Exclusivo PlanAPP e Sérgio Figueiredo, descubra as diferenças

O Centro de Competências do Estado tem especialistas em políticas públicas, competências que o ex-jornalista não tem. E os salários também são diferentes.

Fernando Medina contratou Sérgio Figueiredo para ser consultor do Ministério das Finanças na “definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar, de avaliação e monitorização dessas políticas“. Uma contratação por 140 mil euros brutos por dois anos de contrato que surpreendeu por razões políticas – o ex-jornalista tinha contratado Medina para comentador da TVI e por suspeita de troca de favores – e por razões técnicas – há um centro especializado no Estado, já criado pelo Governo de António Costa, e com especialistas, para as funções que são agora atribuídas a Sérgio Figueiredo, um jornalista de carreira sem experiência em políticas públicas.

Uma comparação entre o contrato-minuta do Ministério das Finanças com Sérgio Figueiredo e a legislação, vária, que permitiu criar o centro de competências do Estado, o chamado PlanAPP, permite identificar o que está em causa nesta contratação e o que (não) acrescenta em relação aos serviços que já estão a ser prestados.

O Governo fez esta quinta-feira, pela primeira vez em público, a defesa implícita da contratação de Sérgio Figueiredo para consultor de políticas públicas das Finanças. “O centro de competências [PlanApp] ocupa-se de políticas públicas em geral, sobretudo na elaboração de documentos de estratégia e do Programa Nacional de Reformas. O PlanApp não esgota atividade noutras áreas governativas. Não há sobreposição de representantes nas mesmas áreas”, argumentou o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, depois da reunião do executivo desta quinta-feira.

Descubra as diferenças

O que faz o Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP), conforme se pode ler na sua página oficial?

  • Apoiar a formulação de políticas e o planeamento estratégico na definição das linhas estratégicas, das prioridades e dos objetivos das políticas públicas, assegurando a coerência entre os planos setoriais e os documentos de planeamento transversais.
  • Acompanhar a execução e avaliar a implementação das políticas públicas, dos instrumentos de planeamento e dos resultados obtidos.
  • Elaborar estudos prospetivos.

O decreto-lei 21/2021 de 15 de março que institui este centro é mais detalhado. “Pretende -se que este serviço reúna as competências para o planeamento, o desenho e inovação, a avaliação de impacto ex ante e ex post, a monitorização e a revisão de políticas públicas, reforçando -se, ainda, os meios de envolvimento, audição e contacto com interessados que são os destinatários finais das políticas públicas, bem como na formação e disseminação de boas práticas“.

O que fará Sérgio Figueiredo no Ministério das Finanças, segundo os termos da minuta de contrato entre o ex-diretor da TVI e o Ministério das Finanças?

  • Os trabalhos a realizar pelo segundo outorgante [Sérgio Figueiredo] consistem na preparação de estudos e propostas, nomeadamente a auscultação de stakeholders relevantes na economia portuguesa, no âmbito da definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar, de avaliação e monitorização dessas políticas, tendo presente as atribuições legalmente atribuídas ao Ministério das Finanças e, bem assim, o aconselhamento nos processos internos de tomada de decisão.

Portanto, perante esta comparação resumida, descubra as diferenças.

Um Estado, duas políticas salariais

Sérgio Figueiredo, já se sabe, vai ter um contrato de dois anos, sem exclusividade, com um salário de 139.990,00 euros, ou seja, cerca de 70 mil euros por ano, o que corresponde a pouco mais de 5.800,00 euros por mês (24 prestações iguais no período do contrato). Um salário que, ao contrário do que foi anunciado inicialmente, é superior ao salário base ilíquido do próprio Fernando Medina. Sérgio Figueiredo é licenciado em Economia pelo ISEG, foi diretor do Diário Económico, Jornal de Negócios e TVI e foi diretor-geral da Fundação EDP.

Atualmente, segundo a sua página de Linkedin, é freelancer especializado em sustentabilidade, e a Sábado revelou agora que Medina já tinha adjudicado um contrato por ajuste direto no valor de trinta mil euros à sociedade de Sérgio Figueiredo “Plataforma Coerente” em dezembro de 2020 (Figueiredo saiu da TVI em julho de 2020). No contexto da pandemia Covid-19, o serviço foi a elaboração e realização de uma campanha de televisão com diversas figuras públicas a pedir para os lisboetas comprarem em estabelecimentos locais.

