Tiques de maioria absoluta? Casos têm ciclo curto mas Costa “não fica bem na fotografia”
Politólogos ouvidos pelo ECO destacam a necessidade de escrutínio numa maioria absoluta e são cautelosos a avaliar sinais de alarme.
A maioria absoluta de António Costa ainda é “jovem”, mas teve já uma série de polémicas que têm merecido críticas da oposição, da esquerda à direita. O PSD tem mesmo acusado o PS de “tiques de absolutismo” e diz que estão a soar os alarmes de abuso da maioria absoluta, depois da mais recente celeuma à volta da contratação, entretanto renunciada, de Sérgio Figueiredo pelo Ministério das Finanças. Os politólogos ouvidos pelo ECO são, na maioria, cautelosos na avaliação destes casos, mas há elementos “altamente indesejáveis” que levantam dúvidas sobre a transparência. Polémicas podem prejudicar Costa, admitem politólogos, mas também beneficiar, já que mostram aos outros ministros que os “erros se pagam caros”.
Foi da boca de Paulo Rangel que saíram as acusações de “tiques de absolutismo”, mas já antes o PSD tinha usado uma expressão semelhante, quando se deu uma polémica com a ministra da Agricultura que, questionada sobre as críticas da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), sugeriu que se perguntasse à associação porque aconselhou que não se votasse no PS.
Agora, o PSD reforça que estão a surgir “sinais de alarme de abuso da maioria absoluta”. Além da situação com Sérgio Figueiredo, que foi muito criticada nomeadamente por este ter sido diretor da TVI quando Fernando Medina foi contratado como comentador, levantando suspeitas de troca de favores, bem como pelos contornos do contrato quando já existe um Centro de Competências do Estado com funções semelhantes, citou também outras situações que diz serem de alerta.
“O primeiro-ministro escolheu uma empresa para retaliar, por falar no aumento de custo de vida e energia”, apontou, referindo-se à Endesa, “depois também foi a decisão de Pedro Nuno Santos atuar sozinho numa matéria fundamental para o país sem conhecimento do Governo”, no dossier do aeroporto, bem como retaliações da ministra da Agricultura a “uma organização representativa dos agricultores [a CAP] porque não apoiou o PS”.
Para a politóloga Paula Espírito Santo, o caso mais recente não terá esse caráter, já que “é corrente que haja esse tipo de relação e também contratualização dada a experiência que as pessoas vão tendo”, como diz ao ECO. “Costuma ser prática corrente ir à comunicação social e ter ex-jornalistas como assessores”, sendo que “por si só não poderá levar a ilação que se trata de tique“, considera.
José Adelino Maltez também concede que “é rotina o papel da oposição”, sendo um “exercício literário fazer ligação entre a maioria absoluta e absolutismo”. “Faz parte do manual das repetições que irritam quem está no poder“, afiança, em declarações ao ECO.
"Independentemente da suspeição de troca de favores, devia haver pudor dadas as relações contratuais que houve no passado.”
Por outro lado, o politólogo e professor universitário André Freire vê este último caso como um sinal de alarme. “Vejo nesta maioria sinais, indicadores, indícios de um certo autismo político”, diz, ao ECO, apontando que “independentemente da suspeição de troca de favores, devia haver pudor dadas as relações contratuais que houve no passado e que já até deram origem a outro contrato da Câmara Municipal de Lisboa”.
Casos como este “levantam suspeições sobre a classe política no seu conjunto e não são boas para a democracia”, já que “levanta dúvidas sobre transparência e lisura de processos e eventual troca”. “Cria mau estar entre a população, é altamente indesejável”, acrescenta. Além disso, é também uma “desvalorização dos serviços da Administração Pública (AP), que têm departamentos que foram construídos, um deles durante o Governo do PS, exatamente para avaliar o desenho e implementação das políticas públicas”. Outro aspeto que deixa o cenário pior é que se vive “com uma inflação galopante e Medina vai fazer contratação de luxo”, quando tem quadros na AP, salienta.
Já sobre o papel de Costa nestas situações, André Freire reitera que o primeiro-ministro “também não fica bem nesta fotografia”. Tentou não ficar prejudicado ao “dizer que não é nada com ele, mas ninguém acredita”, aponta.
Quando foi questionado sobre a contratação de Sérgio Figueiredo, na semana passada, António Costa recusou comentar o caso e disse que “as regras dos gabinetes foram sempre assim”. “Cada um deve procurar fazer o que lhe compete. Giro o meu gabinete dele, não o dos outros membros do governo”, reiterou.
