Chega tem demasiado espaço nos media, como diz António Costa?
Os media dão demasiada cobertura ao Chega, como afirmou António Costa no 25 de abril? A resposta é um "nim", com o partido de Ventura a ser alavancado mediaticamente pelos restantes atores políticos.
Augusto Santos Silva chegou esta terça-feira a Kiev, na Ucrânia, para uma visita oficial de dois dias. Acompanhado por deputados das bancadas do PS, PSD, IL e BE, o presidente da Assembleia da República deixou de fora o PCP e “desconvidou” o Chega. Estava previsto que André Ventura seguisse na comitiva, mas, após os incidentes com Lula da Silva no Parlamento, na sessão do 25 de abril, Augusto Santos Silva anunciou que ia excluir o partido das viagens oficiais. “Este critério aplica-se de imediato e significa a exclusão de qualquer representante do Grupo Parlamentar do Chega”, lia-se na nota então divulgada pelo gabinete do presidente da Assembleia da República. Dito e feito.
Na tarde desta quarta-feira, fazendo uma pesquisa rápida no Google, eram poucas as notícias que não tinham em título a exclusão do Chega na vista oficial, assumindo esta importância idêntica à da própria visita da delegação portuguesa.
António Costa provavelmente diria que a “culpa” é dos jornalistas, que dão demasiada visibilidade ao partido liderado pelo homem que ainda há poucas horas, na sequência do pedido de demissão não aceite de Galamba, afirmou que “o que vimos foi um certo desequilíbrio emocional, precipitação política e uma vontade de confronto”.
Jornalistas, analistas e politólogos respondem que, provavelmente, a responsabilidade é do presidente da Assembleia da República, que criou o facto que agora é notícia.
Mas vamos recuar uma semana. “Eu não tenho nenhum canal de televisão, não tenho nenhuma rádio ou jornal. Quem lhes dá visibilidade? São as televisões, as rádios, os jornais ou é o primeiro-ministro? Os senhores é que lhes dão visibilidade”, afirmou António Costa, no 25 de Abril, criticando a atenção mediática dada a esse partido “ultraminoritário”.
“O discurso do Presidente da República foi muito pedagógico, porque demonstrou que uma pessoa da direita democrática, do centro-direita, não se tem que deixar condicionar, limitar, nem na atitude, nem nas palavras, nem no vocabulário, nem no discurso, por aquilo que é o ruidismo gerado pelo Chega. Demonstrou bem que, felizmente em Portugal, temos não só uma esquerda democrática, como temos uma direita democrática que preenchem a esmagadora maioria do espaço político nacional”, apontava António Costa.
O Chega “é mesmo uma exceção” e “um dos piores perigos que existe para o futuro da democracia é o excesso de representação mediática e o excesso de atenção de quem não tem essa representação popular”, prosseguia o chefe do Executivo socialista, citado pela Lusa. “Vão entreter-se a bater-me nos próximos dias. Mas dão-lhes mesmo uma atenção desproporcionada àquilo que eles [Chega] representam na nossa vida coletiva”, prosseguiu.
Uns dias depois, a atenção foi desviada para o caso Galamba, também ele rico em episódios que dariam facilmente origem a um episódio especial do Isto é Gozar com Quem Trabalha, de Ricardo Araújo Pereira. Mas a questão mantém-se: os media dão demasiada cobertura a André Ventura e ao Chega, o terceiro partido com maior representação parlamentar?
“Quando observamos a relação entre partidos e media, observamos que o panorama não é obviamente igualitário. Durante muitos anos dizia-se que o Bloco de Esquerda tinha saliência nos media muito acima e PCP”, recorda o politólogo António Costa Pinto.
“No caso do Chega, e desse comentário [de António Costa], tem muito mais a ver com o fenómeno novidade na cena política” acrescenta. “Novidade em relação ao discurso, em relação às relações com as instituições, ao tipo de ação, até agora desconhecida no Parlamento português”, concretiza. “Isto não tem precedentes”, afirma, referindo-se ao protesto em pleno hemiciclo durante a visita de Lula da Silva. “O destaque mediático tem muito a ver com a novidade. Se se banalizar, o destaque será muito menor”, acredita. E, a prazo, “tende à banalização”, acredita. O comentário de António Costa, em sua opinião, não deixa de ser “a constatação de uma realidade”.
