Exclusivo Saiba onde é mais difícil (e mais fácil) comprar casa
Comprar casa com recurso ao crédito bancário está cada vez mais caro e mais difícil, particularmente no Algarve, onde a taxa de esforço dos algarvios é quase o dobro da média nacional.
O mercado imobiliário continua a fervilhar. Só este ano, o preço mediano das vendas por metro quadrado dos alojamentos familiares subiram 10% nos primeiros seis meses do ano (últimos dados conhecidos). Isto depois de em 2021 os preços terem escalado 14% e no ano anterior aumentado mais 7%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
No mesmo sentido tem caminhado a prestação da casa, como resultado da subida galopante das taxas de juro desde janeiro. No espaço de um ano, um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses com um spread de 1,1% passou de 304 euros para 465 euros por cada 100 mil euros de financiamento. Trata-se de um aumento de 53%.
E num passo bem mais moderado têm seguido os rendimentos das famílias que, de acordo com dados do INE compilados pelo ECO, cresceram, em média, 3,4% por ano entre 2020 e setembro deste ano.
O esforço financeiro das famílias para comprar casa recorrendo ao crédito habitação aumentou de uma forma avassaladora nos últimos dois anos.
O efeito imediato do comportamento de todas estas variáveis é refletido numa maior dificuldade na compra de casa por parte das famílias portuguesas. Porém, a “ginástica financeira” criada pelo aumento extraordinário do preço das casas e da prestação do crédito à habitação não tem o mesmo grau de esforço em todo o país. Há municípios que não só têm sentido mais a pressão dos preços do imobiliário como também os rendimentos das famílias continuam a ser dos mais baixos do país.
É o caso do Algarve. Além de entre 2019 e 2020 os preços das casas na região terem subido a um ritmo de 13% ao ano (o mesmo que o registado na área metropolitana de Lisboa e um ponto percentual acima do verificado a nível nacional), também hoje o rendimento bruto anual médio das famílias é ainda pouco superior a 16 mil euros, cerca de 15% abaixo da média do país.
Taxa de esforço do crédito à habitação dispara
Se em 2020 a taxa de esforço média de um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses e um spread de 1,1% pelo montante equivalente a 80% do valor médio de um imóvel de 100 metros quadrados era de 18%, hoje é de 32%.
Fonte: ECO e INE. Valores em percentagem. A taxa de esforço tem em conta um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses e um spread de 1,1% pelo montante equivalente a 80% do valor médio de um imóvel de 100 metros quadrados na região, e o rendimento bruto do agregado familiar.
Crescem as dificuldades em comprar casa no Algarve
Para os residentes no Algarve que hoje estejam à procura de casa na região, a compra de um imóvel é um desafio herculano. Se não vejamos. De acordo com dados do INE, o preço mediano das vendas por metro quadrado dos alojamentos familiares no Algarve no primeiro semestre é de 2.298 euros. Isto faz com que um imóvel no Algarve de 100 metros quadrados custe, em média, 230 mil euros.
Assumindo que uma família tem 20% para dar como entrada do imóvel (cerca de 46 mil euros) e recorre a um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses com um spread de 1,1%, terá de encaixar no seu orçamento uma prestação de 856 euros.
Face aos rendimentos brutos médios dos algarvios, isso traduz-se numa taxa de esforço de 59%, nove pontos percentuais acima da taxa de esforço máxima (50%) recomendada pelo Banco de Portugal para os bancos concederem crédito à habitação e bem acima dos 32% verificados a nível nacional. Destaque para os municípios de Loulé, Albufeira e Aljezur onde o peso da prestação da casa supera em 70% o rendimento bruto do agregado familiar.
Entre os municípios mais populosos do país, Viseu é onde é mais fácil comprar casa, apresentando uma taxa de esforço nos novos contratos de crédito à habitação de 19%.
Isto significa que, nas condições atuais do mercado, os algarvios têm de ter pelo menos 76 mil euros, cerca de um terço do valor médio de um imóvel na região, para alcançarem uma taxa de esforço de 50% e assim conseguirem contratualizar um crédito à habitação com uma instituição bancária – e isto se não tiverem qualquer outro crédito.
Todavia, tendo em conta a fasquia de uma taxa de esforço de 36% que o Governo definiu recentemente como ponto central para os bancos procederem a uma revisão dos créditos à habitação, os algarvios que pretendam comprar uma casa na sua região recorrendo ao crédito bancário têm de avançar com capitais próprios de quase 120 mil euros, cerca de 51% do valor do imóvel, para terem uma taxa de esforço abaixo do ponto de fricção. Há dois anos, precisavam de ter disponíveis apenas 18 mil euros para darem como entrada da nova casa, cerca de 10% do preço do imóvel.
Pressão aperta na zona da grande Lisboa
A subida acentuada dos preços dos imóveis e o encarecimento do crédito à habitação, que não tem sido acompanho pelo aumento dos rendimentos das famílias, deixa a adivinhar uma travagem a fundo na concessão de crédito para a compra de casa no próximo ano. É isso que os próprios bancos já estão a antecipar que venha a acontecer no último trimestre deste ano. E esse alerta não é só dado pelos números do Algarve.
