Arrendamento de devolutos nunca será solução de larga escala, defende ministra da Habitação

  • Lusa
  • 8 Junho 2023

250 municípios estão a apostar em estratégias locais de habitação. Ministra Marina Gonçalves pondera linha bonificada para cooperativas e conta com transição de casas do alojamento local.

O arrendamento forçado de casas devolutas nunca será uma solução que responda em larga escala ao problema da habitação, reconhece a ministra Marina Gonçalves, mostrando abertura para discutir instrumentos que permitam mobilizar este património com maior assertividade.

Lembrando que a figura do arrendamento forçado para habitações devolutas já existe na lei, a ministra da Habitação, refere, em entrevista à Lusa, que o objetivo da proposta do Governo é tornar este instrumento eficaz.

“Temos de realmente tornar estes instrumentos eficazes na dimensão que eles têm” e ver em que medida respondem, disse a ministra, reconhecendo que este “não é um instrumento em si que vai resolver a política habitacional, nunca será um instrumento que responda em larga escala”, ainda que possa ser muito útil.

“Aquilo que nós estamos aqui a fazer é acrescentar um instrumento para os municípios, na definição de estratégias, onde muitos destes municípios, estes em concreto [Lisboa e Porto], dizem ter carências habitacionais, têm carências habitacionais e estão a trabalhar para resolver essas carências”, referiu a ministra quando questionada sobre o facto de as autarquias de Lisboa e do Porto já terem dito que não pretendem fazer uso do arrendamento forçado.

A ministra admite, contudo que se a eficácia da medida é posta em causa e se há instrumentos alternativos, que é neles que se deve trabalhar. “Se acharmos em conjunto, no debate do parlamento, que há instrumentos que conseguem mobilizar o património devoluto com maior assertividade do que aquele que nós apresentamos, estamos sempre dispostos a fazer essa discussão”, afirmou.

A ministra assinalou também que “todos” os 308 municípios do país estão a trabalhar nas Estratégias Locais de Habitação (ELH), no âmbito do programa 1.º Direito.

Desse total, adiantou, 250 já têm as ELH “em execução, em projeto ou em obra”, número representa pouco mais do que os 242 que já o tinham feito há dois meses, quando o Governo fez o último balanço.

Mas, a ministra sublinha que “a maior parte” dos restantes 58 municípios está “mesmo em fase final de aprovação” das estratégias.

“É um esforço que está mesmo a ser feito por todo o país, inclusive nas regiões autónomas, em complementaridade com os programas regionais que estão em curso”, sublinha.

Os municípios identificaram, até agora, cerca de 67 mil famílias a viverem em condições indignas.

As Estratégias Locais de Habitação assentam “em mais de 40%” na reabilitação do parque habitacional dos municípios, “muito dele devoluto porque não havia fontes de financiamento”, contabiliza a ministra.

Marina Gonçalves regista também “um avanço muito positivo” no número de proprietários privados que querem reabilitar devolutos. “Temos várias centenas de proprietários privados que já apresentaram candidaturas no IHRU [Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana]”, disse.

Transição do alojamento local

A ministra da Habitação não tem previsões sobre o número de casas do alojamento local que possam sair desta atividade para o arrendamento habitacional, mas afirma que “quantas mais forem, melhor”, pois todas ajudam na resposta ao problema da habitação.

“Temos cerca de 70 mil apartamentos no alojamento local, no país todo […]. Se tivéssemos parte de apartamentos, destes 70 mil, que são apartamentos habitacionais, [se parte deles] pudessem ser mobilizados para a habitação, era uma grande ajuda para aquela que é a emergência e a urgência da resposta habitacional”, sublinha a ministra.

Marina Gonçalves não tem previsões sobre o número destas casas que possa passar para o arrendamento habitacional, mas não tem dúvidas: “Quantas mais vierem deste número, melhor resposta teremos no mercado habitacional, nesta modalidade de apartamento”, sendo “difícil dizer que seriam 10, que seriam 20, que seriam 100”.

O programa Mais Habitação contempla incentivos fiscais, determinando que quem mude uma casa do alojamento local (AL) para o arrendamento fique isento de IRS nas rendas durante vários anos, não tendo também limites na definição do valor da renda. Por outro lado, nas zonas de pressão urbanística, o AL será sujeito a uma contribuição extraordinária de 20% – que incide sobre uma parte do rendimento gerado e cujo cálculo tem em conta os valores médios do arrendamento e da receita do imóvel.

