“Não se deve incentivar por decreto” o teletrabalho, devem ser empresas a definir, diz APED
Gonçalo Lobo Xavier salienta que as empresas "assumem que o teletrabalho foi importante", nomeadamente para "desmistificar", na medida em que antes da pandemia o trabalho remoto ainda era pouco claro.
O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) defendeu, em entrevista à Lusa, que “não se deve incentivar por decreto” o teletrabalho, mas que devem ser as empresas “a definir” o que é melhor. “Nós, empresas, é que sabemos o que é que é melhor para os nossos colaboradores e como é que devemos gerir as expectativas”, afirmou Gonçalo Lobo Xavier, quando questionado sobre o prolongamento do teletrabalho até final do ano.
“Não se deve incentivar desta forma, por decreto, o teletrabalho, devem ser as empresas a definir com os seus trabalhadores o que é que é melhor para os trabalhadores e o que é melhor para a empresa”, defendeu o diretor-geral da APED. E é “deste equilíbrio que as empresas vivem e não de um decreto ou de um despacho que incentive o teletrabalho por si só”, acrescentou.
Gonçalo Lobo Xavier salienta que as empresas “assumem que o teletrabalho foi importante”, nomeadamente para “desmistificar”, na medida em que antes da pandemia o trabalho remoto, “nalguns casos, ainda era visto de uma forma pouco clara”. Reconhecendo que “houve um ganho de causa com esta valorização do teletrabalho”, que permitiu perceber “que é possível fazer alguns tipos de reuniões, alguns tipos de trabalho sem implicar deslocações”, o diretor-geral da APED destacou o “ganho enorme” até para a sustentabilidade ambiental.
Mas “o ponto é que não se pode aplicar a mesma regra a todos os setores”, apontou. “Claro que há exceções e nós sabemos que há essas exceções, mas mesmo assim, do ponto de vista de sinal para a sociedade e para os todos os colaboradores, é um sinal excessivo porque, repare, o teletrabalho foi de facto, e é e continua a ser, uma ferramenta muito útil e fundamental para enfrentar este tipo de desafios”, disse Gonçalo Lobo Xavier.
No entanto, “ao se definir por decreto o teletrabalho até ao final do ano está-se a dar um sinal de que as coisas vão estar ainda muito complicadas do ponto de vista da circulação e da saúde pública, que esperemos que não seja assim”, prosseguiu. “Mas mais do que isso, está-se a dar um contributo e um sinal para que as pessoas não tenham o estímulo de voltar para os seus locais de trabalho, os seus escritórios, e isto não pode ser aplicável, e é essa a nossa questão, a todos os setores”, argumentou.
O teletrabalho “vai ficar como algo muito importante e que será utilizado seguramente por todos os setores”, mas o que acontece é que se continua a “insistir e, digamos assim, a incentivar de uma forma burocrática o teletrabalho”. Tal “é lesivo para as empresas e para a gestão das expectativas dos colaboradores” e “também funciona como algo que é impeditivo da reconstrução das equipas, do espírito de grupo, do espírito da empresa, da necessidade das pessoas interagir, de criarem networking“, salientou.
“Há claramente, desta forma, uma perda de produtividade em muitos casos e que não pode ser promovida desta forma”, reiterou o diretor-geral da APED. “Da mesma forma que o Governo decidiu e anunciou que o lay-off está até setembro, causou-nos alguma surpresa que nos diga já que o teletrabalho está até dezembro”, resumiu.
Diretor-geral da APED defende que sindicatos devem modernizar-se
O diretor-geral da APED defendeu, em entrevista à Lusa, que os sindicatos devem “modernizar-se” para que seja possível que todos consigam crescer para a retoma económica. “Acho que aos sindicatos não lhes resta outra solução senão modernizarem-se e abrirem as suas perspetivas e esquecer um bocadinho os seus bloqueios ideológicos para conseguimos todos sobreviver e crescer para a tal retoma económica”, afirmou Gonçalo Lobo Xavier.
“Não sei responder nem os grandes especialistas saberão quando é que teremos retoma económica, mas seguramente a retoma económica não se faz se não houver vontade de todos os intervenientes em melhorar as condições dos trabalhadores”, sublinhou o responsável.
