Alojamento local rejeita culpa na falta de camas para estudantes
Oferta de camas para estudantes caiu 80% no espaço de um ano. Há quem culpe o alojamento local, mas setor diz que também perdeu casas.
O número de camas disponíveis para estudantes caiu 80% face a setembro do ano passado, de acordo com o Observatório do Alojamento Estudantil, e há quem aponte o dedo ao alojamento local, afirmando que os proprietários estão a passar para o arrendamento de curta duração. Contudo, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) rejeita esta ideia, alegando que o setor perder mais de 4.000 casas no último ano nas duas principais cidades do país. Qual é, afinal, o problema? A oferta por parte do Estado continua por aparecer e o setor privado fala nas dificuldades de licenciamento e nos elevados custos de construção. A isto somam-se ainda os nómadas digitais.
Os números do Observatório, elaborado pela startup Alfredo Real Estate Analytics e publicado pela Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), indicam que, em setembro de 2021, havia 9.884 anúncios de quartos para arrendar a estudantes em todo o país, 80% mais do que os 1.973 disponíveis este ano. Apesar de se observar uma diminuição da oferta em todo o país, a maior quebra pertence a Lisboa – de 3.706 para apenas 764 anúncios.
Em declarações ao Público, que avançou com estes dados, o presidente da Federação Académica de Lisboa, João Machado, afirma que, “provavelmente”, estes quartos estão a ser canalizados “para o alojamento local”. “Com o regresso em força do turismo, os proprietários fazem mais dinheiro a alugar à noite do que ao mês”, acrescenta o responsável. O mesmo afirma a diretora da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Diana Ralha: “Ou vão para os nómadas digitais ou para o alojamento local”.
Onde há mais dificuldade em encontrar camas [para estudantes] é em Lisboa e é precisamente em Lisboa onde a oferta de alojamento local mais diminuiu.
Mas o alojamento local recusa ter culpa na falta de camas para estudantes. Ao ECO, o presidente da ALEP afirma que “estão sempre a empurrar para o alojamento local coisas que não têm lógica”. E explica. “Onde há mais dificuldade em encontrar camas é em Lisboa e é precisamente em Lisboa onde a oferta de alojamento local mais diminuiu”, afirma Eduardo Miranda, corroborando estas afirmações com dados da própria associação.
De acordo com dados da ALEP conhecidos no início deste ano, durante a pandemia, mais de 2.000 anúncios de propriedades em Lisboa “desapareceram definitivamente das plataformas de reserva”, com a associação a afirmar que há cerca de 1.500 “registos fantasmas que nunca iniciaram atividade”. De todos os registos, “acima de 3.500 não estão ativos”.
Assim, o presidente da ALEP rejeita a ideia de que o alojamento local seja o culpado, até porque, recorda, em 2020 o setor assinou com o Governo um acordo para a disponibilização de imóveis de alojamento local para estudantes, que estavam vazios devido à falta de turistas. “Conseguimos um número razoável de alojamentos locais disponíveis para receber estudantes”, explica Eduardo Miranda. Contudo, “não houve procura por uma razão percetível: em 2021 a pandemia voltou em força e os alunos tiveram aulas online“.
Eduardo Miranda diz, assim, que o setor “já tentou ajudar”, mas sublinha que “o alojamento local nunca foi resposta para os estudantes”. Até porque, explica, “são segmentos diferentes, não é o mesmo tipo de oferta”, e um imóvel de alojamento local “não está preparado para receber estudantes”.
O mercado dos estrangeiros com residência temporária (…) acabou por atrair operadores de alojamento local e é possível que também tenha atraído proprietários que estavam no arrendamento a estudantes.
Ao ECO, Eduardo Miranda afirma que tanto o Porto como Lisboa perderam cerca de 2.000 casas de alojamento local durante a pandemia e que muitos desses proprietários passaram a dedicar-se aos estrangeiros, isto é, aos nómadas digitais. “O mercado dos estrangeiros com residência temporária cresceu muitíssimo em Lisboa, no Porto e em algumas zonas do Algarve. É um mercado muito interessante e muitos saíram do alojamento local”, diz.
O responsável explica ainda que o mercado dos nómadas digitais “cresceu muito e tem uma capacidade financeira completamente diferente”. “Acabou por atrair operadores de alojamento local e é possível que também tenha atraído proprietários que estavam no arrendamento a estudantes”.
Governo está a “tentar reforço de 72 milhões” para reforçar oferta
O Observatório do Alojamento Estudantil indica ainda que, para além da quebra na oferta, os preços dos quartos disponíveis dispararam 10%. Se em setembro de 2021 a média estava nos 268 euros por mês, este ano já está nos 294 euros. Mais uma vez, a subida acontece em todo o país, mas os maiores aumentos acontecem no Porto (250 euros para 324 euros), Lisboa (326 euros para 381 euros) e em Braga (200 euros para 250 euros).
