BRANDS' ECO Renováveis podem travar subida de preços da eletricidade

  • BRANDS' ECO
  • 15 Novembro 2022

A propósito da Portugal Renewable Energy Summit 2022, que se realiza esta semana, o presidente da direção da APREN explica porque Portugal tem de intensificar a aposta nas energias renováveis

Hidrogénio verde, renováveis oceânicas, licenciamento, interligações, capacidade e acesso à rede são alguns dos temas a discutir esta semana em Lisboa, na conferência anual da Associação Portuguesa de Energias Renováveis APREN. Nesta entrevista, Pedro Amaral Jorge, o presidente da Direção fala-nos sobre este encontro e sobre o setor, com destaque para o notável desempenho de Portugal na descarbonização. Defende que a redução da tarifa de acesso às redes contribuirá, em 2023, para uma diminuição de cerca de 80% na fatura final dos consumidores domésticos e para uma redução de cerca de 35% na fatura final dos consumidores industriais e que é preciso ajudar as famílias e as empresas vulneráveis aos preços de energia nesta transição energética revendo, por exemplo, a fiscalidade e os apoios públicos.

Esta semana a APREN realiza a Portugal Renewable Energy Summit 2022. Qual foi o critério na escolha dos oradores convidados?

Já há alguns anos que a APREN realiza anualmente o Portugal Renewable Energy Summit, no qual juntamos grandes especialistas nas questões de energia, ao nível nacional e internacional. A escolha dos oradores passa pela sua relevância a nível nacional ou internacional. Temos contado sempre com as empresas mais relevantes para a transição energética e com as entidades públicas que apoiam o desenvolvimento do setor.

"A conferência da APREN já é um evento reconhecido pelos agentes do sector ao nível europeu e até mesmo internacional, e pelas suas congéneres europeias”

Ano após ano, a conferência tem conquistado o seu espaço como o grande fórum de discussão do setor analisando os temas chave da área da energia, desde os desafios tecnológicos, passando por questões técnicas e regulatórias, sem esquecer os aspetos de política energética.

Pelo palco do auditório da Culturgest passarão, como habitualmente, as vozes da expertise do setor. Este evento é amplamente reconhecido internacionalmente, tanto pelos agentes do setor como pelas suas congéneres europeias. Prova disso é a participação de entidades como a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, a Hydrogen Europe, a WindEurope, a SolarPower Europe, a RTE (Réseau de Transport d’Electricité de France) ou a AEE (associação eólica espanhola), entre outras importantes organizações internacionais. A maioria delas já o fazem há alguns anos.

O que se espera deste evento, e como poderá ajudar Portugal a passar dos planos à ação? Que tipo de obstáculo existe?

Ao longo da conferência vamos abordar o REPowerEU, ou seja, o plano europeu que visa acelerar a independência energética. Também analisaremos a “exceção ibérica” e o papel e do cap ibérico ao gás. Falaremos de hidrogénio verde, renováveis oceânicas, licenciamento, interligações, capacidade e acesso à rede. As comunidades de energia e autoconsumo individual e coletivo voltarão a estar em destaque.

Os planos existem – o REPowerEU é disso exemplo – mas o grande desafio é passar à ação, como indica o tema da conferência. É justamente esse debate que a APREN pretende realizar. Identificar os obstáculos que ainda impedem que a energia renovável possa fluir mais – aqui e além-fronteiras – e sinalizar oportunidades que possam ajudar a acelerar esta transição.

"é preciso ajudar as famílias e as empresas vulneráveis aos preços de energia nesta transição energética revendo, por exemplo, a fiscalidade e os apoios públicos”

O que a APREN defende como mais urgente a realizar em Portugal em prol da Transição Energética?

Penso que é preciso, por exemplo, reduzir burocracias e simplificar o licenciamento, bem como densificar territorialmente a rede elétrica de serviço público para receber toda a nova potência renovável.

Esses são apenas alguns exemplos da discussão que a conferência deste ano pretende alavancar. Ambicionamos sair da conferência com uma indicação mais clara do caminho que, em conjunto, devemos seguir em prol de uma transição energética sustentável.

Além disso, é preciso ajudar as famílias e as empresas vulneráveis aos preços de energia nesta transição energética revendo, por exemplo, a fiscalidade e os apoios públicos.

O mais urgente a realizar em Portugal em prol da Transição energética está assente em 4 eixos: (i) aumento da incorporação de energia renovável na produção de eletricidade e no consumo final de energia, de modo centralizado e distribuído em autoconsumo; (ii) definir uma politica de armazenamento de energia que seja complementar ao aumento da incorporação de renováveis no consumo; (iii) aumentar a capacidade e capilaridade da Rede Elétrica de Serviço Público, em terra e no mar; (iv) criar mecanismos de contratação de flexibilidade do consumo para toda a tipologia de consumidores de eletricidade.

Embora se registem progressos, em Portugal existe um subdimensionamento das entidades responsáveis pelos processos. Esta realidade já era patente e, com a atual guerra Rússia-Ucrânia, tornou-se mais óbvia.

Pedro Amaral Jorge, presidente da direção da APREN em entrevista para o Eco.

