BRANDS' ECO O Centro Internacional de Negócios da Madeira na ultraperiferia jurídica das “Regiões Ultraperiféricas”
A revisitação cíclica do regime fiscal do Estado do CINM leva à problematização do artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE relativo à discriminação positiva das regiões ultraperiféricas.
Este artigo, essencial num modelo de coesão territorial comunitária, nunca foi “bem digerido” pelas instituições burocráticas europeias. Discriminações positivas implicam juízos e decisões de diferenciação às quais um burocrata acrítico é, por natureza, avesso. Num modelo de decisão administrativa pura, a igualdade horizontal é bem mais simples de exercer que uma igualdade material corretiva.
Este exercício, sempre sofrido e de resultado incerto, ocorre em todas as reanálises do regime fiscal do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), com uma agravante: sempre que ocorre um novo ciclo de reanálise, o grau de desconfiança aumenta, aumentando o risco potencial para os operadores, erodindo-se o objetivo do regime de atração. Note-se que, hoje em dia, o próprio uso do termo “atração” poderá fazer perigar a própria manutenção do regime, atenta a aversão dogmática à indiciação de um “favor”, quando o mesmo é até obrigatório atento o regime constitucional comunitário.
Porém, o novo ciclo de reapreciação é ainda mais crítico atento o que temos vindo a assistir ao nível da posição da Comissão referente ao Regime III (2007-2013). A base das objeções foram essencialmente duas: o conceito de posto de trabalho e a localização do local de imputação espacial do lucro a atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira.
Este procedimento vem colocar uma pressão insustentável em todo o processo de reapreciação e demonstra inequivocamente o intolerável “conservadorismo” jurídico da Comissão Europeia. De facto, os conceitos que usa para a concretização dos conceitos de posto de trabalho e de localização da operação decorrem de um modelo que já era obsoleto no início do nosso século, quanto mais no final do primeiro quartel do século XXI.
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Ora, nos dias de hoje, o desenvolvimento da atividade laboral é essencialmente remota. Qualquer agente de boa-fé não poderá estar a pensar que as regiões ultraperiféricas irão atrair grandes projetos industriais, com linhas de produção a la século XX. Pelo contrário, a Madeira desenvolveu as suas capacidades ao nível das redes de comunicação e posicionou-se como um porto seguro para a prestação de serviços tecnológicos. E esta tipologia de atividade desenvolve-se em rede com um alcance global.
O mesmo se aplica ao conceito de atividade empresarial. As empresas desmaterializaram-se e atuam a uma escala universal. A localização do lucro é algo que está a ser tratado em sede da iniciativa BEPS. Ou seja, o que está em discussão enquanto problema global nos modelos de imputação espacial do lucro empresarial é precisamente o fundamento de acusação da Comissão Europeia à alegada “conduta desviante” do CINM. A hipocrisia é notória: o CINM focou-se na atração daquilo que é deslocalizável e móvel e é acusado pelo seu sucesso; ao invés, se se tivesse focado naquilo que é imóvel e não deslocalizável, não teria sucesso e, consequentemente, não seria prosseguido.
E é este o jogo que deve ser evitado na presente ronda de negociações: a limitação do escopo de incentivo a atividades não móveis ou assentes em modelos económicos ancestrais tem de ser denunciada e repudiada. O artigo 349.º do Tratado deve, obrigatoriamente, ser prosseguido de forma proativa e proficiente. Tal significa que deve ser concretizado por via de instrumentos de discriminação positiva que permitam o equilíbrio concorrencial entre “áreas centrais”, que gozam de economias de escala e de externalidades de rede, e áreas ultraperiféricas que só podem recorrer às telecomunicações para suprir as suas ineficiências. E tal só pode ocorrer precisamente nas atividades deslocalizáveis e imateriais, ancorando agentes e atividades económicas que podem ser prestadas em qualquer ponto do globo, na área focal da Madeira, potenciando o seu incorpóreo natural: segurança e qualidade de vida num ambiente regulado pelas instituições comunitárias.
Carlos Baptista Lobo, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lobo, Carmona e Associados, Sociedade Advogados
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