Estado e mercado, o que separa Governo e PSD na habitação

O Governo apresentou um pacote de medidas para mitigar a crise da habitação centrado na intervenção pública, o PSD, dois dias antes, apostava nos incentivos ao mercado. O ECO comparou os planos.

O Governo apresentou o pacote “Mais Habitação”, cujo valor estimado é de 900 milhões de euros (excluindo o custo com obras, compras ou rendas que venham a ser pagas pelo Estado) provenientes do Orçamento do Estado para 2023. As propostas entraram esta segunda-feira em consulta pública, pelo que ainda podem sofrer ajustes, e voltam a ser discutidas em Conselho de Ministros, a 16 de março.

O maior partido da oposição, o PSD, antecipou-se e, dois dias antes, apresentou um plano intitulado “Um novo caminho para a habitação”, dividido em três pilares: Acelerar o aumento da oferta de casas, que sejam acessíveis, quer no setor público quer no privado; Criar apoios transitórios à procura; E estimular “soluções inovadoras”. Em causa estão 20 medidas, mas o partido liderado por Luís Montenegro não avançou, para já, com o valor global das propostas, remetendo para “momento próprio” a divulgação desses números.

As casas devolutas constam nos dois pacotes apresentados, mas se o Governo quer avançar com o arrendamento obrigatório destes imóveis, o PSD propõe criar um “regime excecional de colocação semiautomática”, bem como agravar o IMI destes imóveis. No que toca às rendas, os socialistas querem atribuir um subsídio máximo de 200 euros para as famílias com taxas de esforço superiores a 35% no pagamento da renda, enquanto os sociais-democratas pretendem acabar com o Porta 65 e apostar num subsídio ao arrendamento para os jovens e idosos.

Ambos os partidos têm também medidas que visam a isenção do IMT, bem como o crédito à habitação, ainda que com fins distintos. E se o Governo pretende acabar com os vistos gold e faz “mira” aos alojamentos locais, o PSD não aponta mudanças nestas áreas. O ECO tentou comparar os dois pacotes dos dois partidos com maior representação parlamentar em Portugal. Veja o que une e o que os separa.

Simplificação e aceleração dos licenciamentos municipais

O Governo pretende que os projetos de arquitetura e de especialidades deixem de estar sujeitos a licenciamento municipal, passando a ser licenciados apenas com base no termo de responsabilidade dos projetistas. Além disso, o Executivo pretende que as câmaras municipais ou entidades públicas que não cumpram os prazos previstos na lei para a emissão de pareceres sofram penalizações financeiras.

Já o PSD propõe que haja uma “comunicação prévia como regra geral” para todas as operações de edificação em zonas inseridas em perímetro urbano”. Além disso, quer que haja um reforço da fiscalização e do quadro sancionatório, bem como que seja alargado o regime de deferimento tácito para todas as operações de licenciamento prévio.

  • Proposta do Governo:Criar um regime de juros de mora que visa aplicar uma sanção pecuniária aos municípios e às entidades externas envolvidas em caso de incumprimento dos prazos legalmente estabelecidos”;
  • Proposta do PSD:Licenciamento como exceção muito restrita, estabelecendo a Comunicação Prévia como Regra geral para todas as operações de edificação em zonas inseridas em perímetro urbano (incluindo as com alterações estruturais) – alargar o conjunto de operações urbanísticas não sujeitas a controlo prévio, para as quais bastará a simples comunicação prévia, e desde que haja termos de responsabilidade por parte dos técnicos responsáveis. Reforço dos meios de fiscalização e do quadro sancionatório”;

Casas devolutas em foco

O Executivo pretende avançar com o “arrendamento obrigatório” de casas devolutas, sendo que a ideia passa por pagar ao proprietário a renda que é devida e cobrar a renda que resulta do subarrendamento que fará depois. A ministra da Habitação já veio garantir que as casas de emigrantes, as de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde e as segundas habitações não serão visadas. A proposta tem suscitado polémica e há quem diga que pode ser considerada inconstitucional.

Ao mesmo tempo, o Governo quer criar uma linha de crédito de 150 milhões de euros para financiar a realização de “obras coercivas por parte dos municípios” em casas devolutas e com baixas condições de habitabilidade”.

Por outro lado, PSD propõe criar um “regime excecional de colocação semiautomática em uso de imóveis públicos devolutos ou subtilizados”, bem como agravar o IMI de imóveis públicos devolutos, excluindo uma intervenção na propriedade privada, sendo que o objetivo é que a receita seja destinada ao “fundo de apoio ao arrendamento”. Além disso, quer que o Fisco tenha uma “unidade especializada” para fazer a “identificação de imóveis públicos e privados devolutos” e que haja um reforço dos incentivos para a “colocação no mercado de prédios e terrenos urbanizados devolutos”.