Qual o impacto da guerra Rússia-Ucrânia na Transição Energética da Europa e de Portugal?

A situação geopolítica atual gerada pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia trouxe para cima da mesa a questão da independência e da autonomia da Europa em termos energéticos e, por consequência, a necessidade de acelerar a transição energética.

O plano REPowerEU, lançado este ano, dá respaldo a essa urgência. A Comissão Europeia propõe aumentar a meta de consumo final de energia a partir de fontes renováveis, dos atuais 40%, previstos no pacote FIT for 55, para os 45% em 2030. Esta ambição global cria o enquadramento para outras iniciativas, nomeadamente a estratégia específica da União Europeia para a energia solar que pretende duplicar a capacidade instalada de energia fotovoltaica até 2025 e atingir 750 GW até 2030. O plano prevê também uma iniciativa para a produção de energia solar nos telhados. Já no que toca à energia eólica, em terra e no mar, a União Europeia quer subir dos 190 GW de potência instalados atualmente para 480 GW nos próximos oito anos.

No que diz respeito ao impacto nos preços da eletricidade, o prolongamento das tensões geopolíticas da guerra na Ucrânia explica a manutenção do nível anormalmente elevado dos preços de energia elétrica nos mercados grossistas, que deverão manter-se em 2023.

Qual é o valor deste mercado e como prevê a sua evolução?

As fontes de energia renovável (FER) geram poupanças médias anuais na fatura da eletricidade de até 50 euros para um consumidor doméstico e de até 4.500 euros para um consumidor não-doméstico, em média.

A cada ano que passa, este mercado torna-se maior em volume de negócios, em número de contratações de profissionais, em contribuição para o PIB e para a arrecadação fiscal, bem como em termos de contribuições para a segurança social e de – também muito importante —, ao contribuir, cada vez mais, para a redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), em particular as emissões de CO2.

De acordo com um estudo da Deloitte para a APREN, a contribuição das empresas de produção de eletricidade a partir de Fontes de Energia Renovável (FER) para o PIB Português foi de cerca de cerca de 18,5 mil milhões de euros no período 2016 – 2020. E, para termos uma ideia, até 2030 a projeção indica uma contribuição anual para o PIB de 12,8 mil milhões de euros, sendo que esta projeção não contempla ainda a revisão do PNEC.

O desempenho de Portugal na descarbonização tem sido notável entre os membros da União Europeia. Como a APREN tem acompanhado os seus associados nesta corrida?

A APREN representa 92% do total da potência instalada de fontes de produção de eletricidade renovável em Portugal, nas várias tecnologias.

Entre dia 1 de janeiro e 30 de setembro de 2022, Portugal foi o quarto país com maior incorporação renovável na geração de eletricidade, com 59,4%, ficando atrás da Noruega, Áustria e Dinamarca, que obtiveram 99,2%, 80,4% e 77,6%, respetivamente, a partir de fontes renováveis.

Este lugar do ranking deve orgulhar-nos, mas não deve fazer-nos esquecer o longo trilho que há ainda a percorrer para atingir a neutralidade carbónica, o que implica alcançar eletricidade 100% renovável, até 2050, alargando o esforço de descarbonização aos setores dos transportes e da indústria bem como aos edifícios.

É, por isso, crítico continuar a aposta que o país já iniciou nas renováveis e intensificá-la de forma que não se coloque em causa tudo o que foi conquistado até aqui. Isto requer envolvimento dos promotores, mas acima de tudo apoio da tutela, dos organismos públicos e dos municípios e, naturalmente, estabilidade regulatória.

Ao anunciar o OE, o Governo prometeu investir 2,1 mil milhões de euros em políticas e medidas de aceleração da transição energética durante o próximo ano. É suficiente?

A neutralidade carbónica implica um investimento adicional de dois mil milhões de euros por ano, face ao valor que já iria ser aplicado no sistema elétrico e descarbonização até 2050, de acordo com os cálculos iniciais, apresentados pelo Governo, aquando do anúncio do Roteiro para a Neutralidade Carbónica.

Todo o investimento colocado ao serviço da transição energética com vista a assegurar a independência e segurança energética será sempre bem-vindo.

É preciso ter em conta que este desígnio da neutralidade carbónica só é alcançado através da mobilização coletiva de todos os setores da sociedade, das famílias às empresas, passando também pelo Estado. Os incentivos estatais serão determinantes para alavancar as mudanças que há a operar complementando os investimentos de famílias e empresas que, face à conjuntura atual, terão mais dificuldades em disponibilizar verbas para esta transição verde, que é urgente não só por questões ambientais, mas também financeiras, económicas e geopolíticas.

Estamos no bom caminho para alcançar a neutralidade carbónica em 2050?

Atingir a neutralidade carbónica em Portugal em 2050 é um objetivo ambicioso, mas possível. Se acelerarmos a eletrificação direta e indireta dos consumos de energia, intensificarmos a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis e apostarmos no hidrogénio verde como opção para os transportes pesados e para os setores que não podem ser diretamente eletrificados, como alguma indústria pesada e complementarmos a captura de CO2 recorrendo a uma melhor gestão da floresta e plantação e desenvolvimento anual de um elevado numero de arvores e flora autóctones, teremos grandes hipóteses de alcançarmos a neutralidade carbónica e climática em Portugal em 2050.

