Bancos centrais só estão focados em trazer a inflação para os 2%

Os governadores dos principais bancos centrais mostraram no Fórum do BCE que o controlo da inflação é a sua única prioridade, e que isso obrigará a uma política monetária ainda mais restritiva.

Governadores dos bancos centrais
Painel de governadores dos bancos centrais no Fórum do BCE (da esquerda para a direita): Kazuo Ueda, governador do Banco do Japão, Jerome Powell, presidente da Fed, Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, e Andrew Bailey, governador do Banco de Inglaterra.

Se alguém duvidasse da determinação dos principais bancos centrais do mundo para controlarem os preços nas suas economias, elas foram dissipadas no Fórum do Banco Central Europeu (BCE) que decorreu em Sintra entre terça e quarta-feira.

A mensagem dos governadores do BCE, da Reserva Federal norte-americana (Fed) e do Banco de Inglaterra foi clara: “Temos um trabalho a fazer. E o nosso trabalho é baixar a taxa de inflação para a meta de 2%”, referiu Andrew Bailey, governador do Banco de Inglaterra, no decorrer de um painel de discussão com os presidentes da Fed, do BCE e do governador do Banco do Japão no último dia do Fórum do BCE.

A frase foi proferida pelo líder do banco central inglês, mas podia ser de qualquer outro dos seus colegas. Todos, de uma forma ou de outra, mostraram nas suas intervenções uma forte determinação em utilizarem todas as ferramentas ao seu dispor para trazerem a inflação para baixo a qualquer custo.

Lagarde, por exemplo, afirmou que o BCE terá de ser tão persistente quanto for a inflação e que manterá uma política monetária restritiva o tempo suficiente até se sentir confortável para baixar as taxas de juro.

Powell indicou que a Fed espera adotar medidas mais duras no controlo dos preços nos próximos meses e que adotará uma política monetária restritiva enquanto for necessário. Já Bailey afirmou que a estabilidade dos preços é a âncora que os bancos centrais devem sempre manter, e Kazuo Ueda diz que está a ver sinais de que as expectativas de inflação estão a aumentar e que, por isso, o Banco do Japão teve de “desancorar” as expectativas de inflação de zero e “reancorá-las” em 2%.

O caminho percorrido até agora pelos bancos centrais para controlar a inflação foi extenso — só a Fed já aumentou em 500 pontos base as Fed Funds no espaço de um ano –, mas todos reconhecem que há ainda um longo caminho pela frente. “Nenhum de nós consideraria a possibilidade de abrir agora a porta à inflação, numa altura em que os bancos centrais estão em vias de trazer a inflação para baixo”, referiu Lagarde, sublinhando: “Temos de ser tão persistentes como a inflação tem sido persistente e atingir o objetivo estabelecido (2%)”.

Apesar de não trabalharem em coordenação, os governadores aproveitaram o Fórum do BCE para falarem em uníssono na tarefa de controlarem os preços nas suas economias seguindo uma política de “whatever it takes“.

Para as famílias, empresas e Estados, não se vislumbram tempos fáceis. As políticas restritivas dos bancos centrais trarão novas subidas das taxas de juro e a manutenção dessas taxas altas por um período mais longo do que anteriormente era esperado, dado que as previsões da Fed e o BCE apontam para que a taxa de inflação só baixe até aos 2% no final de 2024 ou início de 2025.

Bancos centrais querem a colaboração de todos

Lagarde aproveitou também para relembrar a importância das políticas orçamentais dos Governos no combate à inflação, reforçando, mais uma vez, “que está na altura de reduzir a grande despesa pública da era Covid e o apoio maciço devido ao choque energético na Europa”.

A presidente do BCE não quis falar sobre decisões futuras do Comité do BCE, mas deixou claro que se espera pelo menos mais uma subida de juros em julho e que, quanto atingirem o nível desejado pelo banco central, vão permanecer assim por algum tempo.

