Prova dos 9: Contribuintes vão receber tudo o que injetaram no BES e Novobanco?

O Estado já injetou 8,3 mil milhões de euros no BES/Novobanco e a fatura ainda não fechou. Será que os contribuintes vão mesmo ser reembolsados até ao último euro, como diz o advogado Jorge Bleck?

Falar do BES e do Novobanco há muito que se tornou num desporto nacional. Faz sentido que Portugal (contribuintes, políticos, instituições) discutam a vida e o futuro do banco, na medida em que o Estado ainda tem a haver muitos milhões de euros que lá colocou nos últimos anos. Mas também é importante evitar as “demagogias” para onde o debate facilmente resvala em temas mais complexos. Um dos aspetos mais discutidos na praça pública tem exatamente a ver com o dinheiro injetado no BES/Novobanco: será que vai ser devolvido?

A afirmação

“Acredito [que o Estado vai acabar por beneficiar]. Ao contrário do que se diz, no final os contribuintes, o Estado, vão receber o que lá meteram. Tal como aconteceu com os CoCos [obrigações criadas para apoiar bancos na época da troika], é um grande negócio para o Estado. Os CoCos foram devolvidos ao Estado com 8%, 8% de juros! Pode argumentar: mas, entretanto, há um custo financeiro. Isso é verdade, mas é compensado com um juro mais alto.”

Jorge Bleck, advogado que assessorou o Banco de Portugal na resolução do BES e na venda do Novobanco, em entrevista ao jornal Público

Os factos

Os apoios públicos no processo do BES/Novobanco totalizam os 8,3 mil milhões de euros. Aquando da aplicação da medida de resolução ao BES, em agosto de 2014, foram injetados inicialmente 4,9 mil milhões no Novobanco, então banco de transição. Entretanto, após a venda ao fundo Lone Star, já foram injetados mais 3,4 mil milhões na instituição ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Foi o Fundo de Resolução quem injetou esse dinheiro, recorrendo a empréstimos do Tesouro público e também do sistema financeiro. Criado em 2012, o Fundo de Resolução é uma entidade pública que opera como braço de resolução do Banco de Portugal, é liderada pelo vice-governador Máximo dos Santos, sendo financiada pelos bancos através de contribuições regulares que vão servir reembolsar a dívida contraída, incluindo juros, nos próximos anos.

Inicialmente, o Fundo de Resolução previa devolver o dinheiro ao Estado até 2046, mas já refez as contas e antecipa agora que o reembolso se prolongue, pelo menos, até 2056. Num cenário mais pessimista, admite que esse prazo se possa estender até 2062, ou seja, daqui a 40 anos.

Atualmente, são 44 as instituições participantes do Fundo de Resolução. São cada vez menos os bancos a contribuírem. Em média, têm financiado o fundo com 250 milhões de euros por ano (tendo em conta a média dos últimos cinco anos).

Por outro lado, se o Estado emprestou o dinheiro ao Fundo de Resolução, também cobra juros e comissões. Até à data, já recebeu 714 milhões de euros do fundo liderado por Máximo dos Santos. A taxa de juro cobrada ao fundo é calculada a cada cinco anos em função da taxa das obrigações do Tesouro. A taxa foi revista no início deste ano para perto de 0%. Volta a ser atualizada a 1 de janeiro de 2027.

Se o caminho desde a resolução até aqui foi tortuoso e o Novobanco já lucra e vai deixar de depender do dinheiro do Fundo de Resolução, ainda há muitas nuvens de incerteza que pairam sobre qual será a fatura final deste processo.

Por exemplo, o Fundo de Resolução e o banco têm várias disputas no tribunal arbitral devido a pedidos ao abrigo do mecanismo de capital contingente que atingem os 400 milhões de euros.

O Novobanco também enfrenta litígios por causa da resolução e se as decisões do tribunal forem desfavoráveis é o Fundo de Resolução que tem de se chegar à frente. Ainda há a questão dos credores do BES, que poderão ter de ser ressarcidos pelo Fundo de Resolução.

Existe ainda o mecanismo de capital adicional (backstop), no valor de 1,6 mil milhões de euros, que pode ser acionado se tudo correr mal (algo que não está no horizonte, mas é um risco a ter em conta, e identificado especificamente pela Comissão Europeia no momento da venda ao Lone Star) e obrigar o Estado a injetar mais dinheiro para assegurar a viabilidade do Novobanco.

