Progressão na carreira dos médicos é mais lenta do que a dos professores

Progressão na carreira dos médicos é, geralmente, mais lenta do que a dos docentes. Mas um médico chega mais rápido ao quadro do que um professor. Topo da carreira é difícil para ambos.

Os salários e a progressão na carreira são algumas das “bandeiras” mais reivindicadas pelos trabalhadores da Educação e da Saúde. Ambos integram as carreiras especiais da Função Pública, mas o que os separa? Geralmente, a progressão na carreira dos médicos é mais lenta do que a dos professores, mas a subida representa um aumento maior do rendimento. Comparando as duas carreiras, conclui-se que um médico entra no quadro mais rápido do que um professor e que, para ambos, é difícil chegar ao topo.

De acordo com a legislação em vigor, e que o Governo já propôs alterar, qualquer professor que celebre três contratos anuais (de setembro a agosto) com horário completo (22 horas letivas) e sem interrupções tem direito a vinculação, isto apesar de em Portugal demorar, em média, 16 anos a entrar nos quadros.

A carreira de docente tem dez escalões, com uma duração média de quatro anos cada um (exceto o quinto escalão, que tem a duração de dois anos). Para efeitos de progressão entre escalões, os professores têm de cumprir três requisitos: tempo de serviço nesse escalão, um conjunto de horas de formação e uma avaliação mínima de “Bom”.

Mas só 25% de todos os professores avaliados em cada escola podem ter “Muito Bom” ou “Excelente”, independentemente do escalão. Este modelo de avaliação de professores já foi criticado pela OCDE por contar apenas para a progressão na carreira, não contribuindo para a melhoria do sistema de ensino, segundo a organização. Esta é, aliás, a base de uma das reivindicações dos sindicatos dos professores, que pedem o fim das quotas na avaliação.

Ao ECO, o secretário-geral adjunto da Fenprof, José Feliciano Costa, explica que, ao longo da carreira e em qualquer escalão, um professor pode pedir para concorrer ao “Excelente”, o que acelera ligeiramente a progressão, dado que lhe confere “uma bonificação de um ano em cada escalão”, ou de “Muito Bom”, que permite a redução de seis meses.

Além disso, José Feliciano Costa sublinha que, a partir do momento em que um professor é vinculado, é reposicionado na tabela remuneratória equivalente aos anos de serviço acumulados, ainda que lhe seja “descontado” o tempo de serviço em que as carreiras estiveram congeladas. “A um professor com 16 anos de serviço, tiram-lhe os cerca de seis anos não recuperados, por isso, fica com dez e vai para o início do terceiro escalão”, exemplifica.

Apesar de a progressão entre escalões da carreira dos professores seguir, grosso modo, os mesmos critérios, há algumas diferenças entre cada patamar. “[Para progredir] do 2.º para o 3.º escalão da carreira, é preciso também ter aulas observadas”, sublinha o secretário-geral adjunto da Fenprof. Já para aceder ao 5.º e 7.º escalões, há quotas e vagas.“Os que não conseguirem ter, através das quotas, um ‘Muito Bom” ou ‘Excelente’ [que lhes permite o acesso direto a estes escalões], ficam à espera de vaga”, sendo que as vagas para entrada no 5.º escalão é de 50% e as do 7.º de 33% dos docentes em condições de transitar para cada um desses escalões (o Governo propôs rever estas percentagens para 75% e 58%, respetivamente). Quem não passar, é bonificado num ponto e aguarda para o ano seguinte.

Este modelo de avaliação tem sido criticado pelos docentes, que reivindicam que é bastante difícil chegar ao topo da carreira. Em média, os professores precisam de 39 anos e ter 62 anos de idade para chegar ao último escalão da carreira, segundo os dados divulgados na semana passada pelo Conselho Nacional de Educação.

E os médicos?

Uma das grandes diferenças na carreira médica é que é a única carreira da Função Pública que tem 40 horas de trabalho semanal. Depois de acabarem o curso, os médicos são colocados no internato de formação geral (IFG) durante um ano e progridem, depois, para o internato de formação específica (IFE), que tem dois escalões: o índice 90, que corresponde aos três primeiros anos do IFE, cujo rendimento mensal bruto é de 1.894,64 euros, isto é, 10,93 euros por hora; e o índice 95, que são dois anos e passam a ganhar 1.999,90 euros brutos (11,54 euros/hora).

Contas feitas, os médicos demoram, pelo menos, seis anos a tirar a especialidade e a poder, efetivamente, entrar para a carreira. A carreira médica é composta por três categorias: assistente, assistente graduado e assistente graduado sénior.