Como podem as famílias portuguesas contribuir para esta meta?

Do ponto de vista doméstico poderá ser interessante criar incentivos e apoios para que as pessoas tenham capacidade de migrar as soluções energéticas para consumos elétricos renováveis, desde os eletrodomésticos que geram calor e frio até à mobilidade.

Deduções fiscais e apoios diretos à compra de equipamentos podem ser outras opções que se traduzem num ganho comum a toda a sociedade.

A eletrificação dos consumos domésticos é um passo importante, mas a grande transformação terá mesmo de ser assegurada pelos grandes projetos de grande escala.

"As tarifas de acesso à rede (…) voltam a cair em 2023, com benefícios para toda a tipologia de consumidores”

E como podem as renováveis contribuir para a qualidade de vida das famílias Portuguesas?

As energias renováveis vão ajudar a travar a subida abrupta dos preços da eletricidade em 2023 para consumidores e empresas, tendo em conta os valores anormalmente elevados que estão a ser registados nos diversos mercados grossistas europeus de eletricidade, entre os quais o ibérico.

A mais recente prova vem na proposta de Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2023, apresentada pela ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) a 17 de outubro, que demonstra de forma clara e inequívoca esse efeito positivo das energias renováveis nos preços da eletricidade.

As tarifas de acesso à rede, que já tinham registado, também devido às renováveis, uma quebra significativa em 2022, possibilitando a descida dos preços de eletricidade, voltam a cair em 2023, de forma ainda mais expressiva, com benefícios para toda a tipologia de consumidores.

"Esta é a prova de que as renováveis são um investimento absolutamente certeiro em Portugal.”

É possível prever até que ponto os preços da eletricidade poderão descer graças às renováveis?

Face aos preços observados em 2022, no mercado regulado, esta redução da tarifa de acesso às redes contribuirá, em 2023, para uma diminuição de cerca de 80% na fatura final dos consumidores domésticos e para uma redução de cerca de 35% na fatura final dos consumidores industriais.

Em 2023 os consumidores domésticos irão beneficiar de um sobreganho no montante de 3,3 mil milhões de euros de receitas do diferencial de custo da PRE (Produção em Regime Especial), maioritariamente renovável. Os valores pagos às empresas produtoras de eletricidade que vendem a Produção em Regime Especial (PRE) ao Comercializador de Último Recurso (CUR) são mais baixos do que os valores da componente de energia dos preços de eletricidade registados atualmente no mercado grossista, o que permite que a diferença seja entregue ao sistema, gerando um verdadeiro sobreganho proporcionado pelas renováveis. Também os consumidores industriais irão colher os benefícios da injeção de cerca de 2 mil milhões de euros nas tarifas de acesso às redes em 2023.

Ainda assim, em janeiro de 2023 os consumidores em baixa tensão normal, no mercado regulado, que serve de referência ao mercado liberalizado, vão observar um ligeiríssimo aumento médio de 1,1% em relação aos preços em vigor em dezembro de 2022. A variação média, face a 2022, é na ordem dos 2,8%, mas poderia ser muito superior face à atual conjuntura.

Esta é a prova de que as renováveis são um investimento absolutamente certeiro em Portugal. As tecnologias foram apoiadas na altura em que foi necessário, mas os proveitos dos últimos anos ultrapassam largamente os custos de anos anteriores e estão a ajudar a controlar os preços da eletricidade gerando um verdadeiro sobreganho económico e financeiro para o sistema, para os consumidores domésticos e empresariais e para o país.

Prémio APREN dá impulso à transição energética

No segundo dia da conferência PRES 2022, será revelado o trabalho vencedor do Prémio APREN.
A iniciativa distingue as melhores dissertações académicas de mestrado e doutoramento relacionadas com eletricidade de origem renovável. Assim, os trabalhos são um contributo, em si mesmo, para este processo de transição energética.

A escolha dos trabalhos tem em conta o potencial e relevância do tema, a robustez técnica e científica, mas também a qualidade do documento, a apresentação submetida e a apresentação oral a que serão submetidos os candidatos na fase final.

Ao apoiar as melhores teses em temas relevantes associados à descarbonização da economia, o Prémio APREN apoia diretamente alunos universitários interessados neste setor e ajuda na promoção de conhecimento na área das renováveis. Assume, assim, um importante papel na
promoção da transição energética.

Para a APREN, face aos desafios globais que se apresentam, é crucial promover e reconhecer a excelência da investigação. Por isso incentiva os estudantes universitários a mergulhar neste setor desafiante e, além de manter relações institucionais com várias universidades em Portugal, a associação aposta na celebração de dias temáticos, como o dia do vento, o dia da água, o dia do sol, entre outros, também em conjunto com as instituições de ensino. Nestes dias, a APREN, em conjunto com a Academia, promove a importância de cada uma das tecnologias renováveis, fazendo um ponto de situação e analisando as evoluções e os entraves.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Renováveis podem travar subida de preços da eletricidade

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião