Ideias +M

“Contar uma história em 20 segundos não é possível”, diz secretário-geral da APAN

Rafael Ascensão, Hugo Amaral,

A boa e má publicidade, as relações entre os diferentes agentes do setor e os principais desafios da indústria foram alguns dos temas que marcaram o primeiro encontro promovido pelo +M.

Conversas +M - 21JUN23
Conversas +MHugo Amaral/ECO

80% da publicidade é uma seca“, afirmou Nuno Jerónimo, cofundador e diretor criativo d’O Escritório, na primeira conversa promovida pelo +M e que pretendeu colocar em discussão alguns dos temas que afetam anunciantes, agências criativas e agências de meios. O encontro contou também com Sandra Alvarez, diretora da Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing (APPM) e general manager da PHD, e Ricardo Torres Assunção, secretário-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN).

Transformamos aquilo que as marcas querem dizer naquilo que as pessoas querem ouvir. Não é a mesma coisa mas há muitas marcas que ainda acham que é a mesma coisa. É esse o grande desafio” disse Nuno Jerónimo, acrescentando que a luta da indústria criativa passa por “elevar o nível qualitativo da publicidade”.

Já Ricardo Torres Assunção considera que quando se trata de uma questão direta, de coisas técnicas e do dia-a-dia, como a comunicação de preço, “dificilmente [a publicidade] se torna interessante”, pelo que neste sentido é difícil ser-se “disruptivo e diferente”. Ricardo Torres Assunção acrescentou ainda que 50 a 60% das vendas de supermercado é feita pelas promoções, pelo que “pode ser uma seca” mas as pessoas compram.

O secretário-geral da APAN considera ainda que existe publicidade “muito forte” em Portugal e que só não tem maior visibilidade devido à pequena dimensão do país. “Em Espanha, mesmo sendo médio [o anúncio] é médio para 40 milhões, aqui o excelente é excelente para 10 milhões”, apontou.

Sandra Alvarez não concordou com nenhum dos anteriores intervenientes, referindo que “pode efetivamente haver um equilíbrio”, e que muitas vezes se trata de entregar a publicidade a quem deve ser entregue.

Os três participantes também não estiveram totalmente de acordo quando o tema foi a frequência com que as diferentes partes do setor se “sentam à mesa” para a elaboração dos projetos. Sandra Alvarez disse que tal acontece com frequência e que isso pode ser fundamental para as marcas, referindo que, para si, essa é a “forma ideal de trabalhar”.

Já Ricardo Torres Assunção observou que muitas vezes o facto de as diferentes agências não quererem trabalhar em conjunto se deve a um “mecanismo de defesa“, por não se sentirem confortáveis e não quererem mostrar as suas fraquezas.

O diretor criativo d’O Escritório, por seu lado, acrescentou que o grande problema “tem a ver com a falta de confiança no que estão a fazer”, apontando um “defender as quintas“, que quando é ultrapassado “funciona muito bem”.

Sandra Alvarez referiu que este trabalho conjunto é importante, desde logo para se “balizar” o que se pretende para um determinado anúncio, até porque “não vale a pena desenvolver peças criativas que não cabem em 20 segundos, quando o budget só dá para peças de 20 segundos“.

Nuno Jerónimo aproveitou a deixa para observar que é impossível contar uma [boa] história em 20 segundos. “Se é 20 segundos, fazemos histórias para 20 segundos, temos é que partir todos do mesmo ponto e com as mesmas expectativas“. O exemplo foi também desde logo aproveitado por Ricardo Torres Assunção que, reforçou, “contar uma história em 20 segundos não é possível“. Foi a televisão que começou a standardizar os anúncios de 20 segundos, “toda a indústria foi atrás”, à exceção de algumas marcas que dispõem de maiores orçamentos. “Toda a indústria tem que repensar um bocadinho e fazer uma pressão sobre o que existe nos meios. Uma coisa que tinha conteúdo e era interessante, que era os blocos publicitários, tornou-se ‘mais seca'”.

Para fazer uma boa campanha é também necessário um bom briefing, concordaram os intervenientes. Ricardo Torres Assunção disse considerar que um briefing deve ser feito numa discussão conjunta com as agências. Com a agência criativa – de modo a definir-se o objetivo, mensagem e público-alvo -, depois de fechado o conceito é necessário falar com as agências de meios, para decidir a melhor forma de amplificar.

Sandra Alvarez não concordou neste ponto, defendendo que todo o processo tem fases e que, primeiro, é necessário que a marca tenha a capacidade de conseguir “dizer o que quer” e escolher a mensagem. “O briefing para mim é a marca a dizer o que quer. Isso compete à marca fazer”, observou a general manager da PHD.

Mais tarde, a diretora da Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing observou que os marketeers, tal como cada vez mais todos os profissionais, são cada vez mais um ‘canivete suíço’, mas que tem de existir uma diferenciação entre pessoas generalistas e especialistas. Segundo Sandra Alvarez, esta generalização tem acontecido mais ao termo da língua, para que cada vez mais toda a gente das agências consiga falar a mesma linguagem, “o que não quer dizer que a mesma pessoa faça tudo”.

Para Ricardo Torres Assunção, secundado por Sandra Alvarez, o maior desafio do setor é a “panóplia e complexidade” dos dados de audiências, que dificultam a tomada de decisão. “Há aqui uma oportunidade de chegar com qualidade ao consumidor quando estes dados estiverem todos cruzados”, o que simplificaria muito a tomada da decisão, considera o secretário-geral da APAN.

Trabalhar não ferindo sensibilidades foi também apontado por Nuno Jerónimo como um desafio. “É cada vez mais difícil ser surpreendente tentando não ferir nenhuma suscetibilidade“, atualmente há um escrutínio “apertadíssimo”, constata.

O diretor criativo d’O Escritório listou ainda a Inteligência Artificial (IA) como um “desafio grande”, acrescentando que esta vai mudar tudo o que é processo em todas as áreas da sociedade e colocar em causa algumas profissões. No entanto, o essencial é saber lidar com ela e tirar o melhor que esta ferramenta tiver para dar, defendeu Nuno Jerónimo.

Sandra Alvarez acrescentou que as agências de meios já utilizam em larga escala a IA e que esta será “muito importante” como ferramenta que aumenta a produtividade. Para Ricardo Torres Assunção trata-se de “uma das grandes oportunidade”, tão transformadora como a internet já foi. “Temos de estar capazes de nos adaptar e tirar o melhor do que aí vem”, defende.

A fechar a conversa, o secretário-geral da APAN afirmou que ainda que não podia precisar a variação do investimento publicitário para este ano, mas que há uma previsão de manutenção. Sandra Alvarez apresentou uma visão mais ambiciosa e disse estar previsto um crescimento no investimento de 4 a 5%.

 

 

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