Construtoras recorrem a fábricas e tecnologia para produzir mais casas
Falta de mão-de-obra força empresas portuguesas de construção a inovar para responder ao “desígnio” nacional da habitação. Conheça as propostas do setor para o novo pacote legislativo do Governo.
A indústria da construção e do imobiliário garante que as empresas portuguesas têm “capacidade técnica para dar resposta” à prioridade nacional em que se tornou o tema da habitação. No entanto, Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, alerta o Governo que precisa de desenhar e cumprir com “rigor” o planeamento, calendarização e contratualização das obras, “a par da disponibilização dos meios financeiros necessários para a concretização no terreno dos objetivos para este grande desígnio que é a habitação”.
Em declarações ao ECO, o líder do setor em Portugal admite que a falta de mão-de-obra tem sido “um dos principais constrangimentos” à atividade, mas contrapõe que está “em curso uma verdadeira revolução digital e tecnológica”. Um “investimento considerável em inovação”, através de novos processos construtivos, utilização de novos materiais, construção off-site e modular, que poderá atenuar essa falta de trabalhadores e fazer crescer o parque habitacional no país, acredita o responsável da AICCOPN — desde que esse esforço seja “intensificado e alargado” às micro e PME que constituem a base do tecido empresarial.
“Se falarmos de construção tradicional, a capacidade [do cluster da construção em Portugal] é limitada, porque não existe mão-de-obra qualificada e o prazo de formação de nova mão-de-obra não é curto, por isso já não responderia à necessidade imediata. Contudo, se houver uma aposta em construção industrializada, nesse caso existe capacidade de responder a esta prioridade política”, concorda António Carlos Rodrigues, presidente executivo do Grupo Casais.
O líder da construtora minhota, que opera em 17 países e nos últimos anos tem vindo a apostar em métodos de construção híbrida, com a pré-fabricação de materiais e componentes e a produção de infraestruturas para montar depois no estaleiro de obras, sublinha ao ECO que o pacote que será aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministro deve incluir precisamente apoios diretos e indiretos à construção industrializada. “De forma direta, incentivos ao investimento industrial; e de forma indireta através dos impostos e benefícios nesta categoria de habitação”, detalha o empresário.
Se falarmos de construção tradicional, a capacidade [do cluster da construção em Portugal] é limitada, porque não existe mão-de-obra qualificada. (…) Contudo, se houver uma aposta em construção industrializada, nesse caso existe capacidade de responder a esta prioridade política.
De Braga para Aveiro, repete-se a preocupação com “a falta de mão-de-obra qualificada, especialmente em algumas áreas do país, [que] pode ser um obstáculo para atender à procura crescente de imóveis” – tal como a escassez de terrenos disponíveis para a construção de novos edifícios pode ser um desafio para a expansão da oferta de habitação”, sustenta o presidente da Civilria. Artur Varum indica ao ECO que o recurso a pré-fabricação, assim como a implementação de tecnologias avançadas, como a construção de casas inteligentes e a utilização de fontes renováveis de energia, pode contribuir para a evolução da oferta de habitação no país.
Em termos operacionais, o responsável do grupo que retomou o projeto imobiliário de 100 milhões no Nó de Francos, no Porto, atesta que o setor da construção em Portugal tem uma “base sólida de empresas e profissionais qualificados, além de uma longa tradição na construção de imóveis de qualidade”. E do ponto de vista financeiro, completa Artur Varum, depois de uma fase de “grande sinistralidade” na crise anterior, iniciada em 2008, considera que nos anos mais recentes esta indústria tem demonstrado “uma boa saúde financeira”, capaz de responder agora à prioridade traçada pelo Executivo liderado por António Costa.
Um mês e meio depois de aproveitar a remodelação governamental, com a demissão de Pedro Nuno Santos, para criar o Ministério da Habitação e após o Programa Nacional de Habitação obter luz verde no Parlamento, o Governo prepara-se para aprovar esta quinta-feira um novo pacote legislativo para esta área. O detalhe das medidas ainda não é conhecido, mas o primeiro-ministro antecipou, em entrevista à RTP, que este diploma, sobre o qual os proprietários já disseram ser de eficácia duvidosa, irá assentar em três pilares:
- Disponibilizar mais solos para construção de habitação pública;
- Incentivar à construção de habitação por parte de promotores privados, através de benefícios fiscais;
- Incentivar os proprietários a colocarem mais casas no mercado de arrendamento, apoiando os jovens no arrendamento.