O contrato agora revelado é assinado pela secretaria-geral do Ministério das Finanças com Sérgio Figueiredo e a fórmula de eventual resolução é remetida para as condições gerais deste tipo de acordo.

À frente do PlanAPP estão Paulo Areosa Feio (diretor desde agosto de 2021) e Susana Corvelo (subdiretora desde junho de 2022). Afinal, quanto ganha um diretor-geral e um subdiretor na Função Pública?

Para estas funções públicas, o currículo é obrigatoriamente publicado em Diário da República. Quer o diretor, quer a subdiretora-geral têm anos de experiência em avaliação de políticas públicas, em termos nacionais e internacionais.

  • Paulo Areosa Feio desempenhava, desde fevereiro de 2015, o cargo de Conselheiro Técnico na Delegação de Portugal junto da OCDE, “tendo acompanhado as áreas de Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais, Governança Pública, Política Regulatória, Políticas de Desenvolvimento Regional, Migrações, Alterações Climáticas, Ambiente e Saúde, bem como a Agência Internacional de Energia, a Agência de Energia Nuclear e o Fórum Internacional de Transportes“, lê-se no despacho da sua nomeação. Licenciado em Geografia (1990) e mestre em Geografia Humana e Planeamento Regional (1995) pela Universidade de Lisboa. Frequentou com aprovação o Curso Avançado em Gestão Pública do Instituto Nacional de Administração (2011), bem como seminários de especialização em avaliação de políticas públicas. Entre 2008 e 2013, foi Coordenador do Observatório do QREN, sendo responsável pela coordenação técnica da aplicação dos Fundos Estruturais e de Coesão em Portugal.
  • E a subdiretora geral, Susana Corvelo? Foi vice-presidente do conselho de administração da ADENE – Agência para a Energia (2020-2022) e anteriormente chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Energia (2019). Antes, tinha sido adjunta do ministro do Planeamento (2016-2018), corresponsável pelo Programa Nacional de Reformas e das Grandes Opções do Plano e representante nas atividades desenvolvidas junto da Comissão Europeia no âmbito do Semestre Europeu, junto da OCDE e ONU. Licenciada em Economia (1995) e mestre em Gestão e Estratégia Industrial (1998) pelo ISEG, frequentou o Doutoramento em Estudos Urbanos, possuindo diploma em Estudos Urbanos Avançados pela FCSH-UNL/ISCTE – IUL (2013). “Concluiu com distinção o Curso Avançado em Gestão Pública do Instituto Nacional de Administração (2011)”, lê-se na nota curricular anexa ao despacho com a sua nomeação.

O PlanAPP tem um número máximo de consultores definido por lei, fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela direção do PlanAPP (agora a Presidência de Conselho de Ministros) e pela área das… Finanças. O exercício de funções de consultor do PlanAPP é feito em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos, sem obrigação de exclusividade, mas com salvaguarda de conflitos de interesse. E qual é a sua remuneração?

As remunerações do consultor sénior, do consultor coordenador, do consultor principal e do consultor associado correspondem, respetivamente, aos níveis remuneratórios 79, 68, 47 e 39 da tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas“. No caso, um consultor sénior aufere um salário bruto de 4.498,95 €. De acordo com o decreto-lei, o PlanAPP só pode contratar três consultores seniores. Já no caso de consultor coordenador, o salário base ilíquido é de 3.977,83 € e o centro pode contratar quatro técnicos. Já o consultor principal aufere 2.883,49 €, enquanto o consultor associado tem um salário ilíquido de 2.466,60 €. Os chefes multidisciplinares do PlanAPP têm um salário equiparado a um diretor de serviços na Função Pública (a não ser que tenham salário superior por serem consultores seniores ou consultores coordenadores). Qual é o valor? 3.023,18 €. Mas estes consultores respondem ao diretor do centro de competências, e podem ser por ele exonerados a qualquer momento.

