Reindustrializar? Sem “cheque em branco” ou voltar ao passado

Líderes da Sonae Capital e da Corticeira Amorim arrefecem expectativas sobre a reindustrialização. Ex-ministro da Economia coloca fábricas portuguesas na mira do investimento estrangeiro.

O tema da reindustrialização tem ocupado o discurso político e empresarial na última década e voltou à ribalta depois de a pandemia de Covid-19 ter demonstrado a insuficiência da produção europeia. No entanto, os empresários e gestores portugueses aconselham prudência sobre esses planos, na prática e nas expectativas.

Ao CEO da Sonae Capital “não parece prudente para uma pequena economia aberta como a portuguesa que seja passado um cheque em branco” na reindustrialização. Miguel Gil Mata salvaguardou que “não há pessoa mais apaixonada” do que [ele] pela indústria, mas deixou este alerta no congresso Portugal Empresarial, organizado pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) na Exponor, em Matosinhos.

“Se queremos traçar uma estratégia para o país, não podemos disparar para todo o lado. O conceito da industrialização tout court pode ser pouco prudente. A estratégia é a arte de prescindir de boas escolhas. Temos de ser capazes de prescindir de algumas boas escolhas para focarmos as nossas energia e recursos em muito boas escolhas. Só assim podemos aspirar a ter alguma escala em algum nicho”, advertiu.

Se queremos traçar uma estratégia para o país, não podemos disparar para todo o lado. O conceito da industrialização ’tout court’ pode ser pouco prudente.

Miguel Gil Mata

CEO da Sonae Capital

Perante uma plateia composta por empresários, decisores e académicos, o líder da Sonae Capital, que no setor da engenharia industrial detém a histórica Adira, aconselhou “critério” na atração de capital e alertou que as empresas nacionais não vão conseguir “criar massa crítica em áreas extensas”. Temos de encontrar os clusters e os nichos certos”, acrescentou o gestor.

Miguel Gil Mata, António Rios Amorim e Pedro Siza Vieira durante o congresso Portugal Empresarial, em Matosinhos.AEP 16 setembro, 2022

António Rios Amorim, presidente da Corticeira Amorim, também não acredita que “a Europa vá substituir a China na indústria” nem está a ver o Velho Continente “com capacidade de fazer o que deixou de fazer”. Ainda assim, anuiu, “se calhar não se vai intensificar mais o deslocamento massivo do que resta da indústria na Europa”. É que, com a disrupção nas cadeias logísticas, os clientes querem manter uma parte do fornecimento em mercados de proximidade.

“A Europa subcontratou a energia aos russos, a indústria aos chineses e a defesa aos Estados Unidos. Vivemos no Clube Med nos últimos 20 anos”, gracejou o empresário nortenho. “Na indústria, tenho dificuldade em imaginar que a gente traga para a Europa o que fomos subcontratar à China”, insistiu, lembrando que a compra de produtos a países low cost foi um dos fatores que controlou a inflação nos últimos anos.

A demografia é outro “elemento crítico” nesta discussão, que também impede os países europeus de apostarem em indústrias que exijam mão-de-obra intensiva. “Estamos em pleno emprego na Europa, vamos passar para semana de quatro dias, o que não ajudará muito ao output das empresas. Mesmo com um gap de salário menor [do que foi no passado], a China tem a vantagem da rapidez com que as coisas se fazem. Já não é só o preço da mão-de-obra”, justificou.

Indústria na mira de investidores estrangeiros

Pedro Siza Vieira, que participou também neste debate, atestou, por outro lado, que “está e vai continuar a haver reindustrialização na Europa”, notando que “corresponde a uma escolha política e Portugal pode beneficiar disso, se jogar bem as suas cartas”. O ex-ministro da Economia recordou que já antes da pandemia havia uma “discussão séria” sobre este tema, mas a Covid evidenciou essa fragilidade estratégica na Europa e a guerra na Ucrânia confrontou-a “com a sua imensa dependência”.

O antecessor de António Costa Silva sublinha o crescimento do investimento estrangeiros em Portugal nas áreas industriais, logo a partir de 2018, quando “os responsáveis corporativos começaram a aperceber-se das tensões geopolíticas”. Em 2021, Portugal foi o 8º país da União Europeia que mais recebeu investimento direto estrangeiro e “a parte mais significativa foi na área industrial e das tecnologias de informação e comunicação”.

“Vontade política? Hoje nos EUA e na Europa recuperou-se a ideia de política industrial. Isso é muito evidente nos EUA e a Europa está a alterar a política de concorrência, está mais aberta no tema dos auxílios de Estado, a condicionar acesso de mercados terceiros em função do cumprimento de regras sociais e ambientais, ou a rever a sua posição sobre o controlo de empresas chinesas na Europa”, enumerou Siza Vieira.

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