Implosão do Titan tem “impacto ínfimo” na construção naval em Portugal e no turismo de cruzeiros

Especialistas dizem que acidente com Titan vai alterar regras de segurança nos submersíveis para turismo exótico, mas relativizam efeito de "arrastamento” na construção naval ou turismo de cruzeiros.

Milhares de embarcações navegam todos os dias ao longo da costa ou a atravessar os oceanos e quase todas as semanas há acidentes com navios – “alguns deles com impacto ao nível da revisão das regras”. No entanto, muito poucos têm a exposição mediática que acabou por ter o desaparecimento do Titan, com cinco pessoas a bordo, e a posterior confirmação da implosão do submersível no fundo do Atlântico.

Em declarações ao ECO, o secretário-geral da Associação das Indústrias Navais (AI Navais), começa por dizer que “tanto quanto [sabe] não há projetos identificados de embarcações submergíveis a serem construídos em Portugal”, embora admita que, “do ponto de vista da construção naval tradicional, poderá sempre haver algum impacto” na mudança de procedimentos, assim que surjam mais pormenores sobre as razões para a tragédia.

No entanto, Mário Pinho antevê que “na indústria, em si, o impacto será ínfimo”, recusando um efeito de arrastamento na construção naval ou no turismo de cruzeiros, com o argumento de que “estas são unidades muito específicas” e que transportavam poucas pessoas. “Não estamos a falar de um Costa Concordia [naufragou em 2012 junto à costa da Toscânia, causando 32 mortes], aí são muitas pessoas a viajar; ou da recuperação bastante lenta dos navios após as infeções pela Covid-19, em que foi preciso ganhar a confiança” do público, salienta.

Na indústria, em si, o impacto será ínfimo. Estas são unidades muito específicas, nem todos os dias se fazem viagens àquelas profundidades. Não estamos a falar de um Costa Concordia ou da recuperação lenta dos navios após as infeções pela Covid-19.

Mário Pinho

Secretário-geral da Associação das Indústrias Navais (AI Navais)

O especialista antecipa que o acidente com o Titan terá “impacto zero em viagens de cruzeiros ou turísticas”, lembrando que “nem todos os dias se fazem viagens àquelas profundidades”, que estavam até agora quase reservadas a cientistas e exploradores, mas que passaram a ser uma atividade turística. Para já, exclusiva para pessoas com muito dinheiro, embora as empresas que se lançam nesta atividade esperem uma evolução rápida no número de viagens para terem rendimento”.

“Como este é um ambiente menos tradicional e até inovador em termos do que é o turismo debaixo de água, poderá aí ter algum impacto em termos de confiança do público para embarcar em unidades deste género. (…) Nestas embarcações, em particular, poderá obrigar a novas revisões de segurança e a serem adiadas as próximas viagens para verificar que tudo está em condições”, completa o porta-voz da AI Navais.

Novas lições na indústria com a história a repetir-se

O acidente do Titanic, a 14 de abril de 1912, provocou, na altura, uma imediata reação da comunidade internacional na procura de respostas que contribuíssem para evitar que acidentes semelhantes voltassem a repetir-se. No ano seguinte realizou-se em Londres a primeira Conferência Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar, onde foram estabelecidas novas regras.

Entre elas, destaque para a exigência de que todos os navios passassem a ter espaço para botes salva-vidas para cada pessoa embarcada; que fossem realizados exercícios com botes salva-vidas para cada viagem; ou que os navios fossem obrigados a manter a vigilância por rádio 24 horas por dia. Além disso, foi criada a Patrulha Internacional do Gelo para alertar os navios sobre icebergs nas rotas marítimas do Atlântico Norte e para quebrar o gelo.

Na sequência da tragédia do Titanic, que motivou agora esta expedição turística organizada pela OceanGate Expeditions, foi adotada em 1914 a primeira versão da International Convention for the Safety of Life at Sea (SOLAS), a mais importante regulamentação no que toca à segurança dos navios e respetivas tripulações. A convenção teve sucessivas versões, com alterações, emendas e atualizações, até que em 1974 foi alvo de uma revisão profunda, sendo essa versão, com diversas emendas, que está atualmente em vigor.

Os novos desenvolvimentos regulamentares, tecnológicos, procedimentais irão permitir uma nova abordagem ao setor do turismo exótico subaquático. Em Portugal, [com] a ambição de vir a estender a plataforma continental, as atividades subaquáticas representam importantes oportunidades de desenvolvimento científico e económico.

Pedro Ponte

Engenheiro naval

Pedro Ponte, engenheiro naval e membro da assembleia de representantes da Ordem dos Engenheiros, sublinha ao ECO que “ironicamente, volvidos 113 anos da tragédia ocorrida com o Titanic, uma operação turística destinada a visitar os seus destroços a 3.800 metros de profundidade volta a impelir a comunidade internacional a refletir sobre os padrões de segurança e a tentar obter respostas factuais que contribuam para evitar que acidentes semelhantes voltem a repetir-se”.

Ainda que a violência da implosão signifique que “poderá ser muito difícil obter todos os destroços que permitam determinar com rigor a sequência dos eventos e as causas concretas para o sucedido” — alguns terão sido retirados do fundo do mar e trazidos para terra esta quarta-feira, no Canadá –, independentemente das conclusões, “parece inevitável que as futuras unidades submersíveis deep dive destinadas ao turismo exótico terão de obrigatoriamente ser submetidas com sucesso ao crivo da certificação ao longo da totalidade das fases de vida útil”: projeto, construtiva, operativa e descomissionamento.

“Estamos todos perante um conjunto de novos desafios de Engenharia e, simultaneamente, de novas oportunidades. Os novos desenvolvimentos regulamentares, tecnológicos, procedimentais irão permitir uma nova abordagem ao setor do turismo exótico subaquático. Em Portugal, [com] a ambição de poder vir a estender a nossa plataforma continental, muito além das águas territoriais das regiões dos Açores e da Madeira — o que poderá criar uma nova e até aqui impensável dimensão geográfica –, as atividades subaquáticas representam importantes oportunidades de desenvolvimento científico e económico”.

E o papel da Engenharia Naval e Oceânica, assim como das restantes especialidades ligadas às intervenções no espaço marítimo, conclui Pedro Ponte, em declarações ao ECO, “será determinante na persecução de rigor, confiança, na segurança e na exploração dos nossos fundos marinhos”.

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