Da Alitalia à ITA, a história que alguns querem ver repetida na TAP

A nova empresa que substitui a Alitalia será mais pequena que a TAP, mas fechar uma companhia aérea e abrir outra ao lado também tem custos elevados para o Estado e o resultado é incerto.

No dia 10 de setembro, a Comissão Europeia emitiu um comunicado sobre a Alitalia que selou o já esperado destino da companhia aérea. “Na sequência da nossa investigação aprofundada, chegámos à conclusão que os dois financiamentos públicos no valor de 900 milhões de euros concedidos pela Itália à Alitalia deram à companhia uma vantagem indevida sobre os seus concorrentes, em violação das regras sobre ajudas de Estado da UE. Eles têm agora de ser devolvidos pela Alitalia para ajudar a repor um mercado justo na indústria de aviação europeia”. Substitua-se Itália por Portugal, Alitalia por TAP e 900 por 1.662 milhões e temos o texto que o Governo português, a companhia aérea e os seus sindicatos não querem ler quando sair a decisão final de Bruxelas sobre o plano de reestruturação.

Há, no entanto, quem defenda este desfecho. Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto, enviou uma carta à Comissão Europeia a pedir uma solução “a la Alitalia”, com o fecho da TAP e a abertura de uma nova companhia aérea, que asseguraria a conectividade aérea e a proteção das atividades económicas através da afetação dos ativos da TAP em matéria de slots livre de passivo e interesses noutras empresas (como as participações no Brasil). Companhia essa que funcionaria como plataforma de voos transatlânticos.

De facto, a Comissão Europeia não ditou o encerramento da Alitalia sem viabilizar a solução alternativa proposta pelo Governo liderado por Mario Draghi. No mesmo dia saiu outro comunicado, onde se diz que a Italia Trasporto Aereo (ITA), uma nova empresa entretanto criada, não era a sucessora económica da Alitalia e, portanto, não respondia pela ajuda ilegal recebida por esta última. Informava ainda que a injeção de 1,35 mil milhões na ITA era conforme com as condições de mercado, cumprindo as regras sobre auxílios públicos. Das cinzas da Alitalia, que ostentou a bandeira do país durante 75 anos e acumulou 11,4 mil milhões de euros em prejuízos desde o início do milénio, nasceu uma nova empresa.

Depois de anos de perdas e mais de 5 mil milhões de euros em dinheiro público, que não vai recuperar, a pandemia selou o destino da companhia de bandeira que em março já tinha salários em atraso. As dificuldades acabaram por obrigar o Governo a ceder às condições impostas por Margrethe Vestager, a comissária europeia da Concorrência, que tinha a Ryanair à perna: a nova empresa teria de se financiar em condições de mercado e pagar o valor de mercado pelos ativos da Alitalia, incluindo a marca.

A ITA, que começará a operar a 15 de outubro, é muito mais enxuta. Nasce com apenas 52 aeronaves, face às 113 que a Alitalia tinha no final de 2019, sendo que só sete são de longo curso. Com estes aviões vai servir 45 destinos e operar 61 rotas. Os slots, pelos quais o Governo italiano se bateu em Bruxelas, sofrem uma razia de 57% no Aeroporto de Fiumicino, em Roma, e um corte de 15% em Milão Linate. O número de trabalhadores tem uma redução drástica, de cerca de 10.500 para 2.800. A manutenção e o handling não migram para a nova empresa.

O plano de reestruturação da TAP apresentado pelo Governo, já em marcha apesar de aguardar ainda a aprovação de Bruxelas, prevê a redução de 108 para 88 aviões, e uma redução de 20% no número de trabalhadores, que já encolheu de 9.143 no início da pandemia para cerca de 6.800 no final de junho. Mesmo depois da reestruturação, a companhia aérea portuguesa será consideravelmente maior do que a ITA no primeiro ano.

O rompimento não se faz sem dor e muito dinheiro público. Além da injeção de 1,35 mil milhões na nova companhia, que terá de comprar as aeronaves e outros ativos à Alitalia, o Governo italiano liderado por Mario Draghi deverá criar um fundo público com 200 milhões de euros para reembolsar as passagens que não puderem ser transferidas para a ITA, devido ao emagrecimento do número de voos. A nova empresa, que pretende cortar entre 30% a 40% nos salários dos trabalhadores admitidos, está em guerra aberta com os sindicatos. Estes exigem ainda ao Governo o pagamento de uma compensação salarial até 2025. Até ao momento só conseguiram 12 meses.

Há também o custo emocional. “Alguém da minha idade viajou quase a vida inteira com a Alitalia, é como se fosse parte da família… uma parte um bocado cara, mas ainda assim família”, disse o primeiro-ministro italiano Mario Draghi, quando o projeto foi conhecido, em abril. Acrescentou que a nova versão da companhia aérea “terá de ser suportada pelas suas próprias asas, sem subsídios”.