O objetivo desta medida é, precisa a ministra, criar incentivos que mobilizem e não obrigar à mudança. “Não estou a obrigar, não estou a acabar com o alojamento local, não estou a obrigar a transitar para o arrendamento, estou a criar um incentivo para dizer: é apelativo o arrendamento”, acentua.

Sobre os vistos ‘gold’ e nomeadamente a reivindicação das regiões autónomas de ficarem de fora das novas limitações contempladas no Mais Habitação, Marina Gonçalves considera que, com a proposta do Governo em discussão no parlamento, esta é a fase “de ouvir todas as propostas”.

Salienta, contudo, que mais de 90% dos investimentos dos vistos ‘gold’ é no imobiliário, o que acaba por ter um efeito indireto no mercado habitacional “porque faz aumentar, obviamente, o custo da habitação”, como refere o relatório que mediu o impacto destas autorizações de residência.

“Não queremos com isto desincentivar o investimento no país, pelo contrário, mas já temos uma política de vistos geral, um regime geral de atribuição de vistos que assenta também no investimento”, precisa a governante, lembrando que esta é uma discussão que está a ser feita um pouco por toda a Europa.

Relativamente a medidas como a que foi tomada pelo Canadá (que impediu a venda de casas a não residentes) e ao impacto que a atração de nómadas digitais está também a ter nos preços da habitação, Marina Gonçalves, admite que esta terá algum impacto indireto, mas “não tem dimensão”.

“[O impacto dos nómadas digitais] Não tem uma dimensão por si, vista individualmente, uma dimensão indireta no preço da habitação”, refere, considerando que, com isto, não quer dizer que não se deva “fazer esse debate no futuro”.

Linha bonificada para cooperativas

O Governo ainda está a desenhar a linha de financiamento para as cooperativas, “mas a ideia é que seja bonificada”. Marina Gonçalves reconhece entraves no acesso ao financiamento e ao crédito por parte das cooperativas.

“Estamos a trabalhar com o Banco de Fomento numa linha de financiamento sustentável, mais duradoura, em função dos projetos, que permita responder às cooperativas enquanto projeto” coletivo e não individual, “de cada cooperante”.

“Ainda estamos a definir o modelo, mas a ideia é que seja uma linha bonificada pelo Estado, para permitir essa sustentabilidade”, adianta, recordando o exemplo recente de dois terrenos do Estado colocados a concurso que “ficaram desertos, precisamente pela dimensão de financiamento” e pela “incapacidade das cooperativas” de acederem a esse financiamento.

Questionada sobre a hipótese de as cooperativas poderem propor terrenos públicos a projetos, a ministra disse que “a ideia é conjugar várias dimensões”: mobilização de terrenos públicos para aquele fim habitacional, linha de financiamento e capacitação do setor cooperativo.

Em abril, quando ouvidas pela Lusa, as cooperativas notavam que persistem entraves ao acesso ao financiamento e à participação em todas as fases dos projetos e queixaram-se da falta de “um diálogo sério” sobre o que são realmente cooperativas.

Por exemplo, a Rizoma, uma dessas cooperativas, defende alterações ao crédito.

“Quando cada membro tem de fazer individualmente um empréstimo à banca, está-se a matar a ideia de que o dinheiro é comum. O risco deixa de ser partilhado e passa a ser uma ideia individualizada do que é viver numa cooperativa”, explicou Bernardo Fernandes, membro da Rizoma, um dos cinco coletivos da Área Metropolitana de Lisboa que integram a Rede Co-Habitar, já com dois projetos em processo de construção, nos concelhos de Mafra (distrito de Lisboa) e Moita (Setúbal).

Segundo dados fornecidos à Lusa pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, atualmente estão registadas 175 cooperativas de habitação e construção, na “grande maioria” em regime de propriedade individual, ainda que a propriedade coletiva tenha começado “a ser mais usada recentemente, em algumas das poucas cooperativas de habitação e construção que se têm vindo a constituir e que pretendem usar o sistema de habitação colaborativa”.

A ministra Marina Gonçalves promete um “trabalho de parceria”, entre Estado (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), municípios e cooperativas, para “montar um modelo que seja eficaz”.

Só depois desse trabalho serão conhecidos critérios de elegibilidade, montantes e prazos.

“A proposta, neste momento, está a ser desenhada”, ressalva.

O Programa Mais Habitação propõe o reforço fiscal e da linha de financiamento das cooperativas, incluindo uma verba de 250 milhões de euros para os setores privado e cooperativo, mas desconhece-se a parte que será aplicada especificamente às cooperativas.

“O setor cooperativo é parte fundamental para responder de forma estrutural aos problemas de habitação, no modelo colaborativo e na lógica de partilha de comunidade”, destaca Marina Gonçalves.

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