Ou seja, a resolução do BES em 2014, a retransmissão de uma série de obrigações do Novobanco para o banco mau em 2015, a venda ao fundo Lone Star: todo o processo é uma fonte de incerteza que torna difícil assegurar que a conta final está fechada.

No meio disto tudo, há ainda interpretações opostas sobre o que representam as contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução. O Tribunal de Contas diz que é dinheiro público, na medida em que é uma receita que entra para uma entidade pública. Ou seja, é um imposto. O Fundo de Resolução reclama que as contribuições dos bancos só existem para a finalidade de suportar os encargos com a resolução.

A prova dos 9

Se atendermos à interpretação do Tribunal de Contas, os contribuintes não vão ser reembolsados, pois as contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução representam impostos. Logo, por mais contribuições que os bancos façam, estamos a falar de dinheiro dos contribuintes que está a ser usado para pagar a dívida ao Estado. O Fundo de Resolução tem como principal ativo uma participação de 19,3% no banco e até esta tem vindo a diminuir por causa dos créditos fiscais. Neste caso, Jorge Bleck não tem razão quando afirma que “no final os contribuintes, o Estado, vão receber o que lá meteram”.

Mas, excluindo a interpretação do Tribunal de Contas desta análise, o mínimo que se pode dizer é que a afirmação de que os contribuintes vão receber tudo o que meteram no BEs/Novobanco, ao olhar para um prazo tão alargado de 30 a 40 anos, é otimista e arriscada.

Se as contribuições dos bancos se mantiverem estáveis (média de 250 milhões de euros por ano), o Fundo de Resolução receberá 8,5 mil milhões de euros dos bancos até 2056, dinheiro que será suficiente, à partida, para devolver os empréstimos ao Estado usados no processo do BES/Novobanco, como acredita o advogado da VdA que esteve na resolução do BES e na venda do Novobanco.

Ainda que o Novobanco esteja hoje numa situação de normalidade e o pior já tenha passado, e o Fundo de Resolução está também a gerar saldos positivos, ainda existe uma conjuntura de enorme incerteza que paira sobre o banco, com muitos factos ainda por apurar, muitos litígios em tribunal, sendo difícil de assegurar que não vão existir mais encargos para o Fundo de Resolução com este processo.

O que se perspetiva é que, mesmo que a fatura suba, os bancos continuem a financiar o Fundo de Resolução durante mais tempo do que está previsto, até que o último euro seja finalmente devolvido ao erário público. Daí que o fundo argumente que “o impacto da utilização do Fundo de Resolução nas contas públicas seja neutro, a prazo, independentemente dos montantes desembolsados pelo Fundo de Resolução”. Se não for em 2056, será em 2062. Se não for em 2062, será depois. Deste ponto de vista, Jorge Bleck tem razão.

Porém, importa ainda ter uma perspetiva mais geral sobre o tema, algo que não estará a ser considerado pelo advogado da VdA. Embora as contribuições dos bancos estejam a servir para pagar as injeções no Novobanco e se destinem agora a pagar as dívidas relacionadas com este processo, o Fundo de Resolução foi criado com o objetivo de suportar processos de resolução em todo o sistema (e não apenas o processo BES/Novobanco).

É certo que setor está hoje numa posição muito mais favorável do que nas anteriores crises, que, de alguma forma, também ajudaram a atirar o BPN, o BPP, o BES e o Banif para fora do mercado. Os rácios de malparado estão em mínimos, há novas regras de supervisão mais apertadas e o Banco Central Europeu (BCE) assume hoje uma inspeção mais intrusiva dos bancos, o que faz crer que bancos à beira da falência são coisa do passado. Contudo, ninguém pode dizer que nas próximas quatro décadas o Fundo de Resolução não tenha de fazer uma nova intervenção numa instituição em dificuldades (os últimos 20 anos dizem o contrário). Isso implicaria um novo esforço financeiro da parte do Estado, dada a situação desequilibrada em que a entidade de resolução vai manter nas próximas décadas. Isto tornaria os reembolsos dos empréstimos do BES/Novobanco ao Estado mais incertos.

Não se pode dizer que os empréstimos deixariam de ser devolvidos na totalidade, na verdade é isso que se perspetiva. Mas, tendo em conta todos os riscos, e o facto de as contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução servirem para pagar outras faturas, afirmar, neste momento, que “no final os contribuintes, o Estado, vão receber o que lá meteram” é, no mínimo, arriscado.

 

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