Governo com pouca abertura para acolher propostas da oposição para mudar Sifide

Objetivo da proposta do Executivo é evitar as situações de abuso, mas manter o benefício. Governo comprometeu-se a reforçar a capacidade da ANI para que possa desenvolver as suas competências.

O Governo demonstrou pouca abertura para acolher as propostas de alteração da oposição ao sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (Sifide) que apresentou esta quarta-feira no Parlamento e que deverá ser votado na sexta. Sublinhando que o grande objetivo é evitar as situações de abuso, também se comprometeu em reforçar a capacidade da Agência Nacional de Inovação (ANI) para que possa desenvolver as suas competências.

“Quanto às melhorias ao diploma em sede de especialidade, ao Governo compete respeitar a prerrogativa soberana da Assembleia da República de trabalhar sobre os diplomas que o Governo lhe propõe. Mas o nosso objetivo é manter o incentivo, a promoção, evitando as situações de abuso”, disse claramente o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, escusando-se a responder em concreto às várias questões que a oposição lhe colocou sobre se o Executivo estaria ou não disposto a acolher as sugestões feitas.

Também o secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, Mário Filipe Campolargo, fez questão de sublinhar que o objetivo da proposta de lei é “corrigir o regime em aspetos para evitar abusos” e recordou que “a ANI já reconheceu alguma incapacidade de fazer o controlo e isso vai ser reforçado com algumas medidas do Governo”. No entanto, não avançou qualquer detalhe sobre que medidas poderiam ser essas.

No relatório da Inspeção Geral de Finanças (IGF), entregue esta semana no Parlamento, são apontadas duras críticas à ANI. Perante os abusos verificados ao nível da via indireta do Sifide, a IGF sugere “a implementação de uma estratégia de análise de risco e o desenvolvimento de metodologias de controlo da execução dos projetos de I&D por parte da ANI”, já que é a entidade que certifica a idoneidade dos projetos em que é possível investir e dos fundos através dos quais esse investimento pode ser feito.

“O controlo realizado pela ANI evidencia várias insuficiências: ausência de estratégia de análise de risco, inexistência de procedimentos de controlo da execução dos projetos de I&D, não realização de auditorias tecnológicas desde 2015, desatualização do manual de aprovação de candidaturas, ausência de manual relativo ao processo de reconhecimento da idoneidade para a prática de atividades de I&D e insuficiente fundamentação da elegibilidade das despesas”, lê-se no relatório.

“Em nossa opinião, os montantes envolvidos e a especificidade e complexidade das atividades de I&D justificam uma estrutura de análise mais robusta e sustentada por parte da ANI”, refere ainda o documento.

Num debate onde a deputada do PAN, Inês Sousa Real, apresentou uma proposta para aumentar a transparência e os reportes em termos de política fiscal – que o PSD disse acompanhar, mas que o Governo contrapõe dizendo que “Portugal é um exemplo de transparência ao nível dos benefícios fiscais” – uma boa parte da discussão passou pela ala esquerda do hemiciclo a defender a necessidade de aumentar o investimento público em I&D e a criticar o uso de benefícios fiscais como o único instrumento de promoção da política industrial, colando a política do PS à “proposta eleitoral da Iniciativa Liberal”, ironizou Mariana Mortágua.

Em termos de propostas, o PSD acusou o Executivo de “ficar a meio caminho para acabar com os abusos fiscais” e de não responder a muitas das questões apontadas pela IGF. A proposta do Executivo “acaba com o duplo benefício para as empresas dedicadas a I&D, mas nas relações especiais, remetendo para o Código de IRC, não fica claro o que acontece com os grupos de empresas”, exemplificou o deputado social-democrata Hugo Carneiro. “Pode dar-se o caso de uma empresa investir num fundo de investimento, que por sua vez vai investir noutra empresa que pertence ao grupo da primeira empresa que vai beneficiar também do regime de Sifide. Isto é planeamento fiscal, no limite até planeamento fiscal agressivo e não é corrigido na proposta do Governo”, criticou.

Reconhecendo que pessoalmente tem reservas em manter a via indireta do Sifide, questionou o Governo se estaria “disponível para limitar até 49,99% os investimentos que um participante pode fazer num fundo de investimento”. Porquê? “Podemos ter fundos verticalizados dominados completamente por uma única grande empresa que vai fazer planeamento fiscal agressivo”, explicou Hugo Carneiro.

O deputado apontou ainda outra situação que o novo regime proposto pelo Executivo também não resolve. “O Governo obriga a que 90% das captações de investimento sejam realizadas efetivamente, deixando 10% para comissões de gestão. Isso vai originar a constituição artificial de fundos por grandes empresas eliminando as outras”, alertou, antes de perguntar se o Governo tem “disponibilidade para corrigir alguma coisa”.

A resposta veio da bancada ao lado, com o deputado socialista Carlos Pereira a desafiá-lo para que as sugestões do PSD baixassem à especialidade para serem discutidas, mas o partido não aceitou. Hugo Carneiro retorquiu que o PSD tem direito a ver as suas propostas discutidas e votadas no hemiciclo e recordou o caso das propostas sobre as comissões bancárias que “baixaram à comissão, mas afinal não houve vontade nenhuma de consenso”.

Já o PCP criticou o facto de o Governo “alargar a borla fiscal à conceção económica de produtos de 110 para 120%” e alargar a possibilidade de dedução de despesas no âmbito do Sifide de oito para 12 anos, quando não possam ser deduzidas no mesmo período”. Duarte Alves acusou o Executivo de repetir “a receita do OE2023 no qual foi alargado o reporte dos prejuízos fiscais”. Para o deputado comunista esta é “mais uma agradável prenda aos fundos de capital de risco” e, apesar de ter questionado por duas vezes sobre qual a razão subjacente a esta opção, ficou sem resposta.

A deputada Bloco de Esquerda recordou a divergência no seio do Governo relativamente a esta matéria já que o ministro da Economia, na discussão da proposta do Orçamento do Estado para 2023, tinha anunciado o fim dos incentivos para o investimento em I&D por via indireta, mas foi desmentido duas semanas depois pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no Parlamento, durante a audição no âmbito da discussão do OE 2023 na especialidade.

“O ministro da Economia disse que ia acabar com o investimento indireto, mas depois vem o lobby dos fundos de capital de risco e o Governo recua”, atirou Mariana Mortágua. Os 3.500 milhões de euros gastos em Sifide, “cujos resultados não estão avaliados e que levantam enormes dúvidas sobre fraude e abusos que tem a ver com fundos de capital de risco” são razões, no entender de Mariana Mortágua, para acabar com a via indireta do regime.

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