As perguntas a que João Galamba tem de responder na comissão de inquérito

Ministro das Infraestruturas passou a ser um dos protagonistas da comissão parlamentar de inquérito à TAP por conta da polémica exoneração do ex-adjunto Frederico Pinheiro.

No final de fevereiro, quando começou a comissão parlamentar de inquérito à TAP, João Galamba mal tinha aquecido o lugar de ministro das Infraestruturas. Numa ida ao Parlamento, as perguntas ao recém-ministro seriam principalmente sobre o processo de privatização da TAP. Na altura, a discussão ainda andava à volta da indemnização de meio milhão de euros à ex-administradora Alexandra Reis e qual o envolvimento no processo do antecessor de Galamba, Pedro Nuno Santos.

Nos últimos três meses, no entanto, tudo mudou: a demissão de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja da presidência executiva e do conselho de administração da TAP, a proibição de a gestora apresentar os lucros da companhia aérea em 2022 e, nas últimas semanas, a polémica exoneração do ex-adjunto Frederico Pinheiro por causa de uma reunião preparatória em janeiro antes de a ex-líder da TAP ir à comissão parlamentar de Economia.

A polémica com Frederico Pinheiro levou a um pedido de demissão não aceite pelo primeiro-ministro e que abriu um confronto com o Presidente da República. João Galamba manteve-se no cargo, depois de apresentar a demissão e de Marcelo Rebelo de Sousa ter sugerido a sua saída do Executivo. Por conta deste imbróglio, não faltam perguntas para João Galamba responder nesta quinta-feira a partir das 17 horas.

Quem teve a iniciativa de realizar uma reunião preparatória antes da audição da CEO?

Christine Ourmières-Widener revelou na sua audição na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP no início de abril que tinha havido uma reunião preparatória com o grupo parlamentar do PS e elementos do ministério das Infraestruturas a 17 de janeiro, antes de ir à Comissão de Economia. O ministério emitiu na altura um comunicado onde confirma a reunião, mas que a mesma foi solicitada pela CEO.

É Frederico Pinheiro, ex-adjunto do gabinete de João Galamba, quem revela a existência de uma reunião a 16 de janeiro entre o ministro e a CEO, em que também participou. Na audição desta quinta-feira, Frederico Pinheiro afirmou que o ministro deu indicações à gestora francesa para focar as respostas aos deputados no plano de restruturação e nos sucessos da TAP.

A chefe de gabinete de João Galamba, Eugénia Correia, manteve a versão de que o pedido foi da CEO, lendo uma mensagem que recebeu de Frederico Pinheiro a solicitar o agendamento da reunião com o ministro.

João Galamba será confrontado com uma reunião que optou inicialmente por omitir e só assumiria mais tarde, numa conferência de imprensa, ter existido. E afinal quem teve a ideia do encontro antes da audição na comissão parlamentar de Economia? Foi a CEO da TAP que se convidou o foi o Ministério que convidou a gestora a participar?

O ministro pediu para que notas de ex-adjunto fossem omitidas?

O ex-adjunto acusa João Galamba e a chefe de gabinete de lhe terem pedido para omitir as notas que tirou das reuniões de 16 e 17 de janeiro na documentação a enviar à CPI, alegando que por serem informais não tinham de ser remetidas. Frederico Pinheiro acabaria por insistir no envio, já em cima do prazo, o que na sua opinião levou à sua exoneração.

Já o ministro garante que Frederico Pinheiro disse sempre que não tinha notas das reuniões, só as apresentando mais tarde. E que protelou o seu envio à chefe de gabinete, apesar de repetidamente instado a fazê-lo. Eugénia Correia diz que Frederico Pinheiro demorou 28 horas a remeter as notas, num papel que ocupa menos de uma folha A4.

Mais uma vez, em face das contradições, este será um tema abordado pelos deputados.

Os acontecimentos “deploráveis” no ministério das Infraestruturas

“Deploráveis” foi o adjetivo usado pelo primeiro-ministro para caracterizar os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas a 26 de abril, quando Frederico Pinheiro é exonerado e vai ao seu local de trabalho para levar o computador, onde existia informação classificada.

A forma como o ex-adjunto e o pessoal do gabinete de João Galamba olham para os acontecimentos deploráveis é também muito diferente. Frederico Pinheiro diz que foi manietado e sequestrado dentro do edifício, com as portas a serem trancadas. Eugénia Correia relatou a sua tentativa de impedir o “roubo do computador” e que foi agredida pelo ex-adjunto, tal como duas assessoras de imprensa.

Frederico Pinheiro acabaria por ser “libertado” pela PSP, que chamou ao local, levando o computador. Queixou-se ainda de que o acesso ao email e às comunicações através do telemóvel foi bloqueado.