Entre os 25 municípios com mais de 100 mil habitantes (que não inclui nenhum concelho algarvio), dois apresentam taxas de esforço acima dos 50%, considerando a aquisição de um imóvel com 100 metros quadrados com uma entrada de 20% do seu valor e o remanescente por via da contratualização de um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses com spread de 1,1%.
As lanternas vermelhas são os municípios de Lisboa e Cascais, que apresentam atualmente taxas de esforço de 56% e 55%, respetivamente. Há dois anos, considerando as condições de mercado da altura (preços da habitação, taxa de juro e rendimento das famílias), essa taxa era de 34% em Lisboa e 31% em Cascais.
A área metropolitana de Lisboa, a par do Algarve, é das regiões onde a pressão sobre a concessão de novos créditos à habitação é maior. Entre os dez municípios com as mais elevadas taxas de esforço, oito são da área metropolitana de Lisboa (incluindo a capital). Mas na região norte a realidade também não é diferente.
No Porto, a taxa de esforço para a aquisição de um imóvel nas mesmas condições é hoje de 42%, 18 pontos percentuais acima do verificado em 2020. E é em Vila Nova de Gaia e em Gondomar onde a taxa de esforço mais aumentou em termos relativos nos últimos dois anos: em Vila Nova de Gaia passou de 18% para 35% e em Gondomar de 19% para 35%.
No outro extremo, entre os municípios onde é mais fácil comprar casa está Viseu, com uma taxa de esforço nos novos contratos de crédito à habitação a situar-se nos 19%. Destaque ainda para Leiria, Santa Maria da Feira, Braga e Leiria, com a prestação da casa a situar-se abaixo dos 25% do rendimento bruto do agregado familiar.
É ainda de salientar que em termos médios, a taxa de esforço nos 25 municípios com mais de 100 mil habitantes aumentou em 1,8 vezes no espaço de dois anos, passando de 20% para 36%. É um crescimento extremamente acelerado. Basta ver que entre 2020 e 2021 a taxa de esforço para a aquisição de um imóvel nestes municípios teve um ligeiro aumento de apenas 1,75 pontos percentuais.
Onde é mais fácil comprar casa
Viseu e Leiria são as cidades que oferecem maiores facilidades para comprar casa. Nessas cidades, a prestação da casa pesa 19% e 25%, respetivamente, do rendimento bruto do agregado familiar. Entre os 25 municípios mais populosos, esse rácio ascende, em termos médios, a 36%.
Fonte: ECO e INE. Valores em euros. A prestação do crédito à habitação pressupõe como exemplo um contrato a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses e um spread de 1,1% pelo montante equivalente a 80% do valor médio de um imóvel de 100 metros quadrados no município.
Para ter crédito é preciso entrar com mais capital
Há dois anos, nenhum município entre os 25 mais populosos apresentava uma taxa de esforço acima dos 36%. Hoje, quase metade está nessa condição. Isto significa que passou a ser extremamente complicado um residente num destes municípios contratualizar um crédito à habitação para comprar casa na sua cidade. E para o conseguir tem de avançar com muito capitais próprios como entrada do imóvel.
Em Lisboa, por exemplo, se em 2020 necessitava de despender 58 mil euros, cerca de 17% do valor do imóvel que pretendia adquirir, para manter uma taxa de esforço abaixo de 36%, hoje necessita de 185 mil euros, cerca de 49% do valor do imóvel para não ultrapassar essa fasquia.
O mesmo sucede em Cascais. Atualmente, um cascalense que pretenda contrair um crédito à habitação para comprar uma casa no seu concelho terá de avançar com cerca de 163 mil euros de capitais próprios, o equivalente a 48% do valor do imóvel, para que a sua taxa de esforço fique abaixo dos 36%. Há dois anos necessitava de aplicar 47 mil euros das suas poupanças para atingir o mesmo objetivo.
Entre os 11 municípios que hoje apresentam uma taxa de esforço acima dos 36% na contratualização de novos créditos à habitação, o custo médio para baixarem essa fasquia é de 89 mil euros, o equivalente a 35% do preço do imóvel que pretendem comprar.
Estes números revelam que o esforço financeiro das famílias para comprar casa recorrendo ao crédito habitação aumentou de uma forma avassaladora nos últimos dois anos. Não apenas na prestação, por conta da subida das taxas de juro, mas também ao nível do investimento inicial, como resultado da subida do preço dos imóveis.
Preço a pagar para ter casa nova
As famílias que hoje procurem comprar casa com recurso ao crédito bancário nestes 11 municípios terão de despender entre 46 mil euros (Sintra) e 184 mil euros (Lisboa) de capitais próprios para baixarem a sua taxa de esforço para um nível inferior a 36%. Há dois anos, apenas quem comprasse casa em Lisboa, Cascais e Odivelas estava nesta condição.
Fonte: ECO e INE. O montante do capital de entrada tem em conta um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses e um spread de 1,1% do valor médio de um imóvel de 100 metros quadrados no município.
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