Incompatível, um erro ou sobrevivência? Figuras do PSD criticam acordo com Chega

São vários os membros do PSD que se mostram contra acordos com o Chega, existindo até um pedido para um congresso extraordinário devido ao assunto.

PSD e Chega. Os partidos têm estado no centro de uma discussão acesa, devido a um acordo nos Açores para viabilizar a coligação de direita que tem dado pano para mangas na discussão pública e colocou o líder social-democrata debaixo de fogo. As críticas a Rui Rio surgiram de vários quadrantes, mas também de dentro do próprio partido, com várias figuras de renome do PSD, como Miguel Poiares Maduro, a insurgirem-se contra estas ligações, e motivou mesmo um pedido para um congresso extraordinário do partido. Ainda assim, também houve quem no partido apoiasse a decisão.

Já antes de existirem certezas de que o acordo ia avançar, membros do PSD já rejeitavam a possibilidade. Pedro Duarte, ex-presidente da JSD, afirmava no final de outubro que um acordo entre os dois não fazia “qualquer sentido”, sendo algo que, se avançar, poderia “deixar de ser o PSD e passar a ser outra coisa qualquer, que não se chama PSD”, em declarações ao Expresso.

O antigo deputado defendia ser “estruturalmente contra qualquer espécie de conversa” com o partido de André Ventura, que dizia estar “nos antípodas” do PSD. Nessa altura, também José Eduardo Martins, ex-deputado e ex-secretário de Estado social-democrata, frisava: “Por muito que estique a imaginação, não consigo perceber o que é que podemos partilhar por escrito com o Chega sem deitar fora 40 anos de uma luta inteligente e solidária com o povo português”.

Entretanto, o antigo secretário de Estado do Ambiente voltou a falar sobre o assunto, reiterando que a questão deveria ter passado pela Assembleia Legislativa regional, como apontou o socialista Vasco Cordeiro, “porque, se isso tivesse acontecido, o PSD escusava de ter inaugurado este caminho do qual é muito difícil de regressar”, disse no Fórum TSF.

“Os valores pelos quais o Chega ganhou notoriedade — e pelos quais ganhou vantagem sobre o CDS, que é o nosso parceiro democrático tradicional à direita — são estribados nas ideias mais repugnantes. Isso tem um dano de imagem de que é muito difícil de recuperar”, reiterou José Eduardo Martins.

O social-democrata encontra-se ainda entre os mais de 50 subscritores, onde se incluem várias personalidades de direita, de um abaixo-assinado intitulado “A clareza que defendemos”, divulgado no Público, que fala sobre o assunto sem se referir diretamente ao Chega.

“Mais grave, é o espaço não-socialista deixar-se confundir com políticos e políticas que menosprezam as regras democráticas, estigmatizam etnias ou credos, acicatam divisionismos, normalizam a linguagem insultuosa, agitam fantasmas históricos, degradam as instituições”, lê-se no texto. “A aceitação desta amálgama ideológica por parte das direitas democráticas constitui uma afronta à sua história e o prenúncio de um colapso moral”, conclui.

Outro dos assinantes deste texto é Miguel Poiares Maduro. O antigo ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional defendeu, em declarações à TSF, que compreende “a necessidade do PSD nacional respeitar a autonomia regional, desde que o conteúdo desse acordo não viole princípios do PSD”, mas diz discordar dele. “Discordo claramente dele e acho que é um erro que o PSD regional tenha feito esse acordo”, reiterou.

Perante toda esta situação, Jorge Moreira da Silva, antigo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia de Pedro Passos Coelho, decidiu mesmo pedir um congresso extraordinário do PSD para definir a “política de coligações e entendimentos” dos social-democratas e clarificar “a questão da identidade, não do PSD mas da sua atual direção”.

“Não se fazem acordos com partidos xenófobos, racistas, extremistas e populistas. Com partidos que, por ignorância ou perversidade moral, propalam propostas incompatíveis com a dignidade humana. Ponto!”, escreveu o ex-vice-presidente do PSD, referindo-se ao Chega. “Não se conversa, informal ou formalmente, e muito menos se negoceia com esses partidos”, acrescenta.

Diálogo possível se Chega se moderar? Partido “não mudará de pele como as cobras”

Quanto a uma possível moderação do Chega, depois de Rio apontar que admitia “conversar” com o partido se este se moderasse, Poiares Maduro defende que “se o partido deixar de ser aquilo que é, se a identidade política for diferente, é um partido diferente. Essa questão não se coloca nesses termos”. “Para mim, o Chega é o que é hoje – e o que é hoje torna incompatível qualquer acordo do PSD com o Chega“, concluiu.