O “caderno de encargos” das construtoras
Com 2.161,8 milhões de euros destinados à habitação no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Manuel Reis Campos exige “decisões céleres que promovam com eficácia e rapidez o aumento do número de casas disponíveis no mercado”. A começar pela oferta pública de habitação que, alerta, “não poderá ser apenas mais uma política prioritária de implementação gradual, [mas] tem de chegar de facto às famílias, promovendo o desenvolvimento económico e social do País e a tão desejada integração e coesão social”.
No investimento privado, o presidente da AICCOPN pede acesso a financiamento e medidas que aumentem a confiança dos investidores para promover o mercado da habitação. E deixa o caderno de encargos: fomentar a competitividade e estabilidade fiscal, eliminando “impostos desajustados”, como o AIMI e o IMI sobre stock de habitações; aplicar a taxa reduzida do IVA a toda a construção e reabilitação; um licenciamento “mais célere e eficaz”, com harmonização das normas e procedimentos a aplicar uniformemente a todos os municípios; ou a a “criação de um efetivo mercado de arrendamento” em Portugal.
Apesar de a habitação ser o segmento com mais potencial para ser afetado pelo aumento das taxas de juro, face à oferta reduzida de novas habitações no mercado imobiliário, Manuel Reis Campos acredita que os problemas da habitação em Portugal vão “começar a ser mitigados ainda este ano”, com o país a precisar de construir e reabilitar mais.
Na última década, os alojamentos licenciados em construções novas totalizaram cerca de 152 mil, o que corresponde a uma média anual de apenas 15 mil habitações, contra 68 mil nos dez anos anteriores. E ao nível da reabilitação urbana, os Censos 2021 mostraram “um país onde se degradam mais casas do que aquelas que se constroem ou reabilitam”: Portugal tem, atualmente, mais 253.889 edifícios a necessitarem de ser intervencionados do que há dez anos.
Se estivesse esta quinta-feira sentado na reunião do Conselho de Ministros, o CEO do Grupo Casais avançaria com uma plataforma nacional de licenciamento, para a gestão dos processos de licenciamento camarário e estabelecer métricas de performance na tramitação do processo, desde a sua submissão até ao licenciamento. E, tal como já acontece em Espanha ou no Reino Unido, tornaria obrigatória a utilização da tecnologia BIM (Building Information Modeling) na submissão de todos os projetos de licenciamento, tanto ao nível da arquitetura, como das especialidades.
Por outro lado, António Carlos Rodrigues pede cadernos de encargos tipificados e procedimentos de contratação que valorizem “aspetos como a sustentabilidade económica, ambiental e humana, ou a valorização da própria industrialização”. “A utilização da nossa capacidade instalada é essencial para a sustentabilidade económica. Devem ser valorizados, em sede de qualificação, os proponentes que apresentem evidências de capacidade industrial instalada (sua ou de parceiros designados em proposta), demonstrando capacidade para responder nos prazos e volumes propostos”, detalha.
É necessário estabelecer regulamentos claros para controlar a especulação imobiliária e evitar aumentos descontrolados nos preços das habitações, tais como compras em projeto para revenda antes das escrituras ou a aprovação de projetos por investidores especuladores.
Já Artur Varum, presidente da Civilria, gostava de ver melhorada a qualidade do alojamento social – “é importante garantir que as pessoas em situação de carência habitacional tenham acesso a habitações de boa qualidade e a preços acessíveis, o que considero função do Estado” – e apoiados projetos de habitação autogeridos, em que as pessoas constroem as suas próprias casas com a ajuda de organizações sem fins lucrativos. E reclama igualmente uma “clara revisão” da fiscalidade associada ao desenvolvimento de habitação nova, em que a carga fiscal tem um “peso bastante significativo” no custo final.
Finalmente, a regulamentação do mercado imobiliário é outra das reivindicações do empresário aveirense, que dá emprego (direta e indiretamente) a 600 pessoas e que em 2022 faturou 70 milhões de euros. “É necessário estabelecer regulamentos claros para controlar a especulação imobiliária e evitar aumentos descontrolados nos preços das habitações, tais como compras em projeto para revenda antes das escrituras ou a aprovação de projetos por investidores especuladores, utilizando a proximidade às entidades licenciadoras e fomentando a corrupção, que depois colocam os projetos aprovados a venda a preços inflacionados”, denuncia Artur Varum.
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