Inflação, custo com habitação e clima. O que muda na estratégia do BCE

O BCE atualizou a sua estratégia: o objetivo para a taxa de inflação na Zona Euro passa a ser de 2%, o custo com a casa é incorporado no cálculo e o clima é visto como importante.

Mais simples e mais fácil de compreender pelo público. É esta a evolução da estratégia da política monetária do Banco Central Europeu (BCE), a entidade responsável pela estabilidade dos preços na Zona Euro, anunciada esta quinta-feira por Christine Lagarde, 18 anos depois da última revisão. A nova estratégia foi aprovada unanimemente por todos os governadores dos bancos centrais nacionais, incluindo Mário Centeno, e traz novidades já esperadas pelos especialistas, consolidando mudanças informais que ocorreram ao longo dos últimos anos, e uma resposta aos anseios dos cidadãos europeus.

As mudanças no enquadramento teórico a partir do qual o BCE vai tomar decisões sobre a política monetária na Zona Euro são acompanhadas por uma nova estratégia de comunicação. O habitual comunicado pós-reunião do conselho de governadores vai ser modificado para uma versão mais narrativa e com menos jargão económico, impedindo a comparação palavra a palavra que se fazia até aqui para detetar potenciais mudanças no discurso do BCE. A nova comunicação terá, inclusive, cartoons.

A próxima reunião em que estas mudanças vão começar a aplicar-se vai realizar-se daqui a duas semanas, a 22 de julho.

BCE quer inflação nos 2%

O BCE abandona a sua mítica expressão de uma inflação “abaixo, mas perto de 2%” como o seu objetivo de política monetária no médio prazo e passa a apontar diretamente para os 2%, tal como a Reserva Federal norte-americana faz há vários anos. Esta mudança permitirá ancorar melhor as expectativas de inflação, na opinião do Conselho do BCE, uma vez que deixa de haver dúvidas sobre qual o valor exato que o banco central pretende alcançar.

Lagarde explicou que esta meta é mais fácil de comunicar, dá mais margem de manobra e é aceite pela comunidade científica como significando estabilidade de preços numa economia saudável. Apesar de dar mais espaço ao BCE, a presidente afastou a ideia de que esta mudança está ligada com a vontade de adiar o aperto da política monetária, apesar do expectável aumento da taxa de inflação nos próximos meses devido a diversos fatores temporários.

Os 2% não são um teto

Além de mudar o objetivo central da sua estratégia, o BCE formalizou uma visão que já vinha sendo adotada informalmente desde que Mario Draghi ainda era presidente: “Este objetivo é simétrico, o que significa que os desvios negativos e positivos da inflação face ao objetivo são igualmente indesejáveis“, define a revisão da estratégia. Assim, “não há ambiguidade”, afirmou Lagarde, assinalou que os 2% “não são um teto”, o que na prática significa que a inflação pode superar a taxa dos 2% durante algum tempo.

“Quando a economia está a funcionar próximo do limite inferior das taxas de juro nominais, são necessárias medidas de política monetária particularmente vigorosas ou persistentes”, uma expressão repetida diversas vezes na conferência de imprensa de apresentação das mudanças, “para evitar que desvios negativos do objetivo para a inflação se enraízem”, explica o BCE, admitindo que “tal pode também implicar um período transitório, durante o qual a inflação se situe moderadamente acima do objetivo“.

Medição da inflação vai incorporar custos com a casa

Esta é uma resposta do BCE às preocupações levantadas pelos cidadãos nos debates que promoveu ao longo do último ano em que fomentou o debate sobre a sua estratégia: estes foram vocais sobre os crescentes custos com a habitação. O banco central decidiu agir com a incorporação de mais dados no cálculo da taxa de inflação. Contudo, não espere uma subida repentina da taxa: a inclusão demorará anos, o peso no cabaz não é superior a 15% e apenas contará o custo de comprar uma casa para habitação própria e não para investimento, o que dificultará a medição deste indicador com a regularidade necessária.

Além desse custo, contará também as despesas com a manutenção de uma casa, renovações e reparos, além das rendas (estas já contam atualmente para o cálculo a inflação). A presidente do BCE admitiu que, segundo os cálculos preliminares, não haverá uma diferença significativa com a incorporação desta componente na inflação. Este é um processo que demorará alguns anos e precisará também da concordância do Eurostat, sendo que a fórmula final de inclusão do preço das casas ainda está por decidir.

BCE reconhece “implicações profundas” das alterações climáticas

Lagarde prometeu e cumpriu: a estabilidade de preços continuará a ser o foco do BCE, mas a emergência climática deixará de ser ignorada e passará a fazer parte da análise feita pelos técnicos do banco central. “O Conselho do BCE reconheceu que as alterações climáticas têm implicações profundas para a estabilidade de preços e, em conformidade, comprometeu-se a seguir um plano de ação climática ambicioso”, lê-se no comunicado.

Há várias mudanças a caminho, desde logo a incorporação dos riscos climáticos na política monetária, aumentando a “capacidade analítica ao nível da modelização macroeconómica, da estatística e da política monetária no tocante às alterações climáticas”. Na mesma linha, o BCE passará a ter em consideração as alterações climáticas na avaliação de risco, no reconhecimento das garantias (colaterais) e nas compras de ativos ao setor empresarial, uma das ferramentas da política monetária.

“As alterações climáticas e a transição para uma economia mais sustentável afetam as perspetivas em termos de estabilidade de preços através do seu impacto em indicadores macroeconómicos como a inflação, o produto, o emprego, as taxas de juro, o investimento e a produtividade, a estabilidade financeira e a transmissão da política monetária“, explica o Conselho do BCE, alertando que esta transição verde afetará “o valor e o perfil de risco dos ativos no balanço do Eurosistema, conduzindo potencialmente a uma acumulação indesejável de riscos financeiros relacionados com o clima”.

(Notícia atualizada às 13h20 para clarificar as mudanças no cálculo da taxa de inflação)

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Inflação, custo com habitação e clima. O que muda na estratégia do BCE

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião