“Se as seguradoras têm dúvidas, o que é a ASF para dizer que não têm”

O direito ao esquecimento foi tema fulcral da audição dos deputados a Margarida Corrêa de Aguiar, presidente da ASF. Lucros das companhias e riscos de catástrofes também.

Direito ao esquecimento, fundo sísmico, alterações climáticas, lucros excessivos de seguradoras, cartel dos seguros, foram algumas das questões que os deputados da Comissão de Economia e Finanças (COF) da Assembleia da República quiseram saber de Margarida Corrêa de Aguiar, presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) na audiência anual da AR com a autoridade de seguros e fundos de pensões.

Margarida Corrêa de Aguiar enfrentou na Assembleia da República João Cotrim de Figueiredo (IL), Patrícia Dantas (PSD), Rui Afonso (Chega), Miguel Matos (PS) e Duarte Alves (PCP).

Durante duas horas Margarida Aguiar respondeu às perguntas dos deputados Miguel Matos (PS) , Patrícia Dantas (PSD), Rui Afonso (Chega!), João Cotrim de Figueiredo, (IL) e Duarte Alves (PCP). Tardiamente presente na sala, mas sem intervenção, esteve Mariana Mortágua (BE), inquisidora habitual da presidente da ASF nestas audiências. Antes, Margarida Aguiar tinha apresentado um relatório sobre as atividades recentes e ações previstas para 2023 pela ASF.

Os deputados tenderam a não repetir questões que outros já tivessem colocado e também houve uma certa escolha das respostas dado o tempo disponível limitado por outros compromissos da COF.

Dirigido aos factos, foram estes os tópicos escolhidos pelos deputados e qual a resposta dada por Margarida Corrêa da Aguiar (MCA).

Fundo sísmico ou de catástrofes naturais

Margarida Corrêa de Aguiar (MCA): A ASF está a retomar este assunto, com o modelo apresentado pelo ISP, antecessor da ASF, em 2011. Este pode ser atualizado e sabemos que o Governo está a tratar deste dossiê. A cobertura do risco sísmico é baixíssimo, está abaixo dos 20%, na habitação e não é obrigatório exceto para a propriedade horizontal e só cobertura de incêndio. Trabalhamos no desk board da EIOPA para mapear o risco de catástrofes naturais. A solução terá de ser mutualizada pelos segurados, seguradores, fundo sísmico, resseguradores e o Estado. O Fundo deve ser autónomo, com financiamento partilhado e com administração própria. Antes, temos de olhar para a prevenção, fiscalização, sensibilizar as pessoas em relação ao tema, o fundo sísmico é o último recurso. A ASF vai corresponder a encomenda do Governo para atualizar o plano de 2011 e se o seguro contra sismos será obrigatório ou não é uma decisão política. Os seguros obrigatórios têm de ser objeto de estudo porque têm impacto nas finanças familiares.

Alterações climáticas e Transição Verde

MCA: Após publicação da Lei de bases do clima, a ASF vai apresentar, depois do próximo verão, um relatório sobre estado da arte a sustentabilidade de seguros e fundos de pensões. Do lado dos ativos a seleção que fazem pode ajudar, mais ou menos, a transição verde. No lado dos produtos espera-se que possa haver mais inovação e que possam existir seguros para riscos catastróficos.

Incumprimento do Direito ao Esquecimento pelas seguradoras

MCA: Em dezembro de 2021 enviámos à COF e ao Governo uma carta com um conjunto de questões relacionadas com a aplicação da lei. Vão existir questões que têm de ser resolvidas se não vai haver discricionariedade da lei e não vamos conseguir executá-la. A lei não estabelece qual o organismo do Estado que promove o acordo com as seguradoras. É desse acordo que vai existir uma grelha de referência para ser aplicada a cada patologia ou incapacidade. Esse passo é essencial e tem de sair deste acordo. Do lado das seguradoras não está claro “pessoas que tenham mitigado risco agravado de saúde ou deficiência”. Devia ser clarificada esta definição. Havendo grelha e acordo a execução da lei pode evoluir. E é bom que se cumpra a lei e se identifique o orgão do Estado a envolver.

Em 2022 tivemos 15 reclamações em relação a este tema. Não sei se por desconhecimento da lei, ou não, pode não parecer volumoso, mas um caso que seja para a ASF é muito.

Passados 15 dias sobre o publicação da lei do direito ao esquecimento enviámos a carta, o que mostra a nossa preocupação para que a lei seja aplicada. Pergunto o que podemos fazer para colocar a lei a funcionar? O setor está a aplicar a lei, mas o entendimento não é claro. Se o setor diz que tem dúvidas quem somos nós para dizer que não tem!