  • Proposta do Governo: “O Estado pode mobilizar património devoluto através do arrendamento obrigatório por entidades públicas, com o respetivo pagamento de renda, para posterior subarrendamento”.
  • Proposta PSD: “Criação de um Regime Excecional de colocação semiautomática em uso de Imóveis Públicos devolutos ou subtilizados. Qualquer autarquia pode, eventualmente em parceria ou subcontratação com promotores privados, apresentar projetos de aproveitamento para habitação de imóveis do Estado localizados no seu território que se encontrem devolutos, os quais o Estado só se pode opor mediante decisão fundamentada na existência de um projeto de uso alternativo imediato. A proposta da autarquia gera deferimento tácito em caso de ausência de decisão final do Estado central dentro de um prazo de 90 dias”;

Apoios extraordinários às rendas

O Governo pretende atribuir um subsídio máximo de 200 euros para as famílias com taxas de esforço superiores a 35% no pagamento da renda. A proposta visa todos os contribuintes até ao sexto escalão, mas há limites de atribuição. Por outro lado, quer substituir-se aos proprietários, em caso de incumprimento do inquilino por um período de três meses, assumindo o pagamento da renda para que este não seja prejudicado.

Já o PSD pretende substituir o programa Porta 65 por um subsídio temporário ao arrendamento, cuja duração inicial é de quatro anos, mas a sua prorrogação e ajustamento estão sujeitos a avaliação dos resultados da mesma. O apoio é definido em função do valor da renda e “limitado a rendas máxima de referência por tipologia de imóvel, limitado aos agregados até ao sexto escalão do IRS e aplica-se “independentemente de situações de quebra drástica de rendimento, por divórcio, desemprego ou doença”. De acordo com os sociais-democratas, o objetivo é a medida ser inicialmente dirigida a jovens, reformados e pensionistas.

  • Proposta do Governo: “O apoio corresponde à diferença entre a taxa de esforço real e a taxa de esforço final de 35%, com um limite de prestação mensal de 200€ e para contratos celebrados até 31.12.2022″.
  • Proposta do PSD:Subsídio de Arrendamento Habitacional, pelo menos para os jovens e os mais velhos, em conjugação com regimes municipais e substituindo o atual programa Porta 65 para jovens. Este regime de subsídio deve ser temporário, estando a sua prorrogação e ajustamento sujeito a avaliação dos resultados da medida. Este regime implementa a obrigação legal estabelecida em 2012 e 2015 pela maioria PSD/CDS, mas nunca implementado pelos governos socialistas”.

Baixa na tributação dos rendimentos prediais

O Governo quer reduzir a taxa geral de tributação sobre os rendimentos prediais– quando o senhorio não opta pelo englobamento dos rendimentos — dos atuais 28% para 25%. Esta diminuição na taxa autónoma implica alterações também nas taxas mais baixas de IRS que são atribuídas aos contratos de maior duração: entre 5 e 10 anos, reduz de 23% para 15%; entre 10 e 20 anos, recua de 14% para 10%; e a mais de 20 anos, baixa de 10% para 5%.

Já o PSD propõe haver um desagravamento fiscal no acesso a casas de habitação própria permanente ou para arrendamento, com um regime vigente inicial de cinco anos. Neste âmbito, o partido liderado por Luís Montenegro defende a eliminação “ou eventual diminuição muito substancial” do IMT e do imposto do selo na compra de habitação própria e permanente, o fim do imposto do selo para arrendamento, a “redução da taxa liberatória dos rendimentos prediais para arrendamento habitacional em sede de IRS e IRC e reforço das deduções do
pagamento de rendas em sede de IRS”.

  • Proposta do Governo: “Alteração à redução de taxa de IRS para contratos de arrendamento
    habitacional de longa duração”.
  • Proposta do PSD:Desagravamento fiscal do acesso a imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento habitacional e com um limite máximo de valor que exclua imóveis de elevado valor, com regime de vigência inicial de 5 anos e compensação das autarquias por perdas de receita (a realizar através do Orçamento do Estado com devida garantia o Regime Financeiro das Autarquias Locais)”.

Obras com IVA a taxa reduzida

Tanto o Governo com o PSD pretendem reduzir a taxa de IVA aplicada às obras de construção, de forma a incentivar a construção e reabilitação de habitações. Assim, o Governo quer aplicar a taxa de IVA reduzida a “empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis afetos a Programa de Arrendamento Acessível”, enquanto o PSD quer o IVA a 6% a todas as “obras e serviços de construção reabilitação”.

  • Proposta do Governo: “Taxa de 6% de IVA em empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis afetos a Programa de Arrendamento Acessível (PAA)”.
  • Proposta do PSD:Aplicação de IVA à taxa de 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação (hoje existente para reabilitação em ARUs)”.

Isenção do IMT: o mesmo fim, dois caminhos

Tanto o Governo como o PSD têm medidas que visam a isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), ainda que em moldes diferentes. Se o Executivo, pretende isentar de IMT na compra de imóveis para reabilitação e apenas no caso em que a reabilitação for para ser disponibilizada para o programa de arrendamento acessível, o PSD quer eliminar este imposto na compra de todas as habitações próprias permanentes.