“O destaque mediático tem muito a ver com a novidade. Se se banalizar, o destaque será muito menor”
De acordo com a Marktest, André Ventura ocupa a terceira posição entre os protagonistas das notícias em março. A primeira posição é de António Costa, com 9h52m, e no segundo lugar surge Marcelo Rebelo de Sousa, com cerca de menos cinco minutos. André Ventura ocupa, com 4h15m, um lugar no pódio. Luís Montenegro, a título comparativo, surge na sexta posição, com 2h28m.
“Ao contrário do que os políticos pensam, o crescimento das direitas nacionalistas não tem a ver com exposição mediática”, afirma Ricardo Costa, diretor-geral de informação do grupo Impresa, dono da SIC e do Expresso. Como exemplo, o jornalista começa por citar o caso de Jean-Marie Le Pen, e a espécie de “cordão sanitário” que existia em seu redor até 2002. Quinze anos depois o cenário era semelhante com Marine Le Pen, que já foi por duas vezes à segunda volta nas eleições francesas, a última com 42% dos votos.
Ao contrário do que os políticos pensam, o crescimento das direitas nacionalistas não tem a ver com exposição mediática.
“A ideia de os jornalistas não cobrirem a atividade destes partidos é um duplo erro”, defende Ricardo Costa. Por um lado, “limita a atividade dos jornalistas e a informação aos seus leitores”, por outro, “não impede crescimento nenhum”, sustenta. “É estranho falar do Chega sem se falar do que está a acontecer na Europa – inclusive em países com altas taxas de literacia, como a Finlândia – ou do Brasil, com Bolsonaro”. “É completamente errada a ideia de que os resultados eleitorais decorrem da exposição jornalística”, sustenta.
“Está no parlamento, gostemos dele ou não”, diz, por seu lado, José Manuel Fernandes, publisher do Observador. “Os órgãos de comunicação social não têm que fazer juízos de valor sobre os partidos”, reforça. “Não creio que ignorar este fenómeno tenha vantagens”, acrescenta, dando como exemplo as eleições ganhas por Donald Trump em 2016. “Nos EUA ou não deram atenção suficiente ou não perceberam o fenómeno” e “devemos procurar estar atentos a tudo o que se passa e não apenas ao que nos agrada”.
Quando damos uma notícia sobre o presidente da Assembleia estamos a promover o presidente da Assembleia? Ou quando damos uma notícia sobre o Chega estamos a promover o Chega?
“Quando damos uma notícia sobre o presidente da Assembleia estamos a promover o presidente da Assembleia? Ou quando damos uma notícia sobre o Chega estamos a promover o Chega?”, questiona por seu turno Carlos Rodrigues, diretor da CMTV e do Correio da Manhã. “Fazemos tudo o que é novo e relevante. Dar notícias não pode ser confundido com ‘levar ao colo’”, acrescenta o diretor do jornal onde André Ventura, tal como António Costa – até presidir à Câmara Municipal de Lisboa – tiveram espaços de opinião.
“António Costa escrevia na página dois, André Ventura no espaço de Portugal. E isso não faz de nós nem do PS nem do Chega”, remata Carlos Rodrigues, que vê as declarações de António Costa, no 25 de abril, como “comentários sobre política, não sobre jornalismo”.
Também contactados pelos +M/ECO, Nuno Santos e António José Teixeira, diretores de informação da TVI/CNN e da RTP, optaram por não fazer comentários. “Prefiro não alimentar esta discussão”, explicou o responsável de informação do canal público.
“Não cobrir a direita é um erro”, resume Ricardo Costa. “Não falávamos sobre o Vox, em terceiro nas intenções de voto em espanholas e do qual o PP precisa para formar governo?”, questiona o diretor de informação da SIC.
Ricardo Costa acredita, contudo, que os jornalistas podem e devem discutir a forma como fazem a cobertura do Chega. “André Ventura todos os meses anuncia ‘a maior manifestação de sempre’. É sempre a maior manifestação de qualquer coisa, acabam por ser fraquinhas… Por vezes os jornalistas acabam por cair no engodo”, admite Ricardo Costa. “Os jornalistas podem e devem discutir a melhor maneira de cobrir um partido como o Chega, mas essa discussão deve ser feita sem nenhuma pressão política”, acrescenta.