O que sabia João Galamba sobre o que se estava a passar no ministério? Que ordens deu aos elementos do seu gabinete? Os deputados irão tentar passar a pente fino os acontecimentos dessa noite.

Qual a intervenção de Galamba no contacto com o SIS e a PJ

Nessa mesma noite de 26 de abril o Serviço de Informação e Segurança foi contactado para recuperar o computador levado por Frederico Pinheiro, uma vez que continha informação confidencial. Eugénia Correia afirmou esta quarta-feira na CPI que a iniciativa de contactar o SIS foi sua e que o fez sem conhecimento prévio do ministro.

João Galamba disse numa conferência de imprensa a 29 de abril, que foi o seu ministério que relatou factos ao SIS e à PJ por recomendação da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro. Esta última disse ontem numa audição no Parlamento que apenas contactou a PJ, uma vez que não tem competências em relação ao SIS.

A intervenção dos serviços de segurança tem sido considerada desproporcionada e até ilegal. Frederico Pinheiro contou também na quarta-feira que foi ameaçado pelo agente do SIS que o contactou.

João Galamba terá de explicar o seu envolvimento no contacto às autoridades policiais e a quem ligou no Governo.

João Galamba ameaçou fisicamente Frederico Pinheiro?

O antigo adjunto alega que sim. Após ter indicado que queria juntar as suas notas aos documentos a enviar à CPI, recebeu um telefonema muito exaltado do ministro em modos que considerou impróprios. Confirmou também que na chamada em que é exonerado, João Galamba ameaçou dar-lhe dois murros. “O senhor ministro ameaçou-me fisicamente”, disse.

Os deputados quererão saber a versão do ministro que tem fama de enfant terrible.

Plano de reestruturação da TAP não existia nos arquivos do ministério

É só o documento mais importante para a vida da TAP desde 2021 e nos próximos anos, mas segundo revelou a chefe de gabinete de João Galamba não existia nos arquivos do ministério. Apenas no computador de Frederico Pinheiro.

Esta omissão nos arquivos e a forma como é gerido o acesso aos documentos no ministério também será tema de uma audição que promete ser longa.

A demissão de Christine Ourmières-Widener

A decisão de demitir a CEO e o chairman da TAP foi anunciada a 6 de março, numa conferência de imprensa conjunta de João Galamba e Fernando Medina, após o relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) ter considerado ilegal o acordo que ditou a indemnização à antiga administradora Alexandra Reis. No mesmo dia foi revelado que o novo líder da companhia aérea seria Luís Rodrigues, então CEO da SATA.

Só depois é que as Finanças iniciaram os passos para a destituição dos dois administradores, nomeadamente a preparação legal para a demissão por “justa causa”. Foi noticiado um email de Eugénia Correia em que esta considera que a fundamentação legal é frágil. Para a audição desta quarta-feira trouxe outra versão, dizendo que o relatório da IGF dá toda a solidez ao processo.

O ministro terá de clarificar os contornos da demissão da antiga CEO, a solidez jurídica da decisão e se a gestora terá direito a bónus de desempenho por ter conduzido a empresa aos lucros dois anos antes das metas previstas no plano de reestruturação assinado com a Comissão Europeia.

A reprivatização da TAP

Numa das três rondas de perguntas, ainda se vai falar sobre o processo de privatização da TAP e qual o modelo que o Governo está a pensar para vender pelo menos parte do capital social. O processo de privatização está a gerar interesse de grupos de aviação europeus como a Lufthansa, a Air France-KLM e o Grupo IAG, dono da Iberia e da British Airways.

O ministro deverá ser questionado em particular sobre o interesse deste último, considerado uma ameaça ao hub de Lisboa, dada a proximidade a Madrid. Por falar em aeroportos, e tendo em conta os constrangimentos no Humberto Delgado, é possível que haja perguntas sobre medidas para resolver os problemas no curto prazo e as soluções para o médio e longo prazo.

A companhia aérea contratou a Evercore, uma consultora norte-americana, para preparar um dossiê e auscultar interessados na reprivatização, embora sem fazer um contrato. Frederico Pinheiro afirmou que foi entregue um relatório à TAP e ao ministério. Os deputados irão certamente perguntar quais os contornos da participação da Evercore.

A demissão foi encenada?

Tal como aconteceu na quarta-feira, é provável que os deputados da oposição aproveitem a audição para reafirmar que João Galamba não tem condições para se manter no cargo.

Recorde-se que pouco tempo depois do ministro ter enviado um comunicado a dizer que se demitia, para preservar a estabilidade institucional, António Costa chamou as televisões para dizer que rejeitava o pedido. A demissão de Galamba terá sido uma encenação? Mais uma pergunta para os deputados.

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