Há gestão de são e prudente, só isso explica que em crises como na pandemia e agora o setor se mantenha resiliente do ponto de vista financeiro. Tem capitais adequados para fazer face a situações de crise e esse capital tem de ser remunerado

Resgates de produtos PPR para amortização de crédito à habitação

MCA: Este processo começou há pouco tempo. Em relação a decisões anteriores, como durante a pandemia em que houve exceção, teve pouco impacto, teve pouca expressão em número e capital resgatado.

Como espera a atividade do setor em 2023?

MCA: A evolução dos Ramos Não Vida está ligado ao andamento da economia e tem estado acima do crescimento desta. Este ano esperamos que haja alinhamento com a economia, abrandamento nalguns ramos. Não terá desempenho que teve em 2022. Por exemplo em acidentes de trabalho tem a ver com o emprego e a massa salarial, no automóvel também há flutuação como também há nas frotas ligadas à atividade das empresas.

No ramo Vida existirá alguma preocupação em produtos que não garantam capital. Por isso espera-se que as seguradoras apresentem produtos que garantam capital. As poupanças vão para onde se sentirem mais seguras. Taxas de juro a subir são atrativas para poupar, mas trazem incerteza pelo nível de inflação. As seguradoras são criativas, e estarão à espera de alguma estabilidade para lançar produtos. Nos seguros de Vida Risco quando à retração no crédito a habitação e no crédito ao consumo também há retração em relação a estes.

Lucros do setor segurador. É exagerado o aumento dos lucros de 324 milhões em 2017 para 645 milhões em 2021, Há uma desproporção ou não entre receitas e encargos

MCA: Em 2021 disse que estávamos a trabalhar um relatório de prestação de contas no âmbito da Covid e mostra que as seguradoras no conjunto das medidas que tomaram, as moratórias de seguros e as de caráter voluntário, tiveram impacto negativo nos resultados de 74 Milhões.

O supervisor tem de assegurar um equilíbrio. Não podemos ter seguradoras a explorar seguros com prejuízos técnicos. Têm de ser ponderados nos prémios, mas têm de ter resultados positivos. Temos de avaliar essa ponderação. Devem assegurar exploração positiva e ser ponderadas nos tarifários que praticam, na venda de seguros desnecessários e não permitir o subseguro e o sobresseguro.

O setor tem de ter lucros. Há gestão de são e prudente, só isso explica que em crises como na pandemia e agora o setor se mantenha resiliente do ponto de vista financeiro. Tem capitais adequados para fazer face a situações de crise e esse capital tem de ser remunerado.

Risco cibernético, houve registo de acidentes, em que se traduziu e quais os impactos?

MCA: Tirando um caso que está resolvido, há incidentes, mas são geríveis. A ASF aprovou norma de segurança para tecnologias de informação e comunicação para impor regras de governance às seguradoras neste campo, para criar seguranças a níveis adequados. Passámos a ter um relatório de incidentes e uma base de dados porque as seguradoras precisam de conhecer os riscos para poder fazer um pricing.

Literacia financeira: Portugal ocupa a última posição dos 19 países da zona Euro

MCA: A Literacia em geral é um problema do país e deve um desígnio nacional apostar na literacia. Todos os operadores e ASF têm um papel nisso. Existe o Plano Nacional de Formação Financeira, plano do CNSF (Conselho Nacional dos Supervisores Financeiros) que vai com 11 ou 12 anos de existência com bons resultados. Estamos a fazer um investimento para sensibilizar o público. A ASF e a Universidade do Minho estão a fazer um estudo para caracterizar a poupança para a reforma e os resultados preliminares indicam que quem se preocupa são os mais letrados.

Não podemos tolerar no setor segurador práticas de cartel, este caso foi relacionado com grandes empresas e acidentes de trabalho, não vai ter grandes impactos no setor

Sistema de pensões

MCA: Apresentámos uma ideia à APS e à APFIPP de uma ferramenta que permita um local digital onde se possa consultar para cada pilar de segurança social, seja do sistema público, seja do 2º pilar que são fundos de pensões de empresas e o 3º pilar da poupança individual. A Comissão Europeia tem em marcha este Pension Tracking System mas tem de haver esforço público e privado para juntar esta informação no mesmo sítio. Se as pessoas estiverem conscientes da sua poupança poderá haver mais atenção à reforma. Serei persistente em relação a este tema.

Cartel dos seguros

MCA: A ASF procura assegurar que há concorrência. Temos concorrência até na Saúde. O cartel existiu apesar de existir uma supervisão de qualidade. Não devo falar de questões da AdC, não sei como acompanha a setor segurador.