Mais, “os jornalistas têm de perceber como lidar com o Chega, assim como os políticos tem que perceber, porque ainda não perceberam”, remata Ricardo Costa. “Os jornalistas têm que ser inteligentes na leitura da agenda e os outros partidos também se ‘espalham na esparrela’”, constata o jornalista, defendendo que o critério quantitativo da representação parlamentar não pode ser o único. “Se fosse, o CDS não teria cobertura em nada. O Chega e a Iniciativa Liberal não teriam tido, quando só tinham um deputado”.
Ou, recuando, o Bloco de Esquerda no tempo de Francisco Louçã ou do PP com Paulo Portas, “partidos que comunicavam especialmente bem, destaca, numa opinião partilhada também por José Manuel Fernandes e António Costa Pinto.
A forma como os restantes partidos lidam com o Chega é outro dos principais pontos destacados pelos quatro profissionais ouvidos pelo +M/ECO.
“O PSD está hoje a ter o desafio à direita que o PS teve durante os primeiros 25 anos de democracia à sua esquerda. É a vida”, resume António Costa Pinto. O politólogo recorda que parte da explicação para maioria absoluta do PS tem a ver com “o descontentamento com o eleitorado que ‘deu cabo da geringonça’ e com a ameaça do Chega, que assustou o eleitorado de centro”. “Agora, o PS utiliza esse tema para estigmatizar PSD, exigindo demarcações sucessivas”, analisa. “O eleitorado português é pouco ancorado politicamente e o PS quer ganhar votos à esquerda e ao centro. Colocar o PSD mais à direita do que na realidade está é do interesse do PS, tal como já aconteceu ao contrário”, constata. “Hoje em dia, o debate político à direita está sobretudo marcado pelo desafio de dois partidos à hegemonia do PSD. Agora a disputa está à direita”, com o Chega e Iniciativa Liberal. “Dizer que a situação interessa ao PS tem algum fundo de verdade”.
“Quem ganha com isto é o Chega”, afirma sem hesitações Ricardo Costa. De resto, “se ganha mais a esquerda ou a direita não é claro”, refere. O diretor de informação da SIC sustenta que, a partir do momento em que o PSD já se demarcou do Chega”, deixa de ser líquido quem tira vantagem com o crescimento do partido de Ventura. “O PS já ganhou, culpa do PSD que não se afastou claramente do Chega”. “É um jogo em que sobretudo o Chega ganha”.
Terça-feira, a propósito da demissão de Galamba, “o que dizia André Ventura era sobretudo o que as pessoas queriam ouvir, o que se dizia nos cafés. Quando os partidos exploram os sentimentos da população, a solução não é esconde-los”, acrescenta José Manuel Fernandes.
Agora, a quem interessa a subida do Chega? “Interessa mais ao PS, que já conquistou muito graças ao Chega, pelo receio de que a vitória do PSD lhe abrisse portas. Agora, se o Chega crescer é mais difícil constituir maioria política nessa área”, defende. “Mesmo que PSD o diga mil vezes [que não há acordo], o estigma vai continuar a existir”, acredita.
O Chega tem muita atenção porque há muitas situações em que os outros partidos desnecessariamente lhe dão palco” (…) “É o que o Chega quer. E tem canais nas redes sociais que permitem amplificar todos os episódios”.
Voltando às declarações de António Costa, e ao protagonismo de André Ventura, o fundador do Observador aponta o dedo, por exemplo, a Augusto Santos Silva. “Basta comparar o seu comportamento e o de Lula da Silva. Lula da Silva não lhe deu visibilidade, Augusto Santos Silva fez com que tudo fosse repetido”. “O Chega tem muita atenção porque há muitas situações em que os outros partidos desnecessariamente lhe dão palco”, resume José Manuel Fernandes. “É o que o Chega quer. E tem canais nas redes sociais que permitem amplificar todos os episódios”, remata.
Quanto ao ganho de votos, “faz mais pelo Chega um atraso no julgamento de José Sócrates do que o tempo de exposição nas notícias”, atira o diretor de informação da Impresa.
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