Proprietários e inquilinos, de Vasco Gonçalves a Cristas

O Governo matou o mercado de arrendamento, atira Menezes Leitão, da Associação Lisbonense de Proprietários. Já Romão Lavadinho, dos Inquilinos, pede urgência na execução das medidas.

Os proprietários receberam em “pânico” as medidas anunciadas esta quinta-feira pelo Governo para agilizar a oferta de habitação em Portugal. Luís Menezes Leitão considera que o Executivo “matou o mercado de arrendamento durante décadas”, porque os proprietários, com medo de arrendamentos coercivos, vão retirar as suas casas do mercado. Já os inquilinos, segundo Romão Lavadinho, pedem urgência na implementação das medidas e vão sugerir ao Governo a revogação da chamada ‘Lei Cristas’.

Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 07JAN20
Luís Menezes LeitãoHugo Amaral/ECO

O Governo anunciou no quadro do Programa Mais Habitação, que vai adotar um regime de “arrendamento compulsivo” das casas devolutas. “Iremos introduzir, em complemento às medidas que já existem de agravamento fiscal dos imóveis devolutos, um regime de arrendamento compulsivo das casas que estejam devolutas”, anunciou António Costa, na conferência de imprensa de apresentação do pacote de medidas adotado no Conselho de Ministros de quinta-feira, dedicado exclusivamente ao tema da habitação.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, existem cerca de 730 mil casas devolutas em Portugal, mas a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, recusou fixar uma meta de redução deste número através da obrigatoriedade de arrendamento do património devoluto por entidades públicas, com o respetivo pagamento de renda, para posterior subarrendamento. “Não temos meta”, frisou, destacando que o mecanismo pode ir evoluindo consoante as necessidades que forem surgindo. Caberá ao Estado ou ao município “pagar ao proprietário a renda que é devida” e cobrar “a renda que resulta do subarrendamento” que fará depois, explicou António Costa.

Para Menezes Leitão, é o regresso a uma medida que apenas tinha sido imposta em 1975 por Vasco Gonçalves e que deixou os proprietários “traumatizados”, já que muitos “apenas conseguiram reaver as casas arrendadas por preços miseráveis após a morte dos inquilinos”.

“Com este pacote de medidas que, ironicamente, o primeiro-ministro vendeu como se fosse para aumentar a confiança dos proprietários, o Governo conseguiu destruir o mercado de arrendamento”, disse o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, revelando que as medidas estão a “gerar pânico” e que “a maior parte dos proprietários vai retirar os imóveis do mercado quando terminarem os contratos de arrendamento”.

Romão Lavadinho

O presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses não percebe as reticências dos proprietários, já que a proposta do Executivo é bastante vantajosa do ponto de vista fiscal. Romão Lavadinho considera que “a solução para o mercado de arrendamento não passa por construir novas casas, porque isso levaria oito a nove anos a resolver o problema”.

“Bastaria que 150 mil das casas devolutas fossem colocadas no mercado de arrendamento porque isso aumentaria a oferta e obrigaria os especuladores a baixar os preços“, sugere, lembrando que “cerca de 15 a 20% das casas devolutas estão em condições de habitabilidade”, precisando apenas de umas pequenas pinturas ou arranjos nas canalizações.

O documento estará agora um mês em consulta pública antes de se iniciar a discussão no Parlamento. Ambas as associações darão o seu contributo, mas a dos proprietários não acredita que “dê algum resultado”. “Andamos a dizer o mesmo há oito anos e o que antecipávamos aconteceu devido à cegueira ideológica brutal do Executivo”, sublinhou Menezes Leitão apontando o dedo ao facto de o Governo insistir em querer resolver o problema da habitação em Portugal através do arrendamento público, quando 98% do arrendamento no país é privado. “Só conseguirão um mercado de arrendamento público de 5%, destruindo o arrendamento privado”, desabafou.

Já a Associação dos Inquilinos Lisbonenses vai apresentar ao Governo um conjunto de 23 propostas que passam não só por um apelo à rápida entrada em vigor das medidas propostas, mas também pela sugestão de medidas para acabar com os arrendamentos ilícitos, “que o Governo não resolve”, pela introdução de medidas de apoio aos novos inquilinos, mas também a revogação da chamada Lei Cristas que define o aumento das rendas antigas por negociação com o senhorio ou com base em 1/15 avos do valor patrimonial do imóvel sendo que, caso não exista acordo, o contrato se considera celebrado com prazo certo por um período de cinco anos, mas que tem sido sistematicamente adiado. “Para nós é fundamental. Enquanto estiver em vigor mantêm-se os despejos e o aumento das rendas“, sublinha Romão Lavadinho.

Para aumentar a oferta de casas com um preço acessível, o Governo anunciou duas medidas: subarrendar casas a preços de mercado por um prazo de cinco anos, com uma taxa de esforço máxima de 35% do agregado familiar, e pagar a renda dos inquilinos que tenham mais de três meses de rendas em atraso. O Estado fica “sub-rogado na posição do senhorio para recuperação das quantias em dívida, mediante execução fiscal, ou promoção do despejo – salvo se se verificar existência de um motivo socialmente atendível que determine a atribuição de prestação social ou realojamento”.

Menezes Leitão considera que as medidas propostas “atentam contra o direito à propriedade e à iniciativa económica” e por isso são inconstitucionais. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados critica ainda o limite nos preços dos novos arrendamentos. De acordo com a proposta do Governo, “nos imóveis que já se encontravam no mercado de arrendamento nos últimos dez anos, a renda inicial nos novos contratos não pode ultrapassar os 2% face à renda anterior”. Contudo, a “este valor podem acrescer os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores – se os mesmos ainda não tiverem sido aplicados, considerando-se que em 2023 esse valor foi de 5,43%”, como explicou o primeiro-ministro na conferência de imprensa.

Para que a medida seja considerada inconstitucional terá de ser o Presidente da República a enviá-la para o Tribunal Constitucional para ser alvo de uma fiscalização preventiva, uma hipótese que o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários não descarta. “Vamos ver a reação a tomar junto do Presidente da República ou da Provedora de Justiça, tendo em conta a dureza das medidas para que venha a suscitar a inconstitucionalidade das mesmas”, disse recordando que “na pandemia o Governo também adotou medidas que depois acabaram por ser rejeitadas pelo Constitucional”.

Questionado sobre o risco de inconstitucionalidade da medida, António Costa, em entrevista à TVI, rejeita a ideia. “Não creio que haja inconstitucionalidade. As obras coercivas estão na lei há muitos anos e nunca foram consideradas inconstitucionais”, disse.

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