  • Proposta do Governo: “Isenção de IMT na compra para reabilitação se após a reabilitação for afeta a PAA”.
  • Proposta do PSD: “Eliminação (ou eventual diminuição muito substancial) do IMT e Imposto Selo na aquisição de habitação própria e permanente (aumento significativo do limiar de isenção previsto no art.º 9 do CIMT)”.

Terrenos e imóveis de comércio e serviços vão poder servir para habitação

Com o intuito de aumentar a oferta de imóveis para habitação, o Governo propõe que os terrenos ou imóveis autorizados para comércio e serviços possam ser utilizados para construção ou convertidos em habitação sem alteração de planos de ordenamento do território ou licenças de utilização, bem como ceder terrenos que estejam na esfera do Estado para “promoção de arrendamento acessível por parte de privados e cooperativas”.

Já o PSD quer permitir a construção para efeitos de habitação em solos com uso para comércio e serviços, “com adaptação de índices urbanísticos aos novos usos através de unidades de execução nos termos do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial”.

  • Proposta do Governo: “Converter uso de imóveis de comércio ou serviços em uso habitacional: possibilidade de alterar automaticamente uso de imóveis de comércio ou serviços em imóveis para habitação – sem necessidade de revisão de planos de ordenamento do território ou da licença de habitação –, desde que a custos controlados”.
  • Proposta do PSD: “Permissão de construção para uso habitacional em solos com uso para comércio e serviços, com adaptação de índices urbanísticos aos novos usos através de unidades de execução nos termos do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial”.

Governo faz “mira” ao alojamento local

Para incentivar o arrendamento e travar o “boom” do alojamento local, o Governo fez “mira” a este modelo de negócio. Assim, o Executivo quer suspender a emissão de novas licenças de alojamento local em todo o país, sendo que as atuais deverão ser reapreciadas em 2030 e a partir dessa data serão sujeitas “a renovação quinquenal não automática”.

Por outro lado, os proprietários deste tipo de estabelecimentos passarão a pagar uma contribuição extraordinária, cuja receita será consignada ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Além disso, haverá uma isenção fiscal para quem transitar do alojamento local para arrendamento. Já o PSD não tem nenhuma proposta que vise o alojamento local.

  • Proposta do Governo: “Transição de AL para arrendamento: Criação de nova isenção para
    rendimentos prediais auferidos até 31/12/2030 em sede de IRS. Requisitos
    de aplicação da isenção:
    i. Transferência do imóvel afeto ao AL para mercado de arrendamento
    habitacional.
    ii. Estabelecimento de AL registado até 31/12/2022.
    iii. Contrato de arrendamento celebrado até 31/12/2024.
    b. Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local: Criação de uma contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL) a consignar ao IHRU para financiar políticas de habitação acessível”.

Crédito à habitação

Tanto o Governo com o PSD tem medidas para o crédito à habitação. O Executivo pretende obrigar os bancos a disponibilizar uma taxa fixa na contratualização de crédito à habitação. Por outro lado, quer também isentar as mais-valias resultantes da venda de imóveis, caso o valor da venda for utilizado para abater o crédito à habitação do próprio ou o crédito de descendentes.

Além disso, propõe conceder uma bonificação temporária para as famílias até ao sexto escalão de IRS e com créditos à habitação até 200 mil euros, contratados depois de julho de 2018 e em que a taxa de esforço ultrapasse a taxa de juro “stressada” pelos bancos na contratualização do empréstimo, o Estado subsidiará metade do valor que ficar acima do aumento do valor da prestação. O apoio é de até 1,5 do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que se traduz num valor global de cerca de 720 euros.

Já o PSD propõe simplificar a reestruturação dos créditos à habitação, de modo a que o impacto do agravamento dos mesmo seja transferido para “períodos em que o mutuário tem maior rendimento”. Defende ainda a possibilidade de serem estudadas “soluções com prestação fixa de valor mensal e criação de rendas balão no final do prazo” com linhas de garantia pública para o pagamento dessas parcelas. Em alternativa “ou complemento” a essa garantia pública, os sociais-democratas admitem que se crie uma dedução extraordinária à coleta de IRS em 2023 e 2024 em relação aos juros pagos na compra de casa própria e permanente com recurso a crédito.

  • Proposta do Governo:Bonificação temporária do encargo com juros nos créditos hipotecários, para famílias com rendimentos até ao 6º escalão e créditos até 200 mil €, através da compensação de metade do excesso do indexante de referência face a 3% até um limite anual de 1,5 IAS (~720€)”.
  • Proposta do PSD: “Deve ser simplificado o modelo de reestruturação de créditos habitação, sem marcação bancária externa junto do Banco de Portugal nem interna dentro dos bancos, que permita a conceção de operações que diluam o impacto do agravamento pela vida do contrato, transferindo-o para períodos em que o mutuário tem maior rendimento”.

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