Lagarde a inflação como tendo entrado numa segunda fase. Na primeira, existiu uma forte contribuição da manutenção das margens de lucro das empresas, sendo que foram responsáveis por “dois terços da inflação doméstica em 2022, ao passo que, nos 20 anos anteriores, o seu contributo médio foi cerca de um terço.”

No entanto, a líder do BCE revela que esta situação está agora a dissipar-se e que a próxima fase do controlo dos preços foca-se nos salários, cujo impacto na inflação é maior devido à baixa produtividade. Assim, os elementos da orientação política “serão fundamentais” para colocar os juros num nível restritivo pelo tempo necessário. “Ambos os elementos são afetados pela incerteza sobre a persistência da inflação e sobre a força da transmissão da política monetária à inflação”, reitera.

No Fórum do BCE houve também espaço para discussões sobre a origem da inflação e o papel das expectativas da inflação na evolução dos preços, ou seja, como é que a opinião dos agentes económicos relativamente à situação futura impacta o resultado final, bem como a política monetária deve atuar nesse contexto.

Este tema foi debatido tendo como base um trabalho académico da autoria de Silvana Tenreyro, que aborda como deverá a política monetária atuar perante um choque da oferta. “A resposta ótima da política monetária a um único choque de oferta depende da natureza e da duração do choque, da intensidade dos efeitos de segunda ordem e do impacto do choque nos rendimentos reais, bem como de considerações de eficiência”, refere Tenreyro.

Já outro artigo de Francesco Lippio focou-se no paradigma do “novo-keynesiano”, que parte do princípio de que os preços das empresas são algo rígidos e que não reagem a choques fundamentais, pelo menos temporariamente. Metade da subida adicional nas distorções, e custos no bem-estar, deve-se à atividade de gestão de preço, indica. As empresas gastam mais tempo a planear e reagir às mudanças nos custos, que depois são transmitidas para os consumidores.

Além disso, como salientou Sharon Kozicki, vice-governadora do Banco do Canadá, existem também custos para as famílias. “As empresas dedicam tempo à gestão de preços e as famílias também têm de gastar tempo a orçamentar os rendimentos e a fazer pesquisa de preços”, nota, apontando que em alturas de inflação alta aumenta a utilização de técnicas como cupões, o que requer tempo para planear, ou a compra de marcas brancas.

Afinar as previsões para acertar mais vezes

No último dia do Fórum, o foco passou para as políticas monetárias e orçamentais no contexto da inflação elevada, bem como nas lições que se podem retirar nas previsões macroeconómicas. No primeiro tema, são de destacar as conclusões retiradas por Pierre-Olivier Gourinchas, conselheiro económico e diretor do departamento de pesquisa do Fundo Monetário Internacional, no seu paper, que aponta para que as medidas orçamentais “não convencionais” terão ajudado a inflação a desacelerar na Zona Euro, em cerca de um a dois pontos percentuais no ano passado.

Os cálculos mostram que a inflação seria mais elevada no ano passado sem essas medidas, mas que no futuro seria mais baixa. Ainda assim, as medidas permitem que a inflação, no futuro, se situe na meta de 2%, em vez de ficar abaixo. “As medidas estão a realocar a inflação ao longo do tempo“, salientou Gourinchas.

Já quanto às projeções, responsáveis de várias instituições internacionais defenderam a necessidade de inovar nos dados para tentar melhorar previsões económicas, nomeadamente ao incorporar machine learning e inteligência artificial, bem como a chamada “big data”, numa altura de elevada incerteza.

Num painel moderado por Philip R. Lane, membro do conselho executivo do BCE, especialistas de instituições como a OCDE, FMI e a Fed admitiram que foram cometidos erros nas projeções na altura da pandemia e também da guerra na Ucrânia, nomeadamente no que diz respeito à evolução da inflação. Neste contexto, Clare Lombardelli, economista-chefe da OCDE, defende que apresentar vários “cenários e ter dados inovadores pode ajudar a abordar a incerteza”.

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