De acordo com os dados citados pelo Público, estas rendas são bastante superiores ao apoio que o Estado dá aos estudantes que não conseguem vaga nas residências universitárias. A média nacional está nos 221,6 euros, mas o apoio do Governo pode chegar a um máximo de 288 euros por mês para quem estuda em Lisboa, Cascais ou Oeiras.
As residências públicas têm, atualmente, cerca de 15 mil camas. Desde 2018 que o Governo tem em curso o Plano Nacional de Alojamento Estudantil (PNAES), com o objetivo de criar mais 12 mil camas, através dos 375 milhões de euros que vêm do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Mas os resultados não estão à vista e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) não cedeu os números pedidos pelo ECO.
Vamos assinar 119 contratos. São 12 mil renovações de camas, algumas já existem, mas outras não estão em bom estado, juntam-se 3.700 novas camas em novas residências.
Em declarações à Renascença esta segunda-feira, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, reconheceu que as medidas no terreno para resolver este problema não são excelentes. “Vamos assinar 119 contratos. São 12 mil renovações de camas, algumas já existem, mas outras não estão em bom estado, juntam-se 3.700 novas camas em novas residências”, disse a governante.
“Sabemos que é pouco e estamos a tentar um reforço de cerca de 72 milhões de euros para suprir mais necessidades“, acrescentou a ministra, indicando que a maioria das camas serão criadas “na região Norte: Porto e Braga e Lisboa e Vale do Tejo”.
Setor privado representa um terço do número de camas
Na falta de camas de pequenos proprietários e do Estado, os estudantes têm sempre a hipótese de recorrer a uma residência estudantil privada. Aliás, tal como mostra um estudo publicado pela Cushman & Wakefield em agosto, o setor privado já representa cerca de um terço do número de camas do alojamento estudantil no país, com um total de cerca de 6.700 camas. Esta oferta é mais relevante nas principais cidades, representando cerca de 60% da oferta total, sendo que os provedores públicos e religiosos cobrem, principalmente, a restante área do país.
Apesar disso, a oferta no Porto e em Lisboa está muito abaixo da média europeia. Na capital, a oferta “é especialmente baixa, dada a dificuldade em identificar boas oportunidades de promoção a preços viáveis, uma vez que estas competem diretamente com o mercado residencial, cada vez mais caro”, refere a consultora. O investimento feito em residências estudantis representa cerca de 6% do total dos investimentos no primeiro trimestre.
Não é viável construir residências em terrenos bem localizados no centro da cidade, com aptidão para uso residencial.
Em declarações ao ECO, Ana Gomes, head of development & living da Cushman, explica que o cenário em Lisboa é, atualmente, mais grave do que no Porto. “Houve mais condições que contribuíram para o desenvolvimento de projetos no Porto. À volta das principais universidades em Lisboa, a oferta de terrenos não é muito grande e esses terrenos competem com o mercado residencial”, diz. “Não é viável construir residências em terrenos bem localizados no centro da cidade, com aptidão para uso residencial”, isto é, cuja rentabilidade seria maior.
Além disso, as residências estudantis “são produtos que demoram algum tempo a ser desenvolvidos, desde a compra do terreno, ao licenciamento e até à construção”, nota Ana Gomes, salientando que as demoras nos processos de licenciamento não ajudam.
Apesar disso, “o interesse por parte dos operadores privados é muito grande”, afirma. E, nos próximos três anos, vão surgir vários projetos de residências para estudantes na capital, “com rendas mais altas, mas com muito melhores condições”.
As rendas de uma residência estudantil privada podem variar entre os 500 e os 1.500 euros por mês, nota Ana Gomes, salientando, contudo, que em causa estão “produtos pensados para os estudantes”, com vários serviços e “boas condições”. Inicialmente encontravam-se muito estúdios com casa de banho e kitchenette privadas, mas hoje facilmente se partilha a kitchenette, o que acaba por aliviar a renda.
As rendas de uma residência privada são bastante mais altas, é um facto, mas a especialista da Cushman explica que, “para os promotores e investidores, todas as condições oferecidas aos estudantes têm de ser pagas” e isso tem ainda em conta os elevados custos de construção.
Se a tendência será de uma subida ou descida das rendas, Ana Gomes não tem uma resposta definida. “Naturalmente, à medida que os produtos vão entrando no mercado, vai haver maior competitividade. Mas, por outro lado, será difícil os preços baixarem porque o custo de construção é muito elevado, assim como os impostos. E isso reflete-se depois na operação”, explica.
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