Dinheiro vai desaparecer? Futuro é cada vez mais cashless

  • Helena C. Peralta
  • 17 Agosto 2021

Usar cada vez menos numerário nos pagamentos e cada vez mais a tecnologia é uma tendência mundial. Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer, mas a mudança de hábitos já se instalou.

A tendência de substituir o dinheiro físico por outras formas de pagamentos que não envolvam notas ou moedas já se fazia sentir muito antes da pandemia de Covid-19, mas a crise sanitária acabou por acelerar o seu crescimento a níveis nunca antes atingidos em vários pontos do mundo. A chamada sociedade cashless instalou-se de vez.

Segundo uma análise da consultora inglesa Global Data, realizada antes da pandemia e divulgada em 2020, os países posicionados na linha da frente para liderarem a economia cashless na Europa, na próxima década, são a Finlândia, a Suécia e o Reino Unido. No resto do mundo os lugares cimeiros desta short list pertencem à China, Coreia do Sul e Austrália. A utilização de cartões pagamento, crédito ou débito, foram, durante bastante tempo, as formas mais comuns de pagamentos sem dinheiro físico, sendo que começaram a surgir mais intensamente nos últimos anos outras tecnologias que permitem transações sem numerário, como aplicações de telemóveis, mobile wallet apps, QR Codes, giftcards ou vouchers.

Os cartões contactless e os pagamentos via smartphone estão em crescimento acelerado desde 2020, já que, por questões de saúde pública, grande parte das pessoas optaram por fazer, por um lado, compras virtuais através da Internet, e, no caso de compras físicas, fazendo o pagamento através de tecnologias sem contacto.

Em 2019, o e-commmerce movimentou mais de 3,5 biliões de dólares (um pouco menos de 3 biliões de euros) em todo o globo, sendo que os smartphones e tablets começaram a ter o papel principal em todos estes movimentos digitais. Nesse ano, o montante de pagamentos feitos através de dispositivos móveis atingia os 1,48 biliões de dólares (cerca de 1,25 biliões de euros) e, segundo uma estimativa do relatório Mobile Payment Market, realizado pela Allied Market Research, este valor deverá ultrapassar os 3 biliões de dólares (2,5 biliões de euros) em 2027. Projeta-se igualmente que, já em 2023, cerca de 1,3 mil milhões de pessoas façam, pelo menos, um pagamento via dispositivo móvel.

Tendência dos mercados de pagamentos é o contactless e o móvel

Um outro estudo, realizado pela Juniper Research, consultora especialista em mercados digitais, estima que os pagamentos com tecnologia contactless tripliquem até 2024, atingindo valores próximos dos 6 biliões de dólares (cerca de 5 biliões de euros) em todo o mundo. Esta forma de pagamento, aliada às transações realizadas via dispositivos móveis, são as grandes tendências do mercado mundial, consolidadas em tempos de pandemia.

Segundo fonte oficial do Banco de Portugal, a crise sanitária teve algum impacto na utilização de numerário, associado ao receio de contágio por Covid-19 e à preferência pelo uso de instrumentos alternativos, sem contacto, no ponto de venda, quer por parte dos consumidores, quer por parte dos comerciantes.

Assim, em Portugal, ainda que a sociedade cashless não esteja verdadeiramente implantada, foram dados passos nesse sentido durante o ano passado, sendo que a utilização do cartão contactless aumentou de forma expressiva. No total de transações, as compras online representaram 13% dos pagamentos com cartão, e as compras realizadas com cartão contactless mais do que triplicaram o seu peso. No final de 2020, esta tecnologia obteve um crescimento de 163% no número de transações e 271% em valor transacionado, atingindo um peso de 32% no total de pagamentos com cartão.

Já em 2021, esse peso aumentou para 35%, o que ilustra bem a adoção deste novo método por parte dos utilizadores. Tal evolução foi também incentivada pela subida do limiar de realização de transações sem necessidade de introdução de PIN, que passou de 20 euros para 50 euros, tendo sido Portugal um dos primeiros países a fazê-lo.

A mesma fonte do Banco de Portugal assegura que é expectável que a maior utilização dos pagamentos eletrónicos, incluindo nos segmentos online e contactless, que se instalou no contexto pandémico, se mantenha. Com efeito, assistiu-se a uma alteração dos hábitos de pagamento dos portugueses. Alguns utilizadores tiveram o seu primeiro contacto com estas formas de pagamento e adotaram-nas de forma estável, tal como os comerciantes que aderiram mais ao contactless.

Contudo, o numerário é ainda o meio de pagamento mais utilizado no país, estando acima da média da Zona Euro neste indicador. Segundo dados de 2019, referentes ao último estudo disponível a nível europeu, nos pagamentos realizados nos pontos de venda físicos o numerário representava 81%, o que compara com 73% na área do euro. O facto de termos uma população mais envelhecida e menos confortável com a utilização de novas tecnologias é uma das explicações para o facto de o numerário ser ainda o meio preferencial.