O PlanAPP nasceu há cerca de um ano e meio, mas já tem trabalho feito, entre relatórios mais profundos e outros, as notas rápidas de prospetiva (como este, aqui). Outro foi uma conferência, realizada em maio deste ano e aberta pela ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, em colaboração com a OCDE, sobre governança pública. “Esta iniciativa surge no âmbito do projeto Strengthening Decision-Making Processes and Policy Development in Portugal: Supporting PlanAPP as a core Competency Centre in the Public Administration (…) O projeto tem uma duração prevista de dez meses e estrutura-se em torno de quatro módulos que abordam diferentes temáticas da Governança Pública, nomeadamente “Políticas públicas baseadas na evidência, transparência e confiança” (módulo 1); “O modelo institucional de avaliação de políticas públicas” (módulo 2); “Apoiar a tomada de decisão política com análise prospetiva” (módulo 3) e “Uma visão estratégica para o PlanAPP: o seu papel no quadro de planeamento estratégico nacional, trabalho colaborativo e comunicação de políticas públicas”“, lê-se no site do centro de competências.

Uns dias antes, no âmbito da discussão da proposta de orçamento do Estado para 2022, Mariana Vieira da Silva tinha feito no Parlamento a defesa deste centro de competências e o seu reforço. Para quê? Esta “organização corresponde a uma visão do centro do Governo que simultaneamente se deve preocupar com a definição de políticas públicas mas também com o planeamento e com as capacidades de avaliação dessas mesmas políticas e, naturalmente, também com a administração pública enquanto corpo de trabalhadoras e trabalhadores que concretiza essas políticas públicas”.

Um dos objetivos enunciados no decreto-lei que criou este centro de competências é a criação de uma rede interna à Administração Pública com competências na área de avaliação de políticas públicas, com “os serviços das diversas áreas governativas no domínio das funções de planeamento estratégico e formulação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas”. A REPLAN – uma competência liderada pelo próprio diretor do centro – foi mesmo identificada por Paulo Areosa Feio numa entrevista ao Público, no início do ano.

O que está previsto é que cada ministro designe um serviço que é representado nessa rede. Esperamos que agora, a seguir à constituição do novo governo, isso possa vir a acontecer num prazo o mais curto que for possível. Isso permitirá identificar, em cada área governativa, quais são os nossos parceiros mais imediatos”, afirmou o diretor do PlanAPP. Só falta saber se Sérgio Figueiredo é o ‘serviço’ indicado pelo ministro das Finanças para colaborar com o centro de competências do Estado.

Para que serve, afinal, a Gpeari?

É que dentro do próprio Ministério das Finanças existe um departamento que tem a missão agora atribuída a Sérgio Figueiredo. A Gpeari (Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais), liderada pelo diretor-geral José de Azevedo Pereira por um período de cinco anos a partir de julho de 2019, tem diversas funções, entre as quais a de avaliação de políticas públicas dentro do próprio Ministério das Finanças. O nome, aliás, diz quase tudo. E os seguintes objetivos:

  • Garantir o apoio à formulação de políticas e ao planeamento estratégico e operacional, em articulação com a programação financeira.
  • Assegurar, diretamente ou sob sua coordenação, as relações internacionais.
  • Acompanhar e avaliar a execução de políticas, dos instrumentos de planeamento e os resultados dos sistemas de organização e gestão, em articulação com os demais serviços do Ministério

O contrato-minuta das Finanças com Sérgio Figueiredo refere explicitamente que o ex-jornalista fica obrigado a “recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo”. Será aos técnicos especializados deste gabinete, que depende diretamente do ministro Fernando Medina?

Os termos do contrato não são esclarecedores, mas o cotejo das funções de Figueiredo com as do diretor geral deste Gpeari acabam por se sobrepor dentro do próprio Ministério, o que sugere a extinção deste gabinete ou a mudança de líder a prazo (ou nenhuma das duas, o que indicia que a verdadeira função de Sérgio Figueiredo não será a avaliação de políticas públicas. Qual será, então? A comunicação política de Medina, a avaliação dos efeitos mediáticos de decisões políticas e as relações com imprensa, áreas de competência do ex-jornalista?

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