendo obtido até agora qualquer resposta.
Na altura, e o promotor explicou que não conseguiu chegar a um acordo razoável com estas empresas portuguesas, devido a “divergências não ultrapassáveis”, decidindo por isso aliar-se a um conjunto de “grandes empresas nacionais e internacionais, do setor energético e PME de tecnologia de hidrogénio”.
Rechter não quis comentar estas divergências, mas deixou um recado ao Governo, à EDP e à Galp: “O Green Flamingo é o projeto original de hidrogénio, que permitiu a evolução da estratégia nacional e a Portugal chegar à posição da frente na candidatura ao estatuto de IPCEI. Nenhuma empresa, mesmo que muito grande, vai conseguir criar sozinha o mercado europeu de hidrogénio verde.”
Foi depois deste “divórcio” que o H2Sines passou a ser encabeçado pelos dois pesos pesados nacionais — a elétrica EDP e a petrolífera Galp –, em consórcio com a também portuguesa REN e outras empresas nacionais e internacionais, como a Martifer, a dinamarquesa Vestas e também a francesa Engie. Sobre estas questões de bastidores, Galamba garantiu na altura ao ECO/Capital Verde que o Governo “não se mete entre empresas” e que estas “têm liberdade total”.
O H2Sines é um dos maiores projetos selecionados pelo Governo para integrar uma futura candidatura portuguesa ao estatuto IPCEI – Projeto Importante de Interesse Europeu Comum -, com vista à obtenção de fundos comunitários significativos.
Outro é o da Bondalti Chemicals para Estarreja — “H2Enable – The Hydrogen Way for Our Chemical Future” — sendo aquele que apresenta o maior valor total de investimento — 2,4 mil milhões de euros, em 20 anos –, mas até 2030 será avançada apenas uma primeira fatia de cerca de 800 milhões. Ambos integrarão, a par de muitos outros, a candidatura portuguesa ao estatuto de IPCEI no final de 2020, assinado que está o memorando de entendimento entre Portugal e a Holanda, país para onde será exportado o hidrogénio produzido em Sines, via Porto de Roterdão.
O que inclui o investimento de mais de 1,5 mil milhões no H2Sines?
Na apresentação, o consórcio revelou que se trata de “um projeto de forte dimensão internacional pela vertente das exportações, mas também pelas parcerias com empresas com larga experiência na cadeia de valor do hidrogénio”. EDP, Galp, Martifer, REN e Vestas, além de outros parceiros europeus, propuseram-se para já a “avaliar a viabilidade do projeto H2Sines”, sem que nenhuma tomada de decisão de investimento tenha sido feita ainda.
Como começou e como se desenvolveu o H2Sines?
- No âmbito de um projeto pan-europeu foi assinado um Memorando de Entendimento internacional para estudar a viabilidade da criação de uma cadeia de valor para a exportação do hidrogénio de Sines para o norte da Europa.
- O projeto prevê que o hidrogénio poderá também ser utilizado a nível nacional nos setores industriais e de transportes, bem como para injeção na rede de gás natural.
- A produção de hidrogénio verde em Sines contemplada pelo projeto H2Sines “integra e otimiza toda a cadeia de valor”, desde a geração de eletricidade renovável, produção de hidrogénio e a sua distribuição, transporte, armazenamento, comercialização e exportação.
- “Garantindo o equilíbrio financeiro”, o projeto deverá desenvolver-se de forma progressiva, procurando otimizar a adequação dos volumes de produção de hidrogénio e do respetivo consumo, bem como a competitividade dos custos das tecnologias envolvidas.
- Numa primeira fase prevê-se a instalação de um projeto-piloto de 10MW de eletrólise que, ao longo desta década, poderá evoluir até 1GW de capacidade, visando a prazo a instalação de cerca de 1,5GW de capacidade de geração de energia elétrica renovável para alimentação dos eletrolisadores.
- O projeto prevê ainda a possibilidade de entrada de parceiros adicionais, suportada em várias demonstrações de interesse de empresas de dimensão internacional do setor energético, bem como de produtores de tecnologia para a cadeia de valor do hidrogénio.
- O projeto prevê também a criação de uma componente industrial de produção de equipamentos para projetos de hidrogénio e o desenvolvimento de um cluster de I&D+I de referência internacional, com o apoio de mais de 20 empresas, institutos e universidades nacionais.
(Notícia atualizada às 11h00 de 6 de novembro)