O resultado eleitoral nos EUA e as investigações para desenvolver uma vacina contra a Covid-19 têm sido os dois grandes fatores a alimentar o otimismo das bolsas europeias e norte-americanas. Mas ambos estão envoltos em incerteza pelo que tem sido mais a volatilidade a marcar as negociações do que o otimismo.
“As recentes notícias da eficácia das vacinas contra a Covid foram sem dúvidas bem recebidas, mas sabemos de programas de inoculação ainda estão a meses de distância. Com o número de medidas a subir rapidamente e os sistemas de saúde a enfrentarem desafios crescentes, há uma perspetiva muito real de os estados terem de reintroduzir individualmente medidas de confinamento”, alerta James Knightley, chief international economist do ING.
As farmacêuticas têm anunciado resultados preliminares encorajadores. A vacina experimental desenvolvida pela Pfizer e Biontech apresentou uma eficácia de 95% nos resultados da fase três do ensaio clínico. Com os dados finais a apontarem para maior segurança da vacina, as duas empresas preparam-se para pedir a aprovação junto dos reguladores dentro de dias.
"Com o número de medidas a subir rapidamente e os sistemas de saúde a enfrentarem desafios crescentes, há uma perspetiva muito real de os estados terem de reintroduzir individualmente medidas de confinamento.”
O novo resultado (conhecido após dados preliminares divulgados a 9 de novembro) é superior a eficácia de 94,5% da vacina da Moderna anunciada esta semana. Também esta farmacêutica planeia pedir ao regulador dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês), uma autorização de uso de emergência nas próximas semanas.
As bolsas têm valorizado de forma expressiva, com o europeu Stoxx 600 ganha 14% desde o início de novembro, o que coloca o índice no caminho do seu melhor mês de sempre. No caso do português PSI-20, a valorização atual é de 11%, a mais elevada desde 2002. Nos EUA, a recuperação em abril, após o sell-off do mês anterior, ainda é superior, mas ainda assim o S&P 500 acumula uma subida de 10% graças às perspetiva de retoma da economia.
A vacina é a grande esperança para acabar com a pandemia e levar à recuperação da economia, mas — para já — essa ainda não é uma realidade e multiplicam-se os alertas que refreiam o otimismo. O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já disse que uma vacina “por si só não será suficiente” para derrotar a pandemia. E a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, avisou que “a recuperação poderá não ser linear, mas sim instável, num pára-arranca dependente do desenvolvimento da vacina“.
"Tal como a economia global recuperou rapidamente (apesar de parcialmente) do confinamento durante a primavera, esperamos que a atual fraqueza dê lugar a uma forte recuperação quando terminarem os confinamentos na Europa e a vacina ficar disponível.”
O Goldman Sachs reviu recentemente em baixa as projeções para economia global no último trimestre de 2020 e no primeiro de 2021 exatamente devido ao agravamento do número de casos tanto na Europa como nos EUA. O banco de investimento espera uma recessão mundial de 3,9% no total do ano, o que compara com 4% do consenso dos analistas consultados pela Bloomberg e com 4,4% do Fundo Monetário Internacional. Para 2021, o Goldman Sachs espera um crescimento de 6% (em comparação com 5,2% esperado pelos economistas e 5,2% pelo FMI.
“Tal como a economia global recuperou rapidamente (apesar de parcialmente) do confinamento durante a primavera, esperamos que a atual fraqueza dê lugar a uma forte recuperação quando terminarem os confinamentos na Europa e a vacina ficar disponível“, explica a equipa de economistas liderada por Jan Hatzius. “Assumindo que a FDA aprova pelo menos uma vacina em janeiro e que a imunização generalizada da população começa logo a seguir, como esperamos que aconteça, o crescimento deverá recuperar rapidamente no segundo trimestre”.
É esta expectativa de retoma que tem influenciado o otimismo dos investidores. No entanto, o cenário não é garantido e, até lá, os países continuam a braços com a pandemia. “A questão chave é como irão os políticos responder”, questiona Knightley sobre a segunda vaga do vírus, sublinhando a forte incerteza nas eleições dos EUA.
"A maioria dos investidores tem consciência do quão limitada fica a agenda de Biden em termos de trnasofrmações de políticas em vários setores se os democratas perderem controlo do Congresso.”
Dados oficiais dão a vitória a Joe Biden, mas o atual presidente norte-americano Donald Trump está a contestar o resultado. O magnata republicano diz que o processo foi “manipulado”, que observadores de voto não foram permitidos junto das urnas e que os votos foram tabulados por uma “empresa privada da esquerda radical, Dominion, com uma má reputação e equipamento mau que nem se qualificou para o Texas”.
A campanha de Trump avançou com ações judiciais para anular os resultados em vários estados, embora sem sucesso, até agora. Especialistas jurídicos consideram que o litígio tem poucas probabilidades de alterar o resultado da eleição, mas poderá criar um impasse no país até à tomada de posse marcada para dia 20 de janeiro. Além desta contestação, os democratas perderam representação no Congresso e ainda não são conhecidos os resultados finais do Senado que poderá ficar empatado entre os dois partidos.
“Se, em janeiro, se tornar claro que o eleitorado dos EUA despediu o presidente Trump, mas não o Partido Republicano, há uma grande importância histórica: nos últimos 50 anos, o controlo da Casa Branca só mudou uma vez sem ser acompanhado pelo controlo do Congresso (Reagan em 1980). E até agora, a maioria dos investidores tem consciência do quão limitada fica a agenda de Biden em termos de transformações de políticas em vários setores se os democratas perderem controlo do Congresso“, sublinha John Normand, head of Cross-Asset Fundamental Strategy da J.P. Morgan.