Em devida altura demos informação à AdC, houve seguradoras que utilizaram a clemência e outras não o fizeram. Não podemos tolerar práticas de cartel no setor segurador, este caso foi relacionado com grandes empresas e acidentes de trabalho, não vai ter grandes impactos no setor.

Danos reputacionais aconteceram com o Cartel

MCA: Na avaliação fit and proper de pessoas envolvidas no cartel a legislação é clara. A idoneidade de uma empresa ou pessoa que confessa não tem o mesmo juízo de prognose sobre quem é condenado.

Número de agentes e corretores contraiu. Isso é bom para o mercado?

MCA: É boa notícia. Tivemos uma quebra de 33% de 2021 para 2022. Acontece porque há maior exigência no exercício da atividade. Formação obrigatória e, por exemplo, o seguro de responsabilidade civil. É uma profissionalização de acordo com a lei, não é atividade regulatória. A digitalização está a retirar deste setor muito mediadores de idades mais avançadas que faziam negócios muito locais que hoje estão despovoados. Mas os mediadores são importantes pela capilaridade, não só para a venda de seguros mas para assistência aos segurados quando há sinistros.

Poupança insuficiente, Fundos de pensões em Portugal 9,3% do PIB na OCDE 67%

MCA: Mercado precisa de ser desenvolvido, para isso é preciso mais poupança dirigida a fundos de pensões e isso passará por produtos, mas também por uma cultura de poupança, quadros regulatórios e fiscais que incentivem a poupança dirigidos às empresas e às pessoas. São sistemas complementares ao público, nunca estando este em causa.

Faria sentido A ADSE ser supervisionada pela ASF

MCA: A decisão de gerir a ADSE como um seguro de saúde é política. As práticas são diferentes.

O Fundo de Garantia Automóvel (FGA) tinha 636 milhões de euros de ativos em 2020, gera superavit sempre e não baixa a taxa aplicada no seguro automóvel

MCA: Um estudo sobre o FGA foi feito e entregue ao governo ao secretário de Estado das Finanças em 2021. Incluía um estudo atuarial e as possibilidades de ajustar a situação que temos hoje. Para o nível de risco que calculamos, concluímos que vai ser criado excedente todos os anos. Tem de ser o decisor político a decidir.

O FGA tem um papel económico e social relevantíssimo e o nosso principal foco é socorrer as vítimas a partir do primeiro momento com despesas médicas e apoio financeiro até atribuição final de indemnizações. Há um consumo de tempo até à decisão final de indemnizar, mas esse atraso é causado pelos tribunais.

Mais de 10 seguradoras não têm sequer 1 empregado e estão a operar. Não se põe em causa pelo menos os requisitos de proteção de dados

MCA: São sucursais, a ASF não as supervisiona. Mas nem todas as empresas têm dimensão para gerir sistemas de informação. Por isso temos normas para regular essas subcontratações. O que não pode ser passado para outusourcing é a estratégia do negócio ou dos sistemas de informação, as seguradoras têm de ter competências para gerir as suas estratégias.

Quem supervisiona as sucursais e como podemos estar certo da sua solvabilidade

MCA: A supervisão Prudencial pertence às autoridades da sede da casa-mãe. Existe um regime europeu de Solvência II e a sua aplicação é igual em todos os estados membros, seguradora e seguradora. Do ponto de vista institucional está tratado e bem tratado.

Temos 23% de população idosa e esse rácio a piorar. Como acautelar essas despesas de saúde e menor contributo do Estado

MCA: As taxas de substituição (diferença entre o último salário e a primeira pensão) estão a piorar e são precisas medidas para compensar isso. A taxa de poupança em Portugal é de 9,3% na zona Euro 17%, mas compra habitação é uma poupança. Um instrumento que está a ter interesse em estudar é o reverse mortgage, é uma atividade de seguros e substituir esse património imobiliário por uma renda vitalícia ao proprietário.

O PEPP pode ser uma oportunidade. Não pode ser como o PPR, precisamos de um produto de longo prazo para a reforma, mas não se pode desmobilizar sem desemprego longa duração e ou doença grave. Está a ser feita a regulamentação.

A gestão do FEFSS (Fundo de Equilibrio Financeiro da Segurança Social) parece calamitosa. Mais de metade do fundo está em dívida pública portuguesa e 22% está investido em ações. O fundo tem risco e está mais a financiar o estado do que a sustentar pensões.

MCA: Não supervisionamos o FEFSS. Pela minha experiência deve ter uma gestão de risco adequada à que financia. Deve ter uma gestão para o longo prazo, não pode ser qualquer carteira. Tem de adquirir ativos para o longo prazo.

O evento terminou com o compromisso de reenvio à COF por parte da ASF de documentos mencionados durante a audição.

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