Para Paula Teixeira da Cruz, antiga ministra da Justiça, “o Chega não mudará de pele como as cobras mudam durante o ano, poderá até dizer que vai mudar numa ou outra questão, mas não vai mudar a sua existência nem a sua natureza, tal como o Bloco de Esquerda”. “Não gosto de lógicas que comprimam as liberdades dos cidadãos, não vale tudo para governar. Não é possível, de maneira nenhuma, aceitar uma aproximação do PSD ao Chega”, apontou, à TSF.

A social-democrata apontou que não lhe parece que os militantes do PSD “gostem desta aproximação”, reiterando que “é uma posição inacreditável e, ao mesmo tempo, inadmissível face aos seus militantes”. A antiga ministra teceu ainda críticas a Rio, apontando que “esta direção — não o PSD — tem uma lógica totalitária, de exclusão, de que quem não está a favor está contra”. “Rio condicionou o partido a todos os níveis”, atirou.

No rol de críticas a este acordo inclui-se ainda José Pacheco Pereira. O antigo líder parlamentar e antigo vice-presidente do PSD reiterou que “o Chega é um partido de extrema-direita com uma dinâmica eleitoral e política forte que corresponde a uma mudança significativa nos partidos de extrema-direita e populistas na Europa”, sendo por isso necessário perceber que “não é inócuo fazer um acordo” com o partido, no programa Circulatura do Quadrado.

Avançar com um acordo “é completamente contra aquilo que é um partido social-democrata. Um partido social-democrata não faz nenhuma espécie de acordo com um partido de extrema-direita”, rematou o social-democrata.

Nem tudo são críticas. Acordo do PS com Bloco “é mais grave”, diz vice do PSD

Ainda assim, nem tudo foram críticas. O vice-presidente do PSD, Nuno Morais Sarmento, deu uma entrevista ao Público onde considera que o Governo tem lançado poeira sobre as pessoas quando faz acusações que não são verdadeiras, isto depois de “fazer caminho” com partidos que “negam a democracia”.

O vice-presidente do PSD disse também que, para si, “politicamente, é mais grave e tem mais consequências querer fazer caminho com um partido revolucionário que nega os princípios básicos da democracia do que aceitar que apoiem e votem no meu programa partidos que são partidos da extrema-direita”, referindo-se ao acordo do PS com o Bloco.

Manuela Ferreira Leite também referiu que existe uma diferença entre apoio parlamentar e apoiar uma coligação, da qual o Chega não faz parte, no seu espaço de comentário na TVI. A antiga líder social-democrata apontou que Rui Rio “teve muita coragem”, sabendo que iam surgir críticas, e que “fez aquilo que é a sobrevivência do partido como partido de poder”.

A antiga ministra das Finanças argumentou que António Costa “confinou o PSD a uma situação em que nunca mais poderia vir a exercer funções governativas”, apontando assim que a decisão tomada relativamente aos Açores “derrubou a estratégia” de Costa. Manuela Ferreira Leite garante que nunca votará no Chega, mas aponta que o deputado foi eleito, defendendo que “não temos autoridade moral para excluir André Ventura”.

Comissão Permanente diz que acordo não é nacional

Com toda a polémica que surgiu, a Comissão Permanente do PSD decidiu emitir um comunicado onde sublinha que o acordo alcançado com o Chega não é nacional. Reitera também que os objetivos acordados com o Chega nos Açores em nada “ferem a matriz social-democrata”. Já Rui Rio tem recorrido ao Twitter para se defender e ironizar sobre a situação.

O presidente do PSD começou por responder às críticas do PS, apontado que o partido “que fez um acordo escrito e se entregou ao BE e ao PC em muitas leis e em TODOS os OEs desde a Geringonça/2015, veste-se agora de virgem ofendida por não conseguir uma maioria nos Açores”. “O PS sabe que mente, quando agita acordos nacionais e coligações do PSD com o Chega”, escreveu, no início do mês.

Entretanto, Rio decidiu esclarecer também outra acusação de António Costa, reiterando que “Merkel recusou a Afd nos governos regionais, tal como o Chega que não vai para o governo dos Açores”. Rio usou o Twitter também para escrever sobre a sua posição: “De frouxo esquerdista, que até já concordou com o BE, passando por amigo do bloco central, esta semana estou fascista de perfil atlântico. É este o nível e a seriedade do debate político em Portugal. É este o problema de qualquer moderado que se situe verdadeiramente ao centro”.

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