Ou seja, “falo na melhoria do contrato coletivo de trabalho – que nós, aliás, agora estamos numa fase interessante outra vez da negociação com os sindicatos –, mas para isto é preciso criar condições para que as pessoas tenham mais formação, tenham melhor formação, estejam disponíveis para perceber que o mundo do trabalho está em constante mudança e sem essa mudança e sem essa aceitação por parte dos sindicatos não é possível fazer este crescimento”, defendeu.
Questionado sobre para quando a retoma económica, Gonçalo Lobo Xavier afirmou: “É uma pergunta de um milhão de euros”. Acima de tudo, disse, “tem que haver aqui uma vontade coletiva e uma vontade política de perceber que não há soluções únicas (…) e que tem de se saber conseguir definir prioridades”.
E essa definição de prioridades “não tem a ver apenas com injeções de capital nas empresas ou saber quem é que salvamos e quem é que não salvamos”, mas “é preciso ter a capacidade de perceber que temos que renovar a nossa economia, renovar as nossas empresas, dar condições financeiras para as empresas reinvestirem e investirem na formação dos seus colaboradores, serem capazes de explicar de mãos dadas com os sindicatos de que há uma necessidade de formação crescente para os colaboradores”, prosseguiu.
O setor da distribuição em Portugal conta com 130 mil pessoas, divididas entre 90 mil no retalho alimentar e 40 mil no retalho especializado. “Estas pessoas foram constantemente convidadas a se reinventar, a terem um contacto com novas realidades, com a digitalização, com a economia circular, tudo isto veio para ficar“, apontou. E as empresas, sobretudo as pequenas e médias empresas (PME), “precisam de capital para investir, de capital para sustentar as suas empresas, mas precisam de dar formação aos colaboradores para que eles percebam estas mudanças, e aqui “os sindicatos têm um papel importantíssimo”, reforçou.
“É definitivamente a altura de termos um movimento político em defesa do trabalho e da renovação das competências das pessoas e isto só se faz se as empresas e os colaboradores, e em concreto os sindicatos, estiverem juntos e a trabalharem para o mesmo lado”, defendeu Gonçalo Lobo Xavier. Sobre o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), a APED segue “toda a cartilha da CIP”, a qual subscreve.
“Temos que ser eficientes na alocação de recursos. Nós já falávamos que os próprios quadros comunitários de apoio eram as últimas hipóteses para o crescimento e o financiamento da economia e a criação de projetos mobilizadores para a economia”, agora “em cima das últimas oportunidades (…) temos a possibilidade de termos dentro do quadro europeu um mecanismo de financiamento sem paralelo para resolver problemas que são estruturais de Portugal”, considerou.
Esta é “mesmo a última” oportunidade, “não temos qualquer dúvida sobre isso e, por isso, é preciso dotar o país de infraestruturas que sejam eficazes, duradouras e que não passem apenas por salvar as empresas do Estado ou algumas estruturas do Estado quando são as empresas que investem melhor e que podem aproveitar e canalizar o conhecimento que existe em Portugal em inovação, transformar a inovação em riqueza, transformar tecnologia em mais postos de trabalho”, salientou.
Durante a entrevista, Gonçalo Lobo Xavier reiterou a necessidade de acelerar o desconfinamento nos espaços comerciais, salientando que são cumpridas todas as regras de segurança. Uma das medidas que defende é dobrar o número de pessoas por 100 metros quadrados (atualmente é de cinco), garantindo que é possível manter o nível de segurança sanitária e evitar aglomerados à porta das lojas. Com isso, aumenta-se o tráfego de pessoas na loja, mais fluidez e um equilíbrio entre saúde pública e economia, considerou.
Esta medida ajudaria à recuperação do setor do retalho especializado, defendeu. Quase três anos como diretor-geral da APED (11 de setembro), Gonçalo Lobo Xavier faz um balanço positivo, salientando que a distribuição é um setor “vibrante” e que tem “um potencial de crescimento e de modernização constante”.
“Não conheço um setor que seja mais impactante no dia-a-dia dos cidadãos como o retalho”, rematou. Depois de ter cancelado o congresso no ano passado, a APED vai fazer uma ‘Spring Conference’ (conferência de primavera) em 18 de maio, num evento digital, cujos detalhes irá revelar em breve.
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