Paula Espírito Santo também sinaliza que as acusações e polémicas “têm sempre alguma influência e efeito, motivam a reflexão daqueles que vão tendo contacto com notícias” e também a que “haja algum tipo de tomada de posição”. Mesmo assim, os “efeitos em termos de imagem dependem da gestão dos acontecimentos”, salienta.
"Provavelmente o assunto acaba por ter ciclo de notícia curto, não há grande lastro em termos de efeitos negativos, mas é mais um exemplo de qualquer coisa que morre à nascença”
“Provavelmente o assunto acaba por ter ciclo de notícia curto, ainda por cima estamos em agosto”, aponta, pelo que “não há grande lastro em termos de efeitos negativos, mas é mais um exemplo de qualquer coisa que morre à nascença, que é julgada publicamente e acaba por ser logo atalhada e não ter desenvolvimentos”, tal como aconteceu com o aeroporto.
Adelino Maltez, por sua vez, diz que um caso como este “prejudica sempre, mas por outro lado beneficia, porque os erros que se cometem pagaram-se muito caro”. “Não há nenhum ministro que se vai lembrar de fazer alguma coisa da próxima vez, porque pode sofrer o que sofreu Medina”, aponta o politólogo. Isto já que “Costa quase convidou Figueiredo a demitir-se”, fazendo o balanço do caso, ao demarcar-se e não se remeter ao silêncio.
Comunicação pública “já é poder político que ajuda a contrabalançar” maioria
Com maioria absoluta, o Governo tem bastante espaço de manobra, mas ainda assim existem mecanismos que ajudam a controlar e fiscalizar o Executivo. Neste caso, “o escrutínio e o poder da opinião pública foram eficazes”, sinaliza Adelino Maltez.
Paula Espírito Santo explica que “no plano constitucional, um dos órgãos principais para a fiscalização da atividade no sentido de escrutínio e crítica é a Assembleia da República, no plano legislativo é a figura de Presidente da República na apreciação de diplomas, promulgação e vetos, e há também o Tribunal Constitucional”.
"As oposições têm o seu papel, que tem de ser muito mais ativo [numa maioria], provavelmente com debate que acaba por ter efeitos dissuasores de iniciativas que não são adequadas.”
Os órgãos “existem e estão ativos, mas havendo maioria, a força que a oposição tem no Parlamento, não sendo determinante para inverter o curso das decisões tomadas, será sempre pela via da negociação, dos consensos e esse aspeto tem de ser salvaguardado a bem da salubridade da democracia, governo e membros, porque o que é imposto não é saudável para a democracia”, expõe a politóloga.
Já as oposições “têm o seu papel, que tem de ser muito mais ativo [numa maioria], provavelmente com debate que acaba por ter efeitos, dissuasores de iniciativas que não são adequadas”. Além disso, “o poder da comunicação pública, do debate, da reflexão, já é poder político que ajuda a contrabalançar o poder legislativo e executivo dada a maioria absoluta que existe”, defende.
"Se todos os escrutínios conduzissem a este tipo de resultado, se assim fosse era bom, não havia tiques nenhuns de maioria absoluta.”
Adelino Maltez também salienta que “o escrutínio e o poder da opinião pública foram eficazes”, sendo que “se estivesse envolto em silêncio continuaria”. Considera ainda que “se todos os escrutínios conduzissem a este tipo de resultado, se assim fosse era bom, não havia tiques nenhuns de maioria absoluta”.
O politólogo André Freire destaca também que a “sociedade está mais madura e exigente, a oposição também funcionou e fez o seu papel”, sendo de salientar que “transversalmente ninguém apoiou isto”. O “clamor que se viu da oposição e pessoas da sociedade civil foi no sentido de indignação”, acrescenta.
Mesmo assim, esta não é a primeira maioria absoluta em Portugal e “sempre houve vivacidade da opinião contra o poder estabelecido”, aponta Adelino Maltez. Quando foi com José Sócrates, por exemplo, “não parece que a opinião pública alguma vez tenha sido meiga”, recorda, pelo que “não há nenhum tipo de novidade neste processo e isso é de salutar porque dá vivacidade e bom escrutínio. Dá bom poder”.
Paula Espírito Santo considera ainda que “nos tempos que correm, com media ativos, mais canais, mais diversidade de cobertura noticiosa, acaba por ajudar a coadjuvar os que fazem oposição política. É saudável democraticamente”. “Não são só poderes parlamentares ou da justiça, mas o conjunto inclui também o quarto poder, de ampliar muito mais os efeitos do que se considera que é excessivo no plano das decisões tomadas pelos Governo”, continua. “Temos de criar melhores condições para que escrutínio seja mais eficiente”, conclui.
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