A urgência na transformação dos pagamentos

“O mercado estava preparado para o aumento do online e do contactless e também para o aumento de utilização do homebanking e de apps. Na realidade, a maior parte dos países da Europa já tinha índices muito elevados de utilização destes meios de pagamento”, explica Bruno Valério, managing director da área de Serviços Financeiros da Accenture Portugal.

Para este responsável, a transformação dos pagamentos já era uma prioridade para as instituições financeiras, mas o salto digital provocado pela pandemia deu ainda maior relevo a essa prioridade. “Se pensarmos que, em alguns países, a pandemia significou, apenas no primeiro mês, cinco anos de progresso em direção a uma sociedade mais digital (como por exemplo, em Itália), percebemos o quão urgente é preparar as plataformas, os sistemas, os canais e os serviços para dar uma resposta efetiva às necessidades dos consumidores mais digitais”, explica.

Falando em concreto no mercado nacional, este especialista revela que “vivemos nos últimos anos um período de desalinhamento entre a procura e a oferta, pois já tínhamos estas soluções de pagamento no mercado português, mas por diversos motivos não eram utilizadas pelos consumidores, algo que se alterou significativamente no último ano e meio”, explica este especialista.

Quando falamos em pagamentos cashless, falamos em muitas e diversificadas formas de pagamento, todas elas que prescindem a presença de dinheiro físico, e que vão muito além dos cartões tradicionais e dos contactless como as carteiras digitais da Google Pay, da Apple Pay, da Paypal, e dos códigos QR, a forma mais utilizada na China dada a confiança neste sistema.

Convém aqui explicar a diferença entre cashless e contactless: embora ambas as formas de pagamento prescindam do uso de numerário na transação, a primeira inclui transferências online, pagamentos com cartão, digital wallets e pagamentos móveis, que podem ou não incluir contacto entre terminais, e na segunda, os pagamentos são feitos através de tecnologia NFC (Near Field Communication) ou RFID (Radio Frequency Identification) para completar um pagamento sem contacto entre cartões, dispositivos móveis e terminais.

Tecnologias aceleram mudança

“A inovação tecnológica é o driver de todas as mudanças que se têm registado na área dos pagamentos. Os consumidores estão dispostos a pagar com carteiras móveis como o Apple Pay, usando a impressão digital ou autenticação através de reconhecimento facial. Destacaria os algoritmos de inteligência artificial e de machine learning, potenciados por 5G, que hoje em dia são fundamentais na construção de modelos de controlo e prevenção de fraude e de categorização dos pagamentos”, explica Bruno Valério.

Para que esta transição digital aconteça e a sociedade cashless seja uma realidade, são utilizadas tecnologias que conferem confiança aos processos, como, por exemplo, o DLT/Blockchain, que permitirá um maior nível de disrupção através da segurança que trazem às operações; as arquiteturas API ready (open-banking), que estão na base dos novos serviços de iniciação de pagamentos e de agregação de contas; e a leitura de dados biométricos em que assentam grande parte dos mecanismos de segurança, como o 3DS.

São vários os exemplos da sua aplicação em Portugal. Um dos últimos projetos, divulgado recentemente, foi o do Metro do Porto e da SCTP que iniciaram um piloto que abrange a Linha Violeta do metro, que liga ao aeroporto, e a linha 500 dos autocarros. Através da tecnologia contactless, os utilizadores podem viajar sem necessidade de carregar o cartão Andante, e podem pagar a sua viagem aproximando o cartão de débito ou crédito nos validadores devidamente identificados. Isto facilita a utilização deste transporte, não sendo necessário ter dinheiro em numerário ou esperar na fila para adquirir bilhete. Esta ação foi desenvolvida em parceria pela Visa, o Andante, a Reduniq, a Card4B, a Cybersource e a Littlepay. O Porto junta-se assim a outras cidades europeias, como Londres, Madrid, Turim e Bona que utilizam este tipo de soluções contactless para facilitar a vida aos cidadãos.

O futuro será cada vez mais cashless

“A evolução para uma economia cada vez mais digital, a inovação permanente por parte dos vários agentes da indústria dos serviços financeiros, o uso da tecnologia e o nosso comportamento enquanto consumidores acentuará esta tendência. Ainda que existam realidades bastantes distintas sobre a relevância do dinheiro físico de acordo com as zonas do mundo, a tendência para o decréscimo no uso deste meio de pagamento é uma realidade”, assegura Bruno Valério.

Neste processo serão os consumidores a liderar o ritmo do processo de desuso do numerário e a sua substituição gradual por meios eletrónicos. Aliás, é precisamente a diferença de hábitos e de necessidades dos consumidores que justifica a diferença na utilização de notas e moedas entre os diferentes países e, mesmo numa sociedade cashless, o numerário poderá continuar a funcionar como um meio de pagamento de último recurso.

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