Depois de concluída a especialidade, os médicos necessitam de esperar pela abertura de um concurso público para se candidatarem à categoria de assistente, onde são colocados com base no exame que fizeram no internato. Contudo, estes concursos não são imediatos. “Por exemplo, alguém que faz exame em março normalmente é colocado em julho ou agosto. Já alguém que faz exame em outubro é colocado em dezembro ou janeiro”, explica Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). Nesta categoria, a remuneração mensal bruta é de 2.834,86 euros, isto é, 16,35 euros por hora.

As regras ditam que a progressão da carreira médica seja feita de forma horizontal, isto é, entre escalões da mesma categoria, bem como de forma vertical (entre categorias). À semelhança do que acontece para a generalidade da Função Pública, a avaliação dos médicos para efeito de subida de escalões é da responsabilidade do Siadap, contudo, não tem sido feita. “Todo o sistema de avaliação para progressão tem estado congelado nos últimos 20 anos”, adianta Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que acrescenta que esta é “uma das causas para os médicos saírem do público para o privado”.

Esta situação é também assinalada pela presidente da FNAM, que diz que “o modelo atual é inaplicável aos médicos”. Assim, os médicos apenas conseguem progredir de categoria, sendo que para concorrerem a assistente graduado têm de ter, pelo menos, cinco anos de experiência como assistentes. “Normalmente, nunca é cinco anos, acaba por ser sete e oito anos depois, porque há atrasos”, afiança o secretário-geral do SIM, que refere que, no seu caso particular, só o conseguiu “12 anos depois”.

Já a presidente da FNAM revela, que, no respetivo caso, concorreu para assistente graduada quando era assistente há cinco anos e meio, no verão de 2017. Contudo, o exame só foi realizado “em setembro/outubro de 2020” e os resultados só foram divulgados em abril de 2021. “Para se ver a injustiça, no fundo, eu passei para a categoria seguinte quando era especialista há nove anos”, conta Joana Bordalo e Sá.

Também aqui são abertas vagas e os médicos são avaliados tendo por base uma parte curricular e uma parte prática, que inclui uma discussão de casos clínicos de doentes. “Serão cerca de 60% das pessoas que iniciam a carreira que atingem esse patamar”, afirma Jorge Roque da Cunha. Nesta categoria, a remuneração mensal bruta é de 3.313,24 euros, isto é, 19,11 euros por hora.

Segue-se, posteriormente, a categoria de assistente graduado sénior, à qual os médicos podem concorrem se tiverem, pelo menos, três anos como assistentes graduados. Esta categoria é destinada a médicos que queiram desempenhar funções de chefia de serviço e de direção, e, ao contrário das restantes, a questão das vagas é um dos principais entraves à progressão. “As vagas que abrem a nível nacional são muito poucas”, sublinha a presidente da FNAM, referindo que abrem cerca de “200 a 300 vagas por ano”, pelo que “parte dos médicos nunca chega a assistente graduado sénior”.

Além das vagas, Joana Bordalo e Sá aponta ainda como entraves alguns requisitos para concorrer, nomeadamente, distinções que “habitualmente são atribuídas pelas chefias”, pertencer a comissões ou apresentar um plano de gestão “que é muito valorizado”. “Há coisas que dependem do médico, mas há outras que não dependem. É um processo muito pouco transparente”, atira.

“Quem chega ao topo da carreira são cerca de um décimo daqueles que iniciam a carreira”, afirma o secretário-geral do SIM, acrescentando que, “nos últimos dez anos, formaram-se cerca de 1.400 assistentes graduados sénior e foram abertas 300 vagas para os substituir”. Nesta categoria, a remuneração mensal brutal é de 4.163,69 euros, isto é, 24,02 euros por hora.

O que separa as duas carreiras?

Assim, a progressão na carreira dos médicos é, geralmente, mais lenta do que a dos professores, apesar de a subida representar um aumento maior do rendimento. Comparando as duas carreiras, é ainda possível concluir que um médico entra mais rápido no quadro do que um professor e, para ambos, é difícil chegar ao topo.

“Diria que o nosso sistema [de progressão dos médicos], tendo as categorias, tem a possibilidade de subir de forma mais relevante. A grande questão é que os concursos são poucos, demoram muito tempo e, na questão dos graduados séniores, têm poucas vagas“, assinala Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública e antigo presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), sublinhando que, no que toca a avaliação, “na generalidade não tem avaliação do Siadap”, apesar de “algumas exceções”.

Já Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública, diz que prefere não comparar as duas carreiras, mas realça que o problema de falta de professores no ensino público e de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) confirma que “os sistemas de avaliação, na prática, foram implementados como filtros de não progressão” nas carreiras e que é preciso resolver o “problema” da falta de “captação e retenção de quadros qualificados no Estado”.

Para o efeito, o também investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) considera que é preciso “criar incentivos” para a capitar estes profissionais, bem como “condições” para que fiquem. “Houve uma convicção que se instalou, seja apor negligência ou intenção, que o caminho era desvalorizar o custo da mão-de-obra qualificada. Não vai dar bom resultado”, conclui.

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