A ITA ainda poderá adotar a marca Alitalia, que será posta à venda em leilão. Seja com o novo nome ou com a designação histórica, Alfredo Altavilla, ministro das Infraestruturas e Mobilidade Sustentável, prevê que em 2025 a empresa já tenha 105 aeronaves, esteja a voar para 74 destinos e a operar 89 rotas, empregando 9500 trabalhadores, quase tantos quantos tinha a companhia de bandeira. Isto se o tráfego aéreo recuperar como o esperado e o plano de negócios bater certo.

O caso da Swissair

Além da Alitalia, o presidente da Associação Comercial do Porto, referiu outros exemplos de companhias aéreas europeias que se encontravam, como a TAP, em situação continuada e estruturalmente deficitária e adotaram uma solução semelhante. Mencionou a Swissair e a Sabena, que já têm um histórico.

A Swissair, que chegou a ser conhecida como o “banco voador” pela sua solidez financeira, embarcou num agressivo programa de aquisições depois de um referendo em 1992 ter deixado o país fora do Espaço Económico Europeu, impedindo-a de apanhar passageiros ou terminar voos em aeroportos da União Europeia. A resposta foi a “Hunter Srategy”, um plano expansão desenhado pela consultora McKinsey, que a levou a entrar no capital de várias companhias, da Air Europe à LOT, passando pela Turkish Airlines.

O financiamento levantado para estes negócios deixaria a Swissair, entretando debaixo do SAirGroup, com uma alavancagem excessiva, que conduziria ao desastre. O UBS e o Credit Suisse deixaram de alimentar a tesouraria do grupo, que em outubro de 2001, antes ainda dos atentados de 11 de setembro, sucumbiu a anos consecutivos de má gestão, pondo até em causa a reputação do país. Só para os passageiros não ficarem em terra até haver uma alternativa, o Estado teve de emprestar 450 milhões de francos suíços.

O renascimento (o plano chamou-se Phoenix) foi feito a partir da Crossair, a empresa regional do grupo, que tinha entretanto ficado nas mãos dos dois bancos, que sofreram pesadas perdas. O então CEO do UBS, Marcel Ospel, chegaria a dizer que a falência da Swissair foi pior para a instituição financeira do que o 11 de setembro. O colapso do SAirGroup deixou um buraco de 17 mil milhões de francos suíços nos vários credores.

Foi criada uma nova companhia, a Swiss, detida pelo UBS e o Credit Suisse, o Estado federal e alguns cantões. Entre todos, tiveram de injetar mais de 3 mil milhões de francos suíços, dos quais 1,7 mil milhões dos contribuintes. A Swiss herdou grande parte dos trabalhadores da Swissair e os seus salários, 52 aviões e 82 rotas. Começou a operar a 31 de março de 2002. Os primeiros anos não correram bem e a empresa quase faliu. Foi necessário um plano de reestruturação que envolveu um corte de 33% no número de trabalhadores, frotas e rotas.

Os lucros só chegaram em 2006. No ano seguinte a Lufhansa, a mesma que o Governo português quer para a TAP, completou a aquisição daquela que é agora considerada a companhia de bandeira suíça por 217 milhões de euros. A pandemia também fez mossa na Swiss, que em 2020 voltou às ajudas de Estado: recebeu um empréstimo de emergência no valor de 1,5 mil milhões de francos suíços. Sem passar pela Comissão Europeia.

Diferenças entre a Alitalia e a TAP

Embora a TAP não esteja livre de vir a necessitar de uma solução semelhante à da Swissair ou da Alitalia — o Governo já admitiu que se Bruxelas chumbar o plano de restruturação terá de haver um plano B, sem dizer qual — há também diferenças relevantes em relação à companhia aérea italiana. Embora a decisão só tenha sido conhecida agora, ela nada tem a ver com a pandemia. O financiamento público de 900 milhões chumbado por Bruxelas data de 2017, quando foi totalmente renacionalizada. Além disso, não foi feita qualquer análise à capacidade da companhia aérea para reembolsar o empréstimo, nem apresentado um plano de reestruturação para a tornar economicamente viável.

A favor da TAP jogará o facto de outras companhias aéreas, como a Lufhtansa ou a Air France, terem também recorrido a auxílios de Estado por causa da covid-19, entretanto já aprovados, embora obrigando as empresas a alguns cortes. Com um “pormaior”, as duas eram rentáveis antes da pandemia.

Certa, só mesmo a incerteza que caracteriza o setor, um dos mais cíclicos da economia. Uma das mais populares citações sobre a indústria pertence a Adam Thomson, jogador de rugby da Nova Zelândia: “Uma recessão é quando é preciso apertar o cinto. Uma depressão é quando já não há cinto para apertar. Quando já não se tem as calças, é porque se está no negócio da aviação.”

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