Shipping: Prémio de risco adicional no seguro de guerra sobe 200 vezes

  • António Ferreira
  • 1 Março 2022

Face à tendência de endurecimento nos preços dos seguros, a classificação de risco da Rússia vigente na região da OCDE mantém-se inalterada há mais de seis anos, mesmo após revisão em janeiro último.

A Rússia representa cerca de 5% do comércio internacional (exportações) efetuado por via marítima e a Ucrânia ainda menos. Juntas, as tripulações dos dois países pesam 14,5% do emprego na marinha mercante mundial. Nos seguros (e no shipping), enquanto a incerteza e a definição perdurarem, os preços das apólices (e dos fretes) continuarão elevados nas próximas semanas, em particular para o transporte marítimo com destino (e origem) nos portos do Mar Negro e, por arrasto, no Báltico.

As taxas de seguro para navios que transitam pela zona do Mar Negro e águas contíguas, como por exemplo a passagem pelo Bósforo que dá acesso ao Mediterrâneo, dispararam na última semana (21 a 26 de fevereiro), com o prémio de risco adicional (no seguro de guerra) a subir 200 vezes. De um equivalente a 0,025% do custo normal do seguro, na segunda-feira, os valores indicativos para o adicional de risco (elevado) tocaram máximos que rondaram 5% no final da semana, avançou a agência Reuters, citando fontes do setor.

Os proprietários dos navios contratam seguros de guerra em base anual, ao qual é acrescentado um prémio adicional para atravessamento de zonas de risco elevado (as que constam da referida lista do Joint War Committee). Este prémio adicional é calculado em função do valor do navio, ou do casco, por períodos de sete dias.

O cenário de escalada nos preços do seguro já vinha sendo motivo de notificação preliminar no mercado Lloyd’s mesmo antes do início da ofensiva militar russa em território ucraniano. Conforme assinalou ECOseguros em artigo anterior, o Joint War Committee (organismo consultivo do mercado Lloyd’s e da International Underwriting Association) juntou, a 15 de fevereiro, o Mar Negro e o Mar de Azov à lista de regiões sobre as quais os contratos de seguro marítimo devem ser negociados caso a caso. O procedimento de revisão da matriz de risco adotado pelo comité parece ter sido justificado pela frequência crescente de exercícios militares da Rússia em toda a região durante a primeira metade de fevereiro.

Entretanto, desde o início da ofensiva militar russa em território ucraniano, a situação tem mudado com alguma rapidez, sobretudo após os anúncios das sanções internacionais visando a Rússia e entidades relacionadas. A relutância de subscrever risco para transporte marítimo naquela região é ainda maior à medida que são adotadas sanções mais específicas, como acontece por exemplo com as restrições impostas pelos EUA à russa Sovcomflot, que opera uma frota de 140 tankers (classe de navios para transporte de petróleo e GNL).

Segundo a plataforma Lloyd’s List, o custo do prémio adicional do risco de guerra para um petroleiro que, por estes dias, insista em realizar um frete no Mar do Negro pode elevar-se aos 300 mil dólares. Com a situação ainda muito fluida e considerando que muitas companhias de navegação já deixaram de negociar com clientes na Rússia, os P&I Clubs ocidentais mostram -se reticentes em assumir risco, evitando assim que no momento de cobrarem serviços (junto dos bancos) acabem surpreendidos e enredados em dificuldades de recebimento no quadro do regime de sanções.

À medida que o impacto das sanções for mais claro, os preços deverão estabilizar, sustentam outras fontes, mas outros efeitos perdurar, em particular sobre o capital humano. A Ucrânia e a Rússia juntas representam 14,5% do efetivo global da indústria de shipping, mais de 198 mil profissionais pela Rússia e cerca de 76,5 mil por parte da Ucrânia, segundo dados da Câmara Internacional do setor (ICS-International Chamber of Shipping).

Invasão da Ucrânia terá “forte impacto” na indústria seguradora

O conflito terá impacto forte na indústria global de seguros a curto e médio prazo, sobretudo após as sanções europeias contra a Rússia, antecipa a A.M. Best, agência de rating de referência no setor.

As sanções irão afetar “a capacidade das seguradoras e resseguradoras internacionais na subscrição de riscos (na Rússia) ou dificultar a gestão de sinistros nas apólices existentes,” disse Anna Sheremeteva, analista financeira da AM Best. As companhias que subscrevem “grandes riscos de energia e infraestruturas”, tais como seguradoras do mercado londrino e resseguradoras internacionais, “serão a mais afetadas”.

O comentário da AM Best refere ainda que “as sanções também irão afetar os balanços das seguradoras russas e as suas relações com parceiros internacionais,” acrescenta Todor Kitin, analista financeiro na agência.

Além disso, o impacto de um conflito à escala global pode aumentar o risco de ataque cibernético sistémico e causar perdas económicas e seguradas substanciais, pode ler-se no comentário intitulado Significant Implications of Ukraine Invasion on Global Insurance Industry, da Best. Impulsionados por perceção de risco acrescida, os preços no mercado cibernético subirão ainda mais, antevê.

Crédito exportação e classificação de risco Rússia

Um dos sistemas de classificação de risco que é referência para o comércio internacional, nomeadamente para programas de crédito à exportação com garantia pública ou apoio de Estado (incluindo seguros) é estabelecido pela OCDE, através do Arrangement on Officially Supported Export Credits. A última vez que a Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento atualizou o quadro de referência do Arrangement que permite fixar taxas mínimas do prémio de risco exportação foi em janeiro de 2022.

O Country Risk Assessment Model (CRAM), sistema e metodologia que abrange 201 países, cuja revisão e atualização costuma acontecer quatro vezes por ano, foi reclassificado cerca de um mês antes do assalto russo à Ucrânia, naturalmente sem considerar o cenário de guerra que sobreveio. Assim e até nova revisão do CRAM, a organização internacional mantém a Rússia com a mesma classificação (nível 4), inalterada desde janeiro de 2015 e igual à que é atualmente atribuída a países como África do Sul, Croácia, Sérvia, República Dominicana e Vietname.

Dia seguinte ao início da ofensiva militar russa na Ucrânia, a OCDE reiterou forte condenação à agressão da Rússia. Decidiu suspender o processo de adesão da Rússia à organização internacional, vai fechar a delegação em Moscovo, rever a cooperação e participação daquele país nos comités da Organização e prometeu reforçar medidas de apoio à Ucrânia.

Internamente, o Conselho da OCDE afirma que acolheu informações das diversas direções (incluindo assuntos financeiros e empresas), adiantando que vai avaliar as repercussões económicas e sociais da agressão em grande escala da Rússia à Ucrânia.

 

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