Mais trabalhadores com ensino superior, mas salários estagnaram nos contact centers

Rotatividade no setor dos contact centers disparou para 48,2% no ano passado. Escassez de talento transversal à economia e forte concorrência no recrutamento podem explicar subida, diz APCC.

Há mais trabalhadores com o ensino superior a trabalhar nos contact centers, setor marcado no ano passado pela rotatividade que disparou para quase 50%. Apesar do aumento da inflação, os salários mantiveram-se praticamente inalterados, com os operadores a ganharem uma média de 897 euros/brutos e os supervisores 1.101 euros, segundo o “Estudo de Caracterização e Benchmarking da Atividade de Contact Centers em Portugal 2023”, da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC). Estima-se que o setor empregue 104 mil pessoas, ou seja, deve ter crescido 15,4%.

“Esta indústria apresentou um notável nível de crescimento, de 2019 para 2021, superior a 50%, motivado pela pressão da procura associada à pandemia. Não devemos esperar crescimentos tão dramáticos nos próximos anos, mas o setor mantém uma trajetória de crescimento sustentado que deve persistir“, considera Pedro Miranda, presidente da APCC.

Estima-se que no setor trabalhem mais de 100 mil pessoas, mas apesar do disparo da inflação no ano passado, no setor dos contact center os salários praticamente estagnaram.

Pedro Miranda, presidente da APCC

O inquérito realizado pela APCC junto aos associados – e respondido por 1.182 operações/linhas de atendimento, representativas de 52.102 colaboradores –, ao mesmo tempo que destaca o aumento do número de pessoas com ensino superior ou frequência a trabalhar no setor – “pela primeira vez acima dos 40%” (39% em 2020 e 36% em 2021), com os colaboradores com ensino secundário completo a passar de praticamente 60% nos dois anos anteriores (57% em 2020, 59% em 2021) para 50% –, aponta igualmente para uma “forte tendência de estagnação no valor do ordenado bruto médio mensal dos operadores”.

Pedro Miranda aponta uma possível explicação. “Nos últimos anos tem sido sempre verificado o aumento dos salários dos colaboradores. Neste ano ocorreu, pela primeira vez, uma quase estagnação que poderá dever-se à grande rotatividade e à necessidade de contratar maior número de novos colaboradores, que entram para escalões de formação”, refere o presidente da APCC ao ECO Trabalho.

Nos últimos anos tem sido sempre verificado o aumento dos salários dos colaboradores. Neste ano ocorreu, pela primeira vez, uma quase estagnação que poderá dever-se à grande rotatividade e à necessidade de contratar maior número de novos colaboradores, que entram para escalões de formação.

Pedro Miranda

Presidente APCC

Efetivamente, em média, o salário dos colaboradores assinala até uma redução de 0,78% para 890 euros, com o setor de saúde a pagar os salários mais elevados (1.106 euros) a estes profissionais e as telecomunicações os mais baixos (750 euros).

Mas no universo dos supervisores, a evolução, apesar de positiva, não é significativa, com o ordenado bruto mensal a subir 1,6%, para 1.101 euros. “A Administração Pública apresenta as remunerações médias mais elevadas (1.517 euros) e os Correios e Distribuição Expresso as mais baixas (873 euros)”, destaca o estudo.

“Contrariando frontalmente a narrativa de setor de precários, os resultados de 2022 revelam uma estabilização no tipo de contratos de colaboradores, acima dos 55% com contrato sem termo. A utilização de trabalho temporário é marginal, tendo descido para 5,6% e o recurso a recibos verdes é inferior a 2%”, aponta o estudo.

Rotatividade dispara no setor

Apesar dessa estabilidade contratual, o ano passado foi marcado pelo aumento da rotatividade. O turnover que até tinha vindo a diminuir na fase da pandemia, chegando a estar abaixo dos 20% em 2021, disparou para 48,2%. Valor que ainda é mais expressivo nas empresas que prestam estes serviços em outsourcing, atingindo mais de 54%. “Está acima dos 30% nas telecomunicações e nas utilities e acima dos 20% nos bancos e outras instituições financeiras e na saúde. Valores abaixo de 10% em todos os restantes setores”, detalha o estudo.

Mas, “talvez ainda mais preocupante, é o salto na rotatividade dos supervisores que passou num ano de 8% para 21%”, refere a APCC, com as empresas de outsourcing (57%) e comércio (31%) a apresentarem resultado acima da média e as de saúde e assistência em viagem a registar uma rotatividade zero.

Futuro será cada vez mais híbrido

Uma dificuldade na retenção do talento num ano em que, terminadas as maiores restrições impostas pela pandemia, muitas empresas começaram a mudar o regime de trabalho, verificando-se uma redução muito significativa de pessoas a trabalhar em regime 100% remoto – de 62% em 2021 para 30% em 2022 –, acompanhado por um aumento do modelo 100% presencial de 12%, para 32%. Os restantes 38% trabalham em regime híbrido, dos quais 23% com dias fixos presenciais e 15% sem dias fixos presenciais.

Poderá esta mudança de modelo de trabalho explicar esse aumento da rotatividade? “O aumento da percentagem de colaboradores em regime 100% presencial, a redução do 100% remoto e a grande incidência de regimes híbridos tem vindo a ocorrer sem dificuldades, sendo geralmente acolhidas as expectativas e preferências dos colaboradores”, considera Pedro Miranda. “Num clima de dificuldade de recrutamento e esforço de retenção de talentos não seria de esperar diferente”, acrescenta o presidente da APCC.

O aumento de taxa de rotatividade é o resultado esperado de uma situação generalizada de falta de recursos humanos transversal à economia e da forte concorrência no recrutamento, mesmo entre empresas do setor.

Pedro Miranda

Presidente da APCC

“O aumento de taxa de rotatividade é o resultado esperado de uma situação generalizada de falta de recursos humanos transversal à economia e da forte concorrência no recrutamento, mesmo entre empresas do setor”, conclui o responsável.

Quanto à evolução do regime de trabalho futuro? “A maioria respondeu que o mesmo será híbrido (41%), com maior peso da opção com dias presenciais fixos (28%) do que sem dias presenciais fixos (13%)”, aponta o estudo.

Menor antiguidade e mais absentismo

A maior dificuldade passa por reter o talento que resulta num menor rácio entre o número de supervisores e colaboradores. As equipas de gestão têm agora mais pessoas a seu cargo, com impacto na antiguidade média dos colaboradores que reduziu de forma significativa: de 43 para 34 meses “contrariando o crescimento deste indicador que se verificava há já três anos”.

“O setor de correios e distribuição expresso mantém a taxa mais elevada, superior a 100 meses, apesar de uma redução significativa (era de 126 meses em 2021), enquanto o dos bancos e outras instituições financeiras mantém o valor de antiguidade média mais reduzido (que passou de 30 em 2021 para 23,2 meses agora)”, aponta o estudo.

Já a antiguidade média dos supervisores ainda não reflete o aumento do turnover, com os 75 meses a manter-se em linha com anos anteriores. Esta é superior à média nos correios e distribuição expresso (204 meses) e na assistência em viagem (180 meses), com as seguradoras e comércio a apresentarem antiguidades médias mais baixas.

No ano passado, o absentismo também aumentou. Depois de ter descido consideravelmente no início da pandemia, continua a crescer gradualmente: de 8,1% em 2020 para 8,8% em 2021 e 9,4% no ano passado. O setor de atividade com a maior taxa de absentismo foi o das telecomunicações (13,9%), como tem sido hábito ao longo dos anos. Relativamente a 2021, seguradoras (de 5,9%, para 11,7%) e bancos e outras instituições financeiras (8,4%, para 10,3%) apresentaram o maior aumento e a Administração Pública a maior redução (4,